segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Quando o Saint-Nicolas encontra o Harry Potter

(onde se narra um fim-de-semana de festa 

 os adultos acabam por fugir)


Desta vez, não tive o ataque de amnésia habitual que envolve as festas de aniversário em casa. Ainda me lembrava perfeitamente do descalabro do ano anterior: uns miúdos a brincar na neve, outros no Home Cinema a ver um filme, mais uns quantos a brincar às lutas no quarto e os comilões sempre de roda da mesa a limpar tudo o que eu ia servindo… foi um horror! Como bom diplomata que é, o Vasco quer sempre convidar a turma inteira, mas depois arrepende-se porque não consegue gerir aquela malta toda. Ainda tentámos impingir-lhe uma festa no exterior, mas a coisa pequena não se deixou convencer nem pelos insufláveis, nem pelo bowling, nem pelo salão de jogos infantil. Juro que tentei todas as ideias malucas que me vieram à cabeça… e, em desespero de causa, acreditem que vieram mesmo muitas. Mas o Vasco estava decidido a receber os amigos em casa e convidar uns quantos para uma festa-pijama tardia. Por isso, este ano decidi precaver-me. Deixei-o convidar menos colegas e preparei uma festa temática para entreter as hostes. Não foi difícil escolher o tema, tendo em conta a última obsessão do Vasco. Às escondidas, passei tempos infinitos à procura de ideias na Net sobre o universo de Harry Potter para lhe fazer uma surpresa.

Só na sexta-feira à noite é que anunciei o tema, que deixou o filho pequeno à beira da histeria. Imprimi cartazes para espalhar pela casa, listas de feitiços, imagens para enfeitar a mesa, rótulos tipo “baba de dragão” ou “olhos de rato”, perguntas para fazer gincanas e tirei ideias giras para decorar a sala. Além disso, descarreguei a “fonte Harry Potter”, para escrever os nomes dos convidados. No nosso equivalente à loja dos chineses (mas muito mais chique, porque é francês!), comprei as decorações: uma coruja, um chapéu mágico, olhos saltitões, velas led (só para garantir que a criançada não pegava fogo à casa) e pincéis grossos. Depois de arrancarmos a parte metálica com os pêlos, besuntámos os pauzinhos com a pistola de cola quente ou com barro e enfeitámos com umas purpurinas pirosas que encontrámos perdidas numas gavetas… et voilà! Com mais ou menos jeito, num serão divertido, a tribo fez oito magníficas varinhas mágicas. Depois, limitei-me a fazer um bolo de anos… do Harry Potter, como não podia deixar de ser. Acho que foi a primeira vez, na minha já longa existência de mãe, que não fiz uma noitada a preparar o repasto. A verdade é que me deixei de merdas, os miúdos desta idade gostam mais de salgados do que de doces. E já não vão lá com umas simples sandes de fiambre, nem com muffins… Portanto, enchi o congelador de mini-pizzas e mini-espetadas de carne. Mais uns cachorros quentes e as batatas fritas da praxe. A minha sogra mandou um bolo de chocolate e o meu amor tratou do outro. Por fim, restavam uns quantos doces “assustadores”. E muitas pipocas, para gaudio do D. Fuas que adora fazer de aspirador. Quanto às bebidas, aproveitei umas garrafinhas de vidro onde colei umas etiquetas com nomes pouco convidativos e enchi com xaropes diluídos de cores estranhas. Aliás, não comprei a tralha de festas habitual e reciclei os diversos pratos, taças e tacinhas desirmanadas que por aqui andavam. E, pronto, estava feita a festa com pouco trabalho, a custo bastante reduzido… e a horas decentes!

O dia da festa começou com outra festa. Eu explico… Como este ano o dia de Saint-Nicolas calha a uma terça-feira, a festa foi antecipada. Mas não sei muito bem que justificação é que os pais belgas deram aos filhos para a greve santa nos dias úteis... Seja como for, o Saint-Nicolas passou pela Bélgica este fim-de-semana. Em nossa casa, foi mais despachado e passou logo no sábado de manhã. Quando desceram para tomar o pequeno-almoço, os rapazes já tinham os seus pratos cheios. Antigamente, oferecia-se frutos secos, spéculoos, tangerinas, doces e moedas. Hoje em dia, oferece-se brinquedos e doces. Eu ofereço sempre parvoíces várias para a paródia ser maior: meias espampanantes, livros em segunda mão, um relógio-muito-fino-para-não-magoar-o-pulso, um enésimo carregador para o iCoiso, mais uns phones, uma pena que escreve, pensos-especiais-para-dedos-roídos, lápis que são espadas, doces estranhos, um vinho português, uma calculadora histérica que dá música, lenços de pano, sublinhadores ecológicos, tampões-para-os ouvidos-sensíveis-do-cientista-de-serviço, coisas para o futuro Kot do filho grande… Felizmente, o Belga não é tão pateta como eu. O meu prato tem sempre prendas à séria, é uma espécie de pré-Natal.

Mal acabámos de ver as prendas e de tomar o pequeno-almoço, trocámos o Saint-Nicolas pelo Harry Potter. Enquanto o meu amor foi com o Vasco à Reciclagem (é todo um programa, como expliquei aqui), o filho crescido e eu decoramos a casa a preceito. Coisa pequena ficou completamente estarrecida quando chegou! Tenho pena de não termos tirado mais fotografias… mas não houve tempo. Duas crianças que não tinham confirmado a presença decidiram aparecer de surpresa e tivemos de fazer varinhas mágicas à pressa. E o meu amor suou as estopinhas para imitar a bela fonte “Harry Potter” para escrever os nomes deles à mão. A ideia era colar o nome nas garrafinhas para personalizar as bebidas. O “Filtro do Amor” fez sucesso entre as raparigas. Os rapazes preferiram o “Sangue de Dragão” e o “Elixir da Verdade”. Acho que foi a primeira festa em que não tive de limpar refrigerante entornado, nem dei com copos nos sítios mais estranhos da casa. A verdade é que o tema Harry Potter acabou por balizar um bocado a loucura de ter a casa cheia de rapaziada de 10 anos. Os miúdos adoraram, estiverem entretidos e a confusão não foi tão grande. Fizemos um concurso para distribuir as varinhas, que durou imenso tempo. Na porta do quintal, colei uma lista de feitiços… o que acabou por os arrastar lá para fora. Felizmente estava um dia lindo. Com temperaturas quase negativas, mas solarengo. Quando a criançada começou a ficar demasiado excitada, o meu amor lembrou-se de fazer um torneio de bilhar indiano. A seguir, abrimos o banquete. Entre comerem e verem as decorações, passou-se mais um bom bocado. Imensos miúdos pediram para guardar as garrafinhas com os nomes, os chocolates com etiquetas estranhas e as snitch douradas que improvisei com Ferrero Rocher e umas asas. Acabaram por ver aquilo como decorações e, por mais que disséssemos que podiam comer, ninguém queria estragar as embalagens porque queriam levar as lembranças para casa! À saída, podiam tirar um doce mágico do pote dos doces mágicos. Bom… o mais difícil foi mesmo arrancá-los de nossa casa, no final.

Eu estava preocupada com o facto de uns miúdos se irem embora e de outros ficarem cá a dormir, mas acabou por correr tudo bem. A casa foi-se esvaziando aos poucos e, os que era suposto ficarem, deixaram-se ficar para trás discretamente. Curiosamente, apesar do repasto faustoso, ainda se empanturraram com esparguete à bolonhesa ao jantar. Deixámo-los ver um filme às escuras no Home Cinema, na esperança que depois caíssem de cansaço na cama. Não deu resultado. Tal como não funcionou o meu ralhete, nem o do belga. O filho grande acabou por pôr cobro à conversa nocturna com uma das suas ameaças torcionárias: se não se calassem, a meio da noite ia assustá-los a sério. Calaram-se, claro… não durou foi muito tempo, infelizmente. Às 6h30 da manhã já estavam outra vez numa excitação parva. Só que o Diogo dormia a sono solto e não nos veio valer… Ainda os tentámos mandar lá para cima ver mais um filme, na esperança de que o conseguissem acordar. Obviamente, o sono adolescente é mais forte do que tudo o resto… filho crescido limitou-se a enfiar os phones nos ouvidos e virou-se para o outro lado. Como dois sonâmbulos, fomos preparar o pequeno-almoço para esta gente toda. Acabaram com o pão, o mel, duas embalagens de leite e uma caixa de cereais. E ainda assentaram com umas belas fatias de bolo. Não sei que mais teriam comido, se o meu amor não tivesse decidido acabar com aquele disparate e começasse a levantar a mesa. Entre vestirem-se, arrumarem o quarto e mais trinta mil feitiços, começaram finalmente a chegar os pais. Estava eu calmamente a fazer um café, quando o Belga decretou que tínhamos ganho o merecido prémio do pequeno-almoço inglês no café da esquina. Largámos os filhos e fugimos à socapa. E tenho a dizer que soube mesmo muito bem!

[ Saint-Nicolas est passé... ] 

 [ as primeiras varinhas mágicas ]
 [ as meias para libertar os elfos foram um sucesso ]
[ o meu amor quis fotografar a mesa... ] 
 [ estes jelly beans só tinham sabores bons, mas os palermas demoraram séculos a perceber! ]
 [ ainda um dia me dedico ao cake design, pá! ]

[ a alegria do bicho! ]

2 comentários:

  1. Sim, senhora: esta experiência pode levar a um caso de empreendedorismo, numa optica de import/export...Conseguir ficar com a casa de pé e entusiasmar os pequenos convivas é uma tarefa de verdadeiros profissionais! Este evento-cobaia mostra que há potencialidades para espalhar estas ideias temáticas, que podem até ser mais alargadas a outros mundos como a Patrulha Pata ou Star wars! Pensem nisso para se distraírem do tema Natal...A sério: parabéns por tererm feito tão feliz o aniversariante!

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    1. Credo, que ideia! Eu era incapaz de trabalhar com crianças. Estou a chegar à conclusão que só gosto mesmo dos meus. Ou pior, só sou capaz de aguentar os meus. Vá... e os meus três sobrinhos adorados. Festas de anos é coisa que se suporta anualmente... olhe, tipo o Natal!!! :D

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