(onde
se escreve para não esquecer)
Muitas
vezes, no ano passado, me questionei sobre o que teria acontecido ao meu filho
Diogo, que deixei de reconhecer. Seriam efeitos da entrada na adolescência? Seriam
influências exteriores nocivas? Agora sei a resposta, inequivocamente. E esta
fase está a ser tão deliciosa que tenho mesmo de escrever, para nunca me
esquecer de como é bom ser mãe de um adolescente.
Filho
grande mudou definitivamente de estilo. Está crescido. Apesar de me fazer uma
certa confusão, acho piada ao grito encalorado do Ipiranga. As calças de ganga
têm de ser slim fit e da H&M. As
camisolas de lã e os polares foram substituídos pelas sweatshirts (da H&M, pois claro). Está demasiado frio para
isso, mas resolvi o problema comprando-lhe umas camisolas interiores térmicas
especiais para a neve. Se não podes vencê-los, junta-te a eles, certo? Nem
pensar em usar Kispo, cachecol ou gorro. Isso é coisa de meninos. Mas, este
Inverno, lá consegui convencê-lo a comprar umas botas, usando exactamente os
mesmos truques que usava quando ele era pequenino. Mimando-lhe o ego,
elogiando-lhe a singularidade. Agora, ostenta orgulhoso umas botifarras pretas número
44, que lhe dão um andar gingão.
O
corpanzil em crescimento ainda não encontrou dono. É como se o meu Diogo
transportasse uma casa de caracol desconhecida às costas. Os movimentos continuam
descoordenados e bruscos. Quando se lança para cima do sofá desencadeia um
terramoto. Quando desce as escadas é como se uma manada de elefantes se tivesse
posto em debandada. É de tal forma ruidoso que, do outro lado da parede,
ouvimos frequentemente queixas da vizinha. De manhã, acordamos todos ao ritmo
do Diogo. Enquanto prepara o almoço na cozinha para levar para a escola, bate
com as portas dos armários. E com os pratos e os copos e os talheres. É
inimaginável. Mas se ralhamos com ele, pede desculpas sentidas por aquele corpo
estranho que ainda não consegue dominar em silêncio. Felizmente, agrada-lhe o
que vê ao espelho. Apesar das borbulhas e do remoinho persistente no cabelo.
Diz muitas vezes que é bonito. Eu também acho, mas nego porque gosto de gozar
com ele.
Continua
magro. Sinceramente, não sei como. Entrou naquela fase em que come desalmadamente
todo o santo dia. O problema é que o filho crescido sempre comeu bem, portanto a
coisa agora atingiu um nível verdadeiramente assombroso. Já deixei de ralhar
quando se põe a comer antes das refeições, porque sei que passado pouco tempo está
novamente esfaimado. Devora dois pratos cheios, empurrados com umas quantas
fatias de pão. Seguidos de fruta, sobremesa e um iogurte com granola. Às vezes,
mais um prato de sopa. Acreditem, é impressionante. De tal forma, que tenta
sempre que os amigos venham dormir lá a casa, porque tem vergonha de comer este
mundo e o outro à frente de estranhos. Quando o vamos buscar a casa de alguém,
diz sempre que se divertiu… mas que passou fome. Adora a comida que faço (acho
que é mais a quantidade) e não me poupa elogios. Horas antes das refeições, já
está a perguntar o que vou fazer. E vai à cozinha cheirar, porque já se sabe
que a refeição começa sempre pelo nariz. Tem imenso orgulho na comida caseira
que leva para a escola. Gosta de me contar quem andou atrás dele para provar
isto ou aquilo e o que disseram da minha comida. Por ele já me tinha inscrito
no Masterchef. E eu, que sou uma maricas, fico feliz por pensar que quando for
homem há-de sempre voltar porque a comida da mãe é a melhor.
Desejei
muitas vezes que este meu filho descobrisse uma paixão na vida. A sua paixão. Tipo
uma bússola que indica o Norte, impedindo que se perca. O Diogo gosta de inúmeras
coisas, sempre foi um miúdo bastante disperso. Até que começou a tocar órgão de
igreja. E fez-se luz. Não há dia que não toque, que não fale das novas músicas
que está a aprender, que não peça para o ouvirmos tocar. Anda sempre pela casa
a cantarolar. A música clássica fascina-o. Conta os dias que faltam para ter
aulas e reclama nas férias. Até o trompete, que andava meio esquecido nos
últimos tempos, ganhou novo alento. De vez em quando, lá ouvimos a vizinha
reclamar, do outro lado da parede. São onze da noite e ele ainda está a tocar,
alheado do mundo. Talvez por isso tenha recebido um boletim excepcional, no
Natal. Acho que tocou o coração de um velho professor de órgão, que diz nunca
ter tido um aluno tão aplicado. Este ano, termina o curso de solfejo e de
trompete na Acadèmie, como um crescido. E eu ainda o vejo tão pequeno.
Ele
pensa que não. Pensa que eu o vejo como um adulto, porque o trato como gente
grande. Dou-lhe autonomia e liberdade. Respeito-o. Mal ele sabe que fico a
rezar para que chova para ter uma desculpa para o ir buscar à igreja, quando
sai tarde. Mal ele sabe o que me dói deixá-lo voar. Tenho sempre medo. Mas
obrigo-me a deixá-lo ir. Os filhos foram feitos para abandonar o ninho. E estou
desconfiada que as dores de crescimento são exclusivamente maternas. Na
segunda-feira, o filho crescido não teve aulas e foi pela primeira vez sozinho
a Liège. Só impus uma condição: ir com um amigo. Nunca se sabe o que pode
acontecer, a dois sempre é mais seguro. E eles lá foram, numa alegria parva
pela liberdade recém-conquistada. Na noite anterior, preparei-lhes o farnel e
comprei-lhes os bilhetes de ida e volta, pela net. O meu amor fê-lo decorar o
horário dos comboios. Acho que estava ainda mais nervoso do que eu, mas não deu
parte fraca. Passou o dia a telefonar-me com desculpas patetas para ter
notícias dele. O Diogo foi-me mandando várias sms, como tínhamos combinado. Andaram
a ver lojas, mas já não havia saldos. A meio do dia, ligou-me. Tinha encontrado
uma das BD preferidas do irmão e queria saber se ele já tinha aquele número para lho comprar. Eu ia
morrendo de orgulho, confesso.
A
imensa doçura do Diogo enternece-me. Sempre pensei que, por esta altura, já eu
tivesse de andar atrás dele a pedinchar beijos. Mas é exactamente o contrário.
O Diogo continua muito melado. Suponho que quando uma criança cresce lambuzada
de mimo, constantemente a ouvir dizer que é amada, continua a precisar dessas
doses de afecto quando cresce. No outro dia, estava escrito no quadro da cozinha:
“Gosto muito de ti, Diogo. Ass.: Mãe”. Perguntei quem diabo tinha escrito
aquilo. Eu sabia que não era. Filho crescido lá me respondeu a rir e sem
qualquer vergonha que tinha sido ele próprio… “Já que não me deixas bilhetinhos
de amor como fazes com o Pascal”. Nessa noite, preparei-lhe a lancheira da
escola. E pus-lhe uns biscoitos que tínhamos feito em forma de coração. E
escrevi um papelinho. Ele agradeceu, sentido. Mas ontem estava distraído a
mostrar-me fotografias no telemóvel e vi que ele tinha fotografado a lancheira
com o bilhetinho. Larguei a rir e disse-lhe que era mesmo um mimado. Mas pensei cá
para comigo que ter a coragem de admitir, quase com 15 anos, que se precisa de
mimo revela uma inteligência emocional rara nos homens. Não sei muito bem o que nos espera, mas devemos estar no bom caminho...
É tão bom ler um relato assim da adolescência :)
ResponderEliminarGrande Diogo!
No fundo, isto não é muito diferente de quando eles são pequenos: há fases desesperantes e fases deliciosas. E a coisa vai alternando para não darmos completamente em malucas. :)
EliminarADOREI!! O meu faz 14 em breve e há algumas semelhanças. Mas melado não é...nunca foi. Mas demonstra de outras formas. E quando se chega a mim e pede e dá um miminho é o paraíso, porque é raro. Também eu estou a adorar esta fase. Mesmo com todo o reverso da medalha, que existe claro que sim...No fundo é como dizes, nada muda assim tanto, ontem as birras, hoje os amuos e as mudanças repentinas de humor, mas tudo fica mais ou menos igual.
ResponderEliminarSusana
Obrigada, Susana. Ainda bem que mais mães se revêm nesta imagem de adolescência positiva... quer dizer que o meu é normalzinho! :)
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