quinta-feira, 27 de março de 2014

Obviamente…

(da série “Mas que raio estou aqui a fazer?!”)


Vá… tivemos um Inverno ameno. Sendo que “ameno”, no dialecto das Ardenas, significa que as temperaturas quase nunca estiveram negativas. Praticamente, não nevou. Portanto, não se pode dizer que este Inverno tenha sido muito rigoroso.

Tudo levava a crer que o início da Primavera iria trazer o bom tempo. Temperaturas agradáveis. Sol.

Obviamente, desde nos despedimos oficialmente do Inverno, tem gelado todas as noites. E, durante o dia, têm caído umas bolas brancas do céu. Uma espécie de granizo elevado ao expoente máximo. Coisa nunca antes vista que magoa mesmo o cocuruto. E já nevou, claro.

Estamos na Primavera. Quase em Abril. E eu passo 10 minutos todas as manhãs a raspar o meu carro com a geringonça de plástico para tirar o gelo. Pronto, é só isto. Fica o desabafo.

terça-feira, 25 de março de 2014

Conhecem aquela expressão “Era capaz de vender a própria mãe”?

(depois de um dia de trabalho,

descobri que o meu filho Diogo é um acérrimo defensor)


Celebrou-se, no passado dia 21 de Março, o Dia Mundial da Trissomia 21. No Domingo, a associação onde trabalho deu numa grande festa que juntou pais, filhos, profissionais, filhos dos profissionais… E, o que era suposto ser mais um dia de trabalho, transformou-se numa tarde de puro divertimento. Para mim e para os miúdos, que tiveram de ir a reboque.

Eu tinha-os avisado que todos os chefes dos diferentes serviços da associação iam estar presentes, bem como os colegas com quem convivo diariamente. Pessoas que eu já conhecia e pessoas que ia ter a oportunidade de ver pela primeira vez. Portanto, esperava que tivessem um comportamento irrepreensível. Nada de discussões, gritos, correrias ou birras. E nada de se porem a comer como uns alarves esfomeados, que é sempre o meu maior receio.

Para além disso, tive o cuidado de lhes explicar exactamente em que consistia a trissomia 21. Mostrei-lhes vídeos e fotografias de outras crianças e jovens com trissomia 21. Expliquei ao Vasco que tinha de ter cuidado quando estivesse a brincar com os meninos mais pequeninos. E disse ao Diogo para agir normalmente quando falasse com a rapaziada da idade dele.

Embora não estivessem contrariados, também não estavam propriamente a delirar por terem de ir trabalhar com a mãe, num domingo que prometia sol. Mas, mal entraram no recinto, ambos os meus filhos decidiram vestir a camisola e aproveitar ao máximo. O Vasco pegou num mapa do sítio e não descansou enquanto não experimentou todas as actividades disponíveis: passeios de burro, pinturas faciais, segways, discoteca, ateliers de desporto e de pintura, etc. O Diogo, quando se fartou de fazer de babysitter do irmão, quis ajudar a sério. Esteve à entrada a vender senhas e gauffres. E, no final, ajudou a arrumar tudo. Foi alvo dos mais rasgados elogios. Eu estava babadíssima por trabalhar lado a lado com este filho (cada vez mais) crescido.

Claro que o Vasco, quando se viu entregue a si mesmo, mostrou a sua candura natural… que é como quem diz, soltou a fera que habita naquele corpo de metro e pouco. Meteu-se com toda a gente com quem se cruzou, falou pelos cotovelos, disse disparates e pôs toda a gente a rir. Correu e brincou sem parar com miúdos iguais a ele e com outros um bocadinho diferentes. Jogou matraquilhos com o meu chefe e deu-lhe um raspanete quando perderam. Nem sequer percebeu que estava a jogar contra uma equipa de meninas com trissomia 21. De caras pintadas e aos gritos são todos iguais.

O Diogo estava pasmado a ver os adolescentes, com diferentes tipos de deficiência cognitiva, que quiseram participar no nosso concurso. O objectivo era estimar o peso de um enorme frasco de vidro cheio de doces. Um dos administradores apostou 8kg, quando todos os miúdos se ficaram pelos 2,5/3kg. O peso correcto era 2,831kg!

O chefe dos ATL da associação, que eu ainda não conhecia, passou grande parte da tarde à conversa connosco. Às páginas tantas, pergunta-me: “Então, com excepção do trabalho e destes rapazes fantásticos, o que fazes dos teus dias?”. Ainda estava eu a pensar numa resposta decente, quando o Diogo começa a discorrer sem parar sobre a minha pessoa: “A minha mãe?! A minha mãe nunca pára! É muito enérgica, está sempre a fazer alguma coisa! Além do trabalho na associação, dá aulas de Espanhol à noite. No ano passado, dava aulas de Inglês. E faz traduções. Ela é tradutora, fala quatro línguas. Trabalha muito, a minha mãe! Também tem um blog. E tem muito jeito de mãos! Faz bricolagem, adora trabalhar a madeira. Em poucos minutos, consegue transformar um pedaço de madeira num candeeiro! Para além do tempo que dedica à casa. Está sempre a limpar e a arrumar. É uma excelente cozinheira!” Cada vez mais envergonhada, eu só conseguia balbuciar: “Ó Diogo… Ó Diogo…” Ao que ele ia respondendo: “Ela é uma excelente mãe. Uma pessoa muito especial.”

Quando chegámos a casa, completamente derreados, perguntei-lhe o que lhe tinha passado pela cabeça para se pôr a fazer aqueles elogios todos. Que embora ficasse feliz por ver que ele me achava uma mãe especial, não devia recitar as minhas supostas qualidades como se me estivesse a leiloar. O Diogo defendeu-se dizendo que se tratava de um chefe e que era importante valorizar-me. Lá expliquei que ele não tinha que se preocupar, porque o meu trabalho estava assegurado, eu já tinha um contrato. E, do alto dos seus quase 13 anos, ele rematou: “Sim, tens um contrato. Mas podes sempre conseguir uma promoção, nunca se sabe. De qualquer modo, é sempre melhor terem-te em boa conta no trabalho, sabes?”.

Algo me diz que este tipo não sofre de falta de ambição e que se vai safar no mundo do trabalho...

sexta-feira, 21 de março de 2014

Google Maps

(já a sonhar com as férias grandes…)


Meto-me no carro com os miúdos e o cão no dia 1 de Julho. No porta-bagagens levamos uma tenda da Decathlon. E partimos à aventura. Voltamos no dia 15.
 
O destino não é o mais importante. O caminho, sim...

Malempré, Bélgica – Berlim, Alemanha: 715 Km, 6h35 min.

Malempré, Bélgica – Praga, República Checa: 813 Km, 7h23 min.

Malempré, Bélgica – Veneza, Itália: 1077 Km, 10h11 min.

Malempré, Bélgica – Rijeka, Croácia: 1175 Km, 11h19 min.

 
[ Ou então conseguimos alugar uma casa e ficamos a pintar as paredes, à espera das primeiras visitas… ]


 

quinta-feira, 20 de março de 2014

A ver casas

(embonecada como se fosse para um encontro romântico)


Alugar casa, na Bélgica, é uma tarefa esgotante. Os alugueres são muito cobiçados e há poucas casas disponíveis. Para piorar as coisas, quando se passa de um T2 para um T3, o preço aumenta exponencialmente.

Em Malempré, pura e simplesmente não há nenhuma casa para alugar. E, mesmo para venda, só há duas. Ou seja, se quero uma casa maior, vou ter de sair daqui.

Tendo em conta que o Diogo está muitíssimo bem adaptado à escola, não quero afastar-me muito de Vielsalm. Ou de uma terra onde haja transportes públicos directos. Portanto, aproximar-me mais do meu trabalho está fora de questão. De qualquer modo, os preços são demasiado elevados para aquelas bandas.

Tenho dado voltas à cabeça a pensar na melhor solução. Por um lado, apetece-me continuar numa aldeia no meio do campo. Gosto mesmo desta vida bucólica! Por outro lado, o Diogo está a crescer a olhos vistos e talvez não seja má ideia mudar-me para uma cidade pequena, que lhe permita começar a ganhar uma certa liberdade (ir comer um gelado com os amigos, deslocar-se sozinho de transportes públicos, ir às compras, etc.).

Fiel à minha filosofia de vida de que as coisas se hão-de acabar por resolver de algum modo, decidi não me preocupar muito e deixar andar. Estou calmamente à procura de casa em aldeolas perdidas e em cidades mais cosmopolitas. Mais perto de Malempré e a meio-caminho do meu trabalho. Em Vielsalm, propriamente dita. Apartamentos modernos e casas antigas com quintal. Com dois ou três quartos.

Por enquanto, não tenho tido muito sucesso. Não ajuda estar sozinha com duas crianças e ter um cão. E não poder pagar muito. Mas alguma coisa se há-de arranjar. Já começo a ter experiência neste tipo de entrevistas. Tenho todo um esquema montado: telefono sempre do trabalho, onde não corro o risco de ter o estafermo do cão a ladrar e os miúdos aos gritos; vou visitar as casas sozinha, a verdade é que a coisa pequena não é cartão-de-visita que se apresente; visto-me bem, pois sei que uma saia e saltos altos causam melhor impressão do que umas calças de ganga e uns ténis velhos. Chego sempre a horas. E vou sem pressas, com tempo para ficar à conversa. A fazer charme. Nego sempre com veemência qualquer ligação familiar com o Barroso da Comunidade Europeia. Serve sempre para quebrar o gelo e arrancar um primeiro sorriso.

E se depois desta trabalheira toda não surgir nada, também não faz mal. Quer dizer que é aqui mesmo que devemos ficar. A casa parece-me cada vez mais pequena, mas nós somos cada vez mais felizes.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Feliz dia do pai a um homem sem filhos

(porque há amores que não sendo naturais nem imediatos,

precisam de tempo para florescer)


O meu amor não tem filhos. Nem nunca quis tê-los. Abomina bebés, evita crianças e foge de adolescentes. Uma das primeiras discussões que tivemos dizia respeito ao “amor filial cego”, aquele amor que nos faria salvar um filho em detrimento de qualquer outro ser humano igualmente merecedor. Parece-me óbvio. A ele parece-lhe absurdo.

A primeira vez que os rapazes se meteram na nossa cama, num sábado de manhã, pensei que o meu amor tivesse morrido de ataque cardíaco fulminante, porque deixou de respirar com o susto.

Sempre que um deles ia à casa de banho sem fechar a porta, os olhos do meu amor quase saíam de órbitas. Ou quando arrotavam. Davam puns à mesa. Corriam no andar de cima como se fossem um bando de animais enraivecidos por cima das nossas cabeças.

Um dia, vi-o a chegar com o Vasco cansado ao colo e pensei que o miúdo tinha vomitado, tal era a distância de segurança entre eles. Duvido que alguma vez tivesse pegado numa criança ao colo.

Não, os primeiros tempos de convívio não foram fáceis. É difícil ver os nossos filhos a apaixonarem-se por uma pessoa que não se consegue entregar. E cada um dos meus rapazes reagiu de forma diferente. O Diogo adoptou o “água mole em pedra dura…” e insistia nos afectos, nos abraços, nas declarações de amor. Deparava-se sempre com um muro intransponível, mas nunca desistiu. O Vasco optou pelo “se não podes vencê-los…” e disfarçava o seu amor com uma formalidade excessiva. Sempre que queria dizer algo mais doce, tratava-o por você. Dava apertos de mão em vez de beijos. Nunca se sentava no colo dele. E, de vez em quando, rosnava baixinho: “Esta mãe é minha”.

Este distanciamento propositado que o meu amor impunha aos meus filhos, esta ausência de afecto enraizada, esta falta de jeito evidente – eu diria mesmo que havia um certo desconforto físico – era compensado por uma vontade imensa de “fazer coisas”. Por dar a conhecer novos mundos através de actividades, locais, experiências, conversas, músicas, filmes, jogos. Acampámos nos bosques de Malempré, a 500 metros de nossa casa, numa noite chuvosa. Fizemos bombas de mau cheiro e outras experiências químicas mirabolantes. Analisámos um crânio humano, verdadeiro. Visitámos ruínas, museus, grutas, parques aquáticos, igrejas, castelos, safaris. Aprendemos a distinguir as constelações e o nome de muitas estrelas. Seguimos pegadas de animais. Visitámos várias cidades, em diversos países. Apanhámos cogumelos venenosos. Fomos ver o mar, só porque sim. E lançámos papagaios de papel. Fizemos um passeio nocturno com uma tocha, ao mais belo estilo medieval. Aprendemos a cantar o “Jingle Bells” em Latim. E passámos horas a conversar, numa espécie de palestras em que aprendemos imenso.

E ao lado de tudo isto, a vida real que, aos poucos, o meu amor começou a partilhar. A escola, os testes, o estudo, os trabalhos de casa. Os ralhetes e os castigos. As muitaaas actividades dos rapazes. Os trajectos semanais para o solfejo e as aulas de instrumento. As repetições. A roupa que era preciso lavar, estender, coser. Pôr de lado porque deixava subitamente de servir, sendo preciso ir a correr comprar mais. As dificuldades financeiras. As refeições que era preciso preparar. E os almoços e lanches para levar para a escola. As mochilas da escola e os sacos da Ginástica. As discussões. As doenças e as idas às consultas de rotina. Os muitos animais que povoam esta casa e que é preciso mostrar como se cuida. Os brinquedos desarrumados. Os gritos, as correrias, as mariquices. Os ataques de “adolescentice” aguda e a infantilidade de um menino que ainda precisa de muita atenção. O mimo. Em exclusivo.

Uma figura paterna omnipresente e omnipotente, mesmo a 2500 km de distância.

Não, os primeiros tempos não foram fáceis.

E, um dia, aparece-me aqui às 6h30 da manhã. O Diogo ia fazer o exame nacional de Matemática e ele sabia que eu não tinha conseguido tirar-lhe todas as dúvidas. Deu as últimas explicações, acompanhou-o ao exame e ficou quatro horas à espera para saber como tinha corrido. E, uma noite, apanho-o a ler a “Alice no País das Maravilhas” com o Vasco enroscado no colo. A dar-lhe festinhas. Senti que algo estava a mudar.

Os miúdos começaram a fechar a porta da casa de banho. Deixaram de se meter na nossa cama ao sábado de manhã. Começaram a comer os jantares picantes que o meu amor fazia com um sorriso, com o Vasco a empurrar a custo os vegetais com água. Deixaram de fazer tanto barulho no andar de cima. Fizeram um esforço para nos dar espaço, para nos dar tempo. Aprenderam a dividir-me.

O que mais me espantou, no entanto, foi terem igualmente começado a seguir o exemplo que viam. O exemplo de um homem que sabe cozer e coser. E limpar, arrumar, lavar. Cuidar. O exemplo de um homem que também tem olhos para ver o que é preciso fazer em casa e mete mãos à obra sem que seja preciso pedir-lhe ajuda. E isto passou quase por osmose aos rapazes, que se habituaram a fazer diversas tarefas com a maior naturalidade do mundo.

Entretanto, o meu amor foi trabalhar para Itália, no Verão passado. Passou duas semanas a despedir-se dos meninos. Mas nunca conseguia partir. Ia ficando. Até que teve mesmo de ir. Ofereceu ao Diogo a nave da Guerra das Estrelas da sua infância, que o meu filho diz que é o seu bem mais precioso. E, ao Vasco, uma velha camisa com as insígnias de oficial da marinha, com que ele dormiu dias a fio.

Mas prometeu voltar sempre que fosse preciso, nas férias deles, nos aniversários, quando quiséssemos. Sempre que eles voltam de Portugal nas férias, está à espera comigo no aeroporto. Quando o Vasco partiu o pé, materializou-se aqui em menos de um nada. Quando o Vasco fez anos, foi ter connosco a Frankfurt. No Natal, apareceu de surpresa em Inglaterra. Quando recomecei a trabalhar, veio para estar com eles na primeira semana. Nas férias do Carnaval, juntou-se a nós em Portugal. Mesmo longe, tem estado muito presente nas nossas vidas. Nunca deixou que nos sentíssemos sozinhos.

No outro dia, a coisa pequena perguntou: “Mas porque é que ele nos segue para todo o lado, mãe? Ohhh… eu sei. É porque ele nos ama.” Eu acho que sim. Acho que ele nos ama. A todos. Embora não tenha sido fácil, aprendeu a amar cada um de nós. E a aceitar que a vida, nesta casa, se faz a três.

Durante todos estes meses de ausência, o meu amor soube manter com cada um de nós um canal de comunicação à parte. Distinto. Individual. Manda cartas e postais. Prendas especialmente feitas ou compradas a pensar em cada membro desta família. Pinta quadros, escreve poemas. Manda longos emails a contar histórias. O Vasco mantém com ele uma deliciosa correspondência virtual. O Diogo já conhece a "tabela de valores": uma carta vale 100, um email 10 e um sms 5.

Numa das últimas vezes que cá esteve, no meio de uma pequena discussão sobre a gestão do quotidiano, o meu amor corrigiu-me: “Não, não são os teus rapazes. São os nossos rapazes.” E eu percebi que, paradoxalmente, esta nova situação também não é fácil para mim. Aprender a dividi-los. A ouvir a opinião de alguém que só agora entrou nas nossas vidas. Mas sei que o meu amor tem razão. Ele esteve sempre presente. Foi buscar à escola, levou ao médico, fez o jantar enquanto ajudava nos trabalhos de casa. Aprendeu a dar colo e a secar lágrimas. Deu conselhos avisados. E falou sobre sexo, quando eu não fui capaz. Tudo isto, enquanto impunha a sua presença e nos obrigava a cortar o cordão umbilical que nos ligava uns aos outros. Sim, são os nossos rapazes.

Apesar de tudo, sempre nos recusámos a utilizar nesta casa a designação de “padrasto”. A figura paterna, boa ou má, existe e é essencial à construção da imagem futura dos meus filhos. A posição que o meu amor ocupa não pode ser de usurpação, mas de complementaridade. Isto sempre foi muito claro para nós. Além disso, “padrasto” e “madrasta” são termos tão feios! Só a expressão “a vida é madrasta” diz tudo…

Só que as crianças também têm uma palavra a dizer sobre o assunto e decretaram que é mais simples dizer “o meu padrasto” do que “o companheiro da minha mãe”. Acho estranho, mas compreendo. Felizmente a expressão francesa é muito mais bonita: “beau-père”… literalmente, “pai bonito”. O Vasco, do alto dos seus 7 anos, diz que o meu amor é um “bon père”. Acho estranho, mas concordo.

Amamos os nossos filhos incondicionalmente, insanamente, inquestionavelmente. Naturalmente. Visceralmente, diria mesmo. Desde o primeiro minuto. Mas quando os filhos não são nossos, esse amor tem de ser conquistado. Precisa de tempo para germinar. Porque a verdade é que, quando nos apaixonamos por alguém, esse amor não é automaticamente extensível à prole. Tem de passar por uma relação que se constrói, em qualidade e quantidade. Por se dar a conhecer e aprender a conhecer o outro, tenha ele 12 ou 7 anos. É uma relação única que está dependente da vontade de ambos. Eu limito-me a assistir comovida ao nascimento deste amor.

E é por tudo isto que lhe desejo um feliz dia do pai. A ele que não escolheu ser pai, que não quer ser pai, mas que se apaixonou por uma mulher que tem dois filhos… que ele aprendeu igualmente a amar. Porque não nos iludamos. Este não é um amor natural, é uma decisão consciente que se toma de alargar o raio de alcance do nosso coração. É essa decisão que eu hoje aqui celebro.

terça-feira, 18 de março de 2014

Senhora do meu nariz

(e da minha liberdade, sem concessões)


Nunca tinha vivido sozinha na vida. E a verdade é que gosto. Gosto desta liberdade de fazer o que quero sem dar explicações a ninguém. Sem pedir licença. Sem me justificar. Sem me desculpar. Gosto de ser senhora do meu espaço e do meu tempo. Gosto de ser senhora do meu nariz. E da minha liberdade, sem concessões.

Depois de passar anos a viver uma vida que não era a minha, finalmente posso escrever o guião, distribuir os papéis, realizar o filme e interpretar a personagem principal. Ou as múltiplas personagens, quando me dá para a esquizofrenia. No final, também sou eu que faço a montagem. E os cortes.

Principalmente, não tenho medo de estar sozinha. De acabar sozinha. Chego-me bem a mim própria. Tenho sonhos para toda uma vida e mais além.

domingo, 16 de março de 2014

Lições de vida

(porque às vezes é mesmo preciso mover montanhas

para construir castelos)


Passei as primeiras semanas da separação anestesiada de dor. A pensar como era possível 18 anos terem-se esfumado à frente dos meus olhos sem que eu desse por isso. A pensar como ia esquecer alguém que eu amava desde a adolescência. A pensar como ia explicar isso aos miúdos. A pensar como ia sustentar os miúdos, pois embora continuasse a trabalhar tinha deixado de receber há meses. A pensar como é que ia conseguir continuar sozinha. Amputada. Agarrei-me à ideia da mudança de 180 graus. Recomeçar do zero noutro país. Criar para nós uma nova vida. Percebi que tinha 36 anos e o mundo a meus pés. Quantas vezes na vida temos a possibilidade de apagar tudo o que está para trás e recomeçar a escrever a nossa própria história do início, mas com outra maturidade? Como disse uma amiga, esta nova vida que construí é muito mais vida do que a vida que me roubaram. A liberdade é maior. A felicidade não é truncada. E o amor também é vivido de outra forma, mais profunda. É possível recriar uma família, onde efectivamente todos tenham o seu lugar, em pé de igualdade. Onde ninguém anule ninguém. Onde ninguém esteja acima de ninguém. Onde o bem-estar de cada um faça avançar o todo na mesma direcção.

Quando comecei à procura de casa na Bélgica, no Verão de 2012, apaixonei-me por uma casa numa aldeia junto à fronteira entre a Holanda e a Alemanha. Muitíssimo bem situada, a 20 minutos de Liège, era uma casa grande, com quintal e garagem. O preço era absurdamente baixo pois era bastante antiga. Foi a casa que estivemos mais perto de alugar. Fui vê-la várias vezes, sozinha, com os meus “pais belgas” e os rapazes. A desconfiança do proprietário em relação a uma estrangeira, trabalhadora independente, sozinha com dois filhos, acabou por prevalecer. Na altura, fiquei muito triste. E preocupada, porque o tempo estava a esgotar-se. A escola começava dali a pouco mais de um mês e eu sem poder inscrevê-los, dado que não tinha residência. Duas semanas antes do regresso às aulas, o meu “pai belga” desencantou por milagre a casa de Malempré. Senti de imediato que era mesmo aqui que nós tínhamos de estar. Aqui e em mais lado nenhum. E foi aqui que tudo começou. Que o longo Inverno deu lugar à Primavera.

Quando muitos meses depois, na fila para sair de um estacionamento, parti o velho Saxo fiquei destroçada. Um carro começou a fazer marcha atrás e eu apitei. Duas vezes. Continuou direito a mim. Quando vi que não conseguia fugir e que ele ia bater no lugar do Diogo, guinei para o outro lado. Contra um poste que, azar dos azares, tinha um painel de sinalização partido que me entrou pela janela adentro. Consegui evitar o carro, que entretanto fugiu, e os miúdos escaparam ilesos. Fiquei com as portas partidas e vidros por todo o lado. Em pânico, sem conseguir sair. Quanto mais me mexia, mais os vidros me cortavam. Fiz os 50km de regresso a casa a chorar. A pensar no que raio ia fazer, enfiada numa aldeia onde precisava obrigatoriamente de um carro. O meu contrato na escola tinha acabado e estava sem emprego. O valor do carro não compensava o arranjo, mesmo que tivesse dinheiro para o pagar… que não tinha. A única solução era dar o meu para abate e comprar um novo a prestações. Com uma placa de plexiglas a fazer de vidro e as portas coladas com fita adesiva, passei os dias seguintes a percorrer os concessionários. Quando estava a estacionar à porta da Renault, passou o anúncio deles na radio. Percebi que estava no sítio certo. Um vendedor com vocação para a ajuda social, aceitou o Saxo por troca de um Twingo vermelho de 2009 que tinha pertencido a um velhote falecido de… Malempré! Tinha 7 mil quilómetros e estava como novo. Mas eu paguei como se fosse muitooo usado. O crédito foi aceite com base nos meus últimos recibos de vencimento. Pago pouco mais de 100 euros mensais por ele. O velho destroço já tinha 230 mil quilómetros e inúmeros arranjos a fazer. Em boa hora o parti todo, se não nunca me teria aventurado a comprar outro. Sozinha, eu que não percebia nada de carros.

Quando Setembro deu lugar a Outubro, comecei a desesperar por ainda não ter arranjado mais horas de aulas. E a fazer contas à vida. As reservas a esgotarem-se e eu sem direito a qualquer ajuda do Estado, subsídio de desemprego incluído. Tinha mais uma obrigação financeira. Um filho no ensino secundário privado (embora o ensino seja gratuito, os gastos são maiores). Assumi sozinha as despesas do regresso às aulas e inscrições anuais em todas as actividades. Numa altura em que tinha perdido a pensão de alimentos ao conquistar a guarda dos meus filhos. Novas batalhas judiciais se avizinhavam e era preciso dinheiro para as pagar. Os meses seguintes foram complicados. O Vasco partiu o pé e precisou de consultas, gessos, cadeira de rodas. Foi ao ortodontista e começou a fazer exames que mostraram a necessidade urgente de usar vários aparelhos nos próximos tempos para corrigir uma série de problemas. As contas aglomeravam-se. Valeram-me alguns trabalhos de tradução com antigos clientes portugueses. E o estorno dos impostos. Valeu-me a ajuda da família. Valeu-me o meu amor que fez mais pelos meus filhos do que algum dia pensei ser possível, com uma generosidade repleta de preocupação pelo seu bem-estar. Até que finalmente apareceu o novo emprego. A travessia de seis meses no deserto ganhou novo sentido. A verdade é que ia passar anos de incerteza, antes de chegar a uma situação estável no ensino. Todos anos teria os mesmos problemas: Quando seria colocada? Quantas horas? Onde? Se tivesse arranjado uma colocação a tempo inteiro ou mesmo a meio-tempo, nunca teria concorrido a este trabalho e a situação de incerteza eternizar-se-ia. Agora tenho um contrato e, mal tiver os diplomas reconhecidos, fico efectiva. Posso continuar a dar umas horas de aulas porque gosto e preciso. Mas o stress já não é o mesmo. A segurança está assegurada, passe o pleonasmo.

Um ano e meio decorreu desde o início desta aventura. Por diversas vezes fui confrontada com situações que me mostraram que algo negativo – ou algo que eu encaro como negativo – acaba por se revelar positivo. Mais, acaba por se revelar necessário para conseguir trilhar novos caminhos em direcção a algo melhor. Porque às vezes é mesmo preciso mover montanhas para construir castelos. Esta capacidade para ver mais além que, à força do hábito vou ganhando e que me permite manter a calma para agir perante as mais diversas situações, talvez se chame maturidade. Não tenho bem a certeza. É melhor não ter muitas certezas porque a isso já se deve chamar velhice!

quinta-feira, 13 de março de 2014

Dividir casa e cenas várias


(cheira-me que este título se vai repetir muitas vezes…)


Abraçado a mim em frente ao mar imenso, diz-me o meu amor: “Tens uns cabelos tão bonitos! Gosto tanto da tua cor de cabelo, ainda bem que não o pintas! Nem tens cabelos brancos…”. Ao que eu respondi que pinto, sim, senhora. E que às vezes até vario um bocadinho de cor, consoante o que apanho em promoção. (Ou na caixa que consigo apanhar, quando me atiro às prateleiras feitas para belgas gigantes aos saltinhos). E ele, muito espantado, perguntou: “Mas quando é que fazes isso? Eu nunca vi!”.

Pois, eu sei… mas o cabelo não aparece pintado por magia. Nem as pernas depiladas, as sobrancelhas arranjadas ou as unhas dos pés cortadas. Há toda uma série de coisas que lhe escapam porque eu conscientemente faço por isso. Não para manter uma qualquer espécie de glamour inaugural, que não sou gaja para isso. Apenas acho que há detalhes femininos que mais vale disfarçar. Não sou muito feminina, mas há um mínimo. Estou longe de ser uma princesa, é certo. Mas já agora poupo-o às miudezas de gaja. O problema é que também não sou pessoa para sair airosamente rumo ao salão mais próximo e voltar, 3 horas e 200 euros depois, toda bonita como se nada fosse.

Agora que a questão de vivermos juntos se coloca, ando para aqui às voltas a pensar como raio vou continuar a manter este meu universo feminino secreto. Suponho que se me esforçar muito talvez consiga. Se for rápida. Expedita. Por exemplo, se fizer a depilação de uma perna enquanto ele passeia o cão de manhã… e a outra no passeio da noite. Se for a correr pintar o cabelo quando ele sai para ir ao pão. Se cortar as unhas no trabalho. Se arranjar as sobrancelhas no meio do trânsito. Também posso levantar-me à socapa e fazer tudo de empreitada pela calada da noite. Ou exigir pedir a cumplicidade dos meus filhos a troco de pastilhas para irem dar um longooo passeio pelos bosques. Certo… isto bem organizadinho, até é capaz de resultar.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Carlos, o faz-tudo

(onde se encontra um Tuga da velha cepa

e se tenta passar despercebido)


O Carlos é o faz-tudo da minha escola. Da nossa escola, porque o Diogo também lá anda. Dizem que é o jardineiro, mas eu acho que já o vi fazer um bocadinho de tudo. É a primeira pessoa que chamam quando algo acontece, do cano que rebentou à baliza que caiu. Cortar a relva e podar as árvores é algo que ele só deve conseguir fazer nos tempos livres.

Ora acontece que o Carlos é português. Mas daqueles mesmo típicos. Baixinho, entroncado, muito moreno. Fala alto e gesticula muito. De riso fácil e grito rápido para pôr a miudagem na linha. Sempre cheio de ideias e soluções engenhosas. É que nem lhe falta a t-shirt da selecção com o fio a vislumbrar-se no torso peludo nem nada. E o boné com o nome da pátria orgulhosamente estampado… mesmo quando está a nevar.

Como se tudo isto não bastasse, o nosso jardineiro faz-tudo fala um francês muito aldrabado, com umas palavras portuguesas à mistura. E muitooo vernáculo.

Não me espanta, por isso, que o Diogo não se tenha apresentado a tão espampanante personagem. E os amigos têm mantido em segredo o facto de haver outro português na escola. Na verdade, o meu filho crescido nunca gostou de chamar sobre si as atenções. Detesta “cenas”, como ele diz. Que são praticamente impossíveis de evitar, porque o Vasco é uma criatura bastante espalhafatosa. E eu grito.

Desde que entrou na adolescência, este esforço para passar despercebido e integrar-se no grupo acentuou-se exponencialmente. Suponho que isto exija um empenho suplementar, dado que somos estrangeiros. Daí nunca ter levado a mal ele fugir do Carlos como o diabo da cruz.

E foi exactamente este seu anonimato que lhe permitiu assistir, ontem à tarde, à melhor cena de sempre do Carlos, durante a aula de Educação Física. Estavam os miúdos todos na rua a fazer um exercício qualquer, quando o nosso jardineiro faz-tudo se aproximou do colega novo do Diogo que estava só a assistir à aula. Trata-se de um rapazinho tímido que veio agora do Congo. O Carlos, ao vê-lo ali quieto, desatou a falar português muito depressa: “Ó pá, mas estás aí sentado a fazer o quê, c******?! Vai mas é fazer exercício, f***-se! Um gajo quer-se é com músculos, seu preguiçoso dum c******! Olha lá para isto, meu… Hein? Já viste estes músculos, f***-se? A patroa gosta é disto, pá! Põe-te mas é a correr, c******!”

O coitado do miúdo ia arregalando cada vez mais os olhos e lá acabou por dizer baixinho: “Eu não falo essa língua…”. Mas o Carlos continuou todo contente: “Pois… é lixada, f***-se! Eu também vivi na Guiné, sabes? Dois anos, pá! Mas olha-me lá para estes músculos… C******, não sejas preguiçoso! Vai correr, anda…”.

E depois lá foi à sua vida, a murmurar um chorrilho de asneiras a propósito destes jovens dum c******, que não faziam ponta de corno. Por uma vez, o Diogo deixou cair a capa de falso adolescente belga e largou a rir à gargalhada agarrado à barriga, perante o olhar espantado dos colegas e do professor.

terça-feira, 11 de março de 2014

Passado, presente e futuro

(porque a Primavera pede tempos de mudança)

 
Estas férias que agora terminam marcaram o fim de uma época. Portanto, foram vividas com uma certa nostalgia. Com saudade.

Voltei a Portugal, mas já não sou da terra. Não há volta a dar, o meu olhar é completamente diferente. Stranger in a Strange Land. Espectadora da vida que continua. Voz passiva de uma realidade que já não é minha.

Sinto que a roda voltou a girar e que uma nova mudança se avizinha. Uma espécie de turbilhão de vento que se aproxima devagarinho e que ameaça mandar pelos ares a acalmia que, aos poucos, se foi instalando nas nossas vidas.

A casa de Malempré tornou-se demasiado pequena para nós. Estas paredes azúis que acolheram uma mãe e duas crianças parecem agora demasiado estreitas para dois adultos que constroem os alicerces de uma relação, um adolescente que anseia por privacidade e um menino que precisa de espaço para dar asas ao corpo. E um cão. Mais um coelho, um porquinho-da-índia e um hamster. Todos meio malucos. Precisamos de um espaço que não invada o espaço do outro. Um espaço que acolha esta nova dinâmica que entretanto se criou.

A escola de Malempré que, com o seu ambiente familiar e os seus vinte alunos fez maravilhas pelo meu filho Diogo, não é o lugar ideal para a coisa pequena. O Vasco precisa de mais gente. De mais mundo.

E, de qualquer modo, eu preciso de o ter mais perto do meu novo trabalho, que já começou a trazer desafios importantes. Traduções e adaptações. Co-autoria de novos textos. E um friozinho bom na barriga.

Mais do que um trabalho, um emprego. Com toda a segurança que isso implica. Que me permite ter as tardes livres e estar em casa quando os meninos chegam da escola. Que após reorganização de horários, locais e turmas me permite levá-los às diversas actividades musicais, desportivas e de lazer. Porque a malta também é dada à folia. Mas este dia-a-dia é gerido ao minuto e começo a acusar algum cansaço.

Também é gerido ao cêntimo. Não deixa de ser um emprego em part-time. Tenho a sorte de conseguir conjugá-lo com as aulas em horário pós-laboral. Que juntamente com os abonos de família permitem-me viver de forma muito controlada. Mas independente.

E depois pergunto a mim mesma se tenho mesmo de suportar este cansaço sozinha. Se a luta pela minha independência não merecerá umas tréguas. No fundo, pergunto a mim mesma se estarei preparada para não me perder numa nova cumplicidade.

Os ventos de mudança começaram a soprar suavemente… A nossa vida vai novamente sofrer alterações a médio prazo. Seremos já suficientemente fortes para dançarmos ao sabor do vento ou será demasiado cedo?

terça-feira, 4 de março de 2014

Sem filhos

(e Lisboa, sempre Lisboa...)

 
Eles são o melhor do meu mundo. São o meu mundo. Mas também gosto de estar sem eles. De ter tempo para mim. De ser só eu. E o meu amor, claro.
 
O sol anda meio escondido, mas Lisboa não perde o seu encanto. A luminosidade. A magia. Sinto sempre uma felicidade especial quando aqui estou. Um sentimento de pertença. Chegar a casa. Estar em casa.

sábado, 1 de março de 2014

Em looping

(sim... ainda estou a acabar de fazer as malas, a ouvir isto em looping)




Entregues aos bichos

(há momentos em que uma pessoa desconfia um bocadinho

da sua sanidade mental)



O meu amor e eu a fazermos planos para a semana de férias do Carnaval por sms…


Tenho de te mostrar o Jardim Zoológico de Lisboa!
 
Também gostava de ir ao tal sítio dos lobos, em Mafra.

Acho que vais adorar o oceanário!

É assim tão longe ir até ao Gerês ver os cavalos selvagens?”

 
[ É de referir que estas são umas férias sem filhos, que ficam a ser estragados pelos avós entregues à família. ]