domingo, 5 de fevereiro de 2017

Coisas sérias

(porque os filhos não vêm com mapa 

e não temos ninguém para nos indicar o caminho)



Coisa pequena tem namorada. Mais velha. Toda despachada e pespineta. É irmã de um grande amigo. Já cá dormiu em casa. Ele já lá dormiu em casa. Entretanto, deu-se o namoro. Nós achámos piada, mas não ligámos muito. A questão que se coloca, nos últimos meses, é saber como gerir o namoro do mais velho.

Filho crescido tem namorada. Da mesma idade. Muito calma e doce. É colega de escola. Já tinham feito programas em bando, acompanhados pelos pais dela. Já tinham passado tardes cá em casa, a fazer trabalhos de grupo. Entretanto, deu-se o namoro. Nós não achámos lá muita piada, porque ele não foi totalmente honesto connosco, logo no início. Mas também não ligámos muito. Até que a coisa começou a ficar mais séria.

Devido à minha própria história, confesso que tenho horror de namoros adolescentes “sérios”. Se dependesse de mim, só tinham namoricos e flirts nos tempos mais próximos. Vá… nos anos vindouros. Mas já percebi que, no caso do Diogo, não será bem assim.

No nosso aniversário, fomos jantar fora os quatro para celebrar. Afinal de contas, como bem lembrou o meu amor, também fazia quatro anos que nos conhecíamos todos. Era uma festa partilhada. Os miúdos estavam especialmente bem-dispostos. Fizeram muitos brindes. Fartaram-se de rir. Eu tinha levado um jogo para nos entretermos enquanto esperávamos. Os telemóveis e consolas não são autorizados nas saídas em família. Como nunca foram, eles também nunca fizeram caso disso. Preferimos jogos de sociedade. Este agradou especialmente ao Diogo, que se revelou bastante mais falador do que o habitual. Quer dizer, filho grande fala pelos cotovelos e atropela sempre quem tenta interrompê-lo, mas não é muito dado a confidências do foro íntimo. Mas o objectivo deste jogo era precisamente aprender a conhecer os membros da família, através de uma série de perguntas engraçadas. Tipo… “Qual a maior gaffe que já cometeste?”, “Qual o objecto mais importante para ti?”, “Qual o teu maior desgosto?”, etc. O Diogo respondeu com uma honestidade desarmante. E eu sei ler nas entrelinhas. Portanto, os meus alarmes maternos soaram, estridentes.

O problema de vivermos numa zona rural é que a rede de transportes públicos é praticamente nula. Ou seja, Romeu e Julieta estão dependentes das boleias dos pais para se encontrarem. O que deixa porta aberta a interpretações dúbias. Porque envolver os pais no namoro não implica necessariamente que estes aprovem uma relação mais “séria”. Mas eu sinto que, quando vou levar o Diogo a casa da namorada e os pais dela o vêm trazer depois, subentende-se uma certa aprovação da nossa parte. O mesmo se passa quando ela vem a nossa casa. E não quero que o Diogo (ou a namorada ou os pais da namorada…) pense que eu incentivo isso. Aos 15 anos, o namoro pode perfeitamente circunscrever-se à esfera escolar, não? Por outro lado, consigo compreender que o Diogo queira aproveitar os fins-de-semana para estar com a namorada, visto nunca estar cá nas férias escolares. Mas é difícil gerir esta situação, sem me mostrar claramente contra (que não sou), nem completamente a favor (que estou longe de estar).

O meu amor e eu estamos fartos de conversar sobre este assunto, sem chegar a nenhuma conclusão satisfatória. Ele acha que eu devia ir falar com os pais da namorada para estabelecermos um “plano de acção conjunto”, por assim dizer. Eu penso que isso só iria contribuir para oficializar a relação, dando-lhe um ar “sério”. Por isso, limito-me a convidar os adultos a entrar, porque, enfim… sejamos honestos… é um bocado chato manter as pessoas à espera na rua, quando estão temperaturas negativas. Pela parte que me toca, nunca saio do carro. Limito-me a enviar SMS a dizer que cheguei, para evitar conversas de circunstância.

Por outro lado, impus limites que me pareceram sensatos. Não me importo que a namorada venha até cá, quando saem da escola, e que regresse mais tarde. Até posso, inclusivamente, ir levá-la a casa. Quando estão no quarto, a porta tem de ficar sempre aberta. Mas nunca vamos lá controlá-los, apesar de estarem dois andares acima de nós. Nos fins-de-semana em que o Diogo trabalha, não há namoro possível. O Sábado é para trabalhar, o Domingo é dia de estudo e para estarmos em família. Em exclusivo. E tento explicar-lhe que há uma diferença entre darmo-nos bem com a família da namorada e estarmos ao serviço desta. Porque não é suposto controlar o que a namorada come na escola, nem convencê-la a recomeçar a tocar um instrumento ou a arranjar um trabalho de estudante. Aos 15 anos, não pode haver responsabilidade acrescida de espécie alguma. Aos pais cabe a tarefa de educar, à escola de instruir, aos amigos de divertir e ao namorado de namorar. Apenas e só.

Não sei se estarei a agir bem, não tenho grandes referências sobre o assunto. Excepto a minha própria experiência, que foi catastrófica. Tento falar muito com o Diogo sobre isso. Sem impor nada, só mostrar onde eu errei. Onde a minha família errou. Porque é muito fácil “adoptar” alguém como filho, neto, irmão, sobrinho, etc., quando tem apenas 15 anos. E, quando damos por isso, estamos a viver uma “relação de família” antes de estarmos preparados. Uma relação que se torna cada vez mais difícil de terminar, porque entretanto ganhou outras ramificações. Uma relação que é mais fraterna do que outra coisa, só que nunca tivemos oportunidade de viver algo mais. Uma relação sem bases, sem estrutura, sem coluna vertebral, por falta de maturidade. E o que nasce torto, nunca se endireita… mas pode arrastar tanta coisa má atrás. Sei bem daquilo que falo, infelizmente. A namorada do Diogo parece-me uma menina muito querida, mas há uma vida que ainda tem de ser vivida livremente, sem as amarras de uma relação. Acredito que há idades para tudo. Há viagens, Eramus, cursos, trabalhos. Há saídas que têm tudo para correr mal, bebedeiras, drogas ligeirinhas, viagens sem dinheiro, namoros vários, noites em claro a estudar para exames por procrastinações juvenis. Opções de vida que merecem liberdade total de escolha. E é apenas isto que eu gostaria de conseguir garantir a ambos.

Tive o Diogo quando ainda andava a passear pelos corredores da faculdade de letras. A vida dos meus amigos estava a anos-luz da minha. A internet dava os primeiros passos. Li alguns livros, claro. Até mesmo porque, para chegar ao leitor infantil, grande parte da minha tese de mestrado se centrava na psicologia infantil. Mas educar o Diogo foi sempre uma aventura bastante solitária e sem rede. Felizmente, nos primeiros anos, eu ainda tinha aquela certeza (casmurrice?!) típica da juventude. Quando agora vejo esses grupos de mães no Facebook penso que deve ser um alívio imenso confrontarmo-nos com outras vivências. Apesar de não me rever nesta nova geração de mães que parece ter dado dois passos atrás em termos de liberdade feminina, gostaria muito de ouvir outras opiniões avisadas sobre temas que me preocupam. Porque muito mais importante do que discutir fraldas reutilizáveis ou a melhor idade para introduzir o peixe, é discutir assuntos que podem de facto influenciar a vida os filhos para todo o sempre. Espero que esses grupos de ajuda se mantenham até os bebés da lua cheia da segunda semana de março de 2015 se emanciparem. Porque acredito que é necessário para os pais falar da problemática da adolescência de forma responsável, sem invadir obviamente a intimidade dos envolvidos. Podemos expor-nos sem os expor a eles. No fundo, o que interessa aqui é termos acesso a outras pistas de leitura de comportamentos que me parecem transversais. Eu sei que gostaria muito de ouvir outras opiniões sobre este assunto.


[ Entretanto, filho pequeno perguntou se podia convidar a namorada para dormir – porque já cá dormiu antes… – no próximo fim-de-semana, para celebrar o dia dos namorados longe do olhar indiscreto dos colegas. E ainda tenho de ir comprar prenda. Nem fui capaz de lhe responder. Engasguei-me. ]

2 comentários:

  1. Se há assunto em que os filhos se desvinculam dos pais é nas questões amorosas, não? Por muito que custe, se calhar não há muito mais a fazer do que mostrar-lhes o nosso exemplo, partes boas e más, insistir na protecção e ter regras claras de convivência adaptadas à idade. Nada do que os meus pais pudessem ter dito ou feito teria alterado as minhas escolhas nesse domínio - só se fosse no sentido de os contrariar.

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    1. Pois... sinceramente, não sei. Tenho muitas, imensas, enormes, dúvidas sobre este assunto. :(

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