quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Para memória futura

(onde faz o elogio do desapego e se é recompensado)

 



Com a morte súbita do computador, provavelmente perdi as fotografias dos últimos dez anos da minha vida. Dos últimos três ainda escapam algumas, porque o meu amor faz sempre cópias das fotografias que vamos tirando quando viajamos. Os documentos mais importantes circulam algures no ciberespaço, portanto, são também recuperáveis. Verdade seja dita, creio que no sótão da minha madrasta deve haver algures uma caixa com vários CD com um backup que fiz de imagens e documentos, antes de virar definitivamente costas à minha primeira existência. Não tenho bem a certeza. Mas também não estou muito preocupada. O melhor de ter vivido duas vidas é que aprendi a praticar o desapego. Preciso de muito pouco para ser feliz. Quase nada. Alguns livros, muito pouca roupa, zero artifícios e bibelots. Em nossa casa, não temos fotografias nas paredes. Temos memórias e isso chega-nos bem. Talvez por isso, nunca me tenha lembrado de passar para um disco externo o conteúdo do computador moribundo.
Há dias, abri o Facebook – coisa que vai sendo cada vez mais rara – e tive uma surpresa. Uma boa surpresa. Num daqueles lembretes novos, apareceu uma fotografia nossa tirada há três anos atrás... na nossa primeira saída a quatro! De repente, ocorreu-me que podia recuperar as fotografias que fui pondo no Facebook para tranquilizar a família e amigos, nos nossos primeiros tempos na Bélgica. Depois, comecei a escrever este blog e praticamente abandonei o Facebook (do qual, aliás, nunca fui muito fã). Aos poucos, este espaço tornou-se muito mais do que um diálogo entre gente conhecida. Tornou-se um documento para memória futura, principalmente dos rapazes. Portanto, pareceu-me que faria sentido mostrar resumidamente os nossos primeiros meses. Não tínhamos grande coisa: uma casa praticamente vazia, numa aldeia que nos acolheu com enorme generosidade. Alguns amigos. Eu ainda nem sequer tinha emprego, vivia de parcas economias que desapareciam a olhos vistos. Mas, olhando para trás, sinto uma ternura imensa quando recordo estes momentos. Acho que nunca me tinha sentido tão livre e feliz. Eu e os rapazes. E, depois, quando as folhas começaram a cair, apareceu o meu amor, que se materializou num dia de neve e mudou as nossas vidas para sempre.


[ Um dos primeiros passeios que fizemos, quando chegámos à Bélgica, no Verão de 2012. Trois Frontières: o Vasco na Holanda, o Diogo na Alemanha e eu na Bélgica, a tirar a foto. ]



[ Em Julho, caiu o primeiro dente do Vasco. Tinha cinco anos. Disse que a fada dos dentes ia passar. Ou uma personagem do Star Wars, ainda não sabia bem. ]



[ Finalmente em Malempré! Em Setembro, à porta da nossa primeira casa... onde esta aventura começou. ]



[ Nos primeiros dias, andámos a explorar a aldeia e os miúdos ficavam encantados sempre que viam os cavalos dos vizinhos. ]



[ Nunca me hei-de esquecer da alegria deles neste dia! Fui buscá-los à escola com o carro atafulhado com as bicicletas que tinha comprado em 2ª mão. Nesta época, só tinham uma caixa de brinquedos. Tinha recebido o pagamento muitoooo atrasado de um trabalho e fiquei tão feliz! ]



[ À falta de brinquedos, o Vasco descobriu uma paixão que mantém até hoje... os paus que consegue sempre desencantar com olho de lince. ]



[ O meu bebé grande a brincar ao Robin Hood. Viver com menos durante muitos meses permitiu-me perceber que os miúdos têm uma capacidade extraordinária de solucionar problemas... falsos problemas, problemas de adultos, a bem dizer da verdade. ]



[ Até chegar o Inverno, eles andavam livremente de bicicleta pela aldeia. E eu – nada e criada em Lisboa – não conseguia evitar um sorriso de espanto. ]



[ O Diogo redescobriu o seu amor pelos cavalos e pela equitação, que tinha ficado pelo caminho à custa dos penosos anos em que andou no hóquei. ]



 [ Naquela altura, parecia-me tão crescido! Agora, olho para trás e sinto saudades deste menino pequenino. Tinha 11 anos. Depois de anos de bullying, o Diogo descobriu também o amor pela escola. Estava tão feliz! ]



[ O Vasco adorava andar atrás do nosso vizinho agricultor, que tinha uma exploração de vacas leiteiras. O tractor era uma espécie de brinquedo gigante! ]



[ Enquanto o Vasco dava comida às vaquinhas, o Diogo ajudava o vizinho a transportar um vitelo morto. Tive medo que desmaiasse... ]



 [ Com pouco dinheiro, construí um brinquedo da minha infância que fez a delícia dos miúdos: um carrinho de rolamentos! ]



[ Mal pudemos, começámos a dar passeios a cavalo pelos bosques da aldeia. E o Diogo continuava muito feliz! ]



[ O Vasco descobriu a equitação pela primeira vez, mas parecia que nunca tinha feito outra coisa na vida... ]



[ Nessa altura, ainda não havia quem me tirasse fotografias o tempo todo, acho que esta é mesmo uma das poucas... O Zorro entretanto morreu, levado por uma bactéria fulgurante. Tenho muitas saudades destes nossos passeios. ]



[ Um dia, achámos um ouriço nos campos. Tentámos salvá-lo, mas morreu pouco tempo depois. ]



[ O primeiro dia de neve, em Malempré. Começou no final de Novembro e durou até ao dia 25 de Maio. Dos quatro invernos que passámos na Bélgica, este foi sem dúvida o pior. Parado à porta, o velhinho Saxo que me trouxe até aqui e resistiu estoicamente a esse inverno tenebroso. E o D. Fuas que chegou entretanto! ]



 [ O meu Vasco fez seis anos e continuava a parecer um menino pequenino. Com tanta mudança, nunca perdeu a sua alegria natural. ]



[ Aqui, já tínhamos roupa para a neve! Foi a primeira de muitas visitas do "tio Rui". ]


[ Adoro a nossa primeira fotografia a quatro, tirada pelo meu "pai belga". Ainda hoje nos perguntamos o que diabo nos passou pela cabeça para fazer um primeiro programa juntos tão doido: fomos andar de trenó na estância de esqui da Baraque Fraiture. Passaram-se três anos, parece uma vida. Tem sido a melhor aventura. Sinto que estamos os quatro onde temos de estar, sinto que tudo o que aconteceu antes foi para nos trazer até aqui. Agora, tudo faz sentido. Finalmente. ]

6 comentários:

  1. Das coisas que mais me custa sempre que um pc ou uma pen usb pifa é perder as fotos. Eu sou uma sentimentalona de monta e sempre encarei as fotos como registos fugazes para reforçar memórias. As fotografias de família seria definitivamente algo que nunca deixaria para trás se tivesse que "deixar tudo para trás"...

    Muito bons estes registos!

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    1. Quando eu "deixei tudo para trás", como tu dizes, também deixei as fotografias, porque não eram essenciais ao começo de uma nova vida.

      Mas fico muito feliz por saber que guardei algumas neste blog para a posterioridade, Naná! :)

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  2. Não deixo de me encantar com a vossa história :)
    E isto recordou-me que tenho de tirar mais fotografias. Parece que parei quando eles eram pequeninos e assim vou ter um vazio de imagens daqui a uns anos. Sim, porque a memória é muito bonita mas não dá para tudo.

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    1. Acho que há mesmo uma fase em que deixamos de lhes tirar tantas fotografias, Gralha. Deve ser quando o crescimento deixa de ser visível de dia para dia e a parvoíce aumenta exponencialmente... ;)

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  3. Eu sou como a sua amiga: para mim as fotos são tudo! O que mais guardo com cuidado, quando não estou em casa por um tempo, são os discos externos, tenho uns vizinhos que ficaram sem fotos dos filhos nos primeiros anos de vida porque lhes assaltaram a casa e levaram os discos externos, é um objecto muito apetecível! E ainda sou do tempo dos álbuns...Não sou expert em fotografia mas ando sempre com a máquina na mala, intervalando com o telemóvel, claro! E as redes sociais têm esse poder: para bem e para mal, guardam a nossa marca para sempre! Os seus filhos parece que já cresceram bem mais do que a vossa vida na Bélgica!

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    1. Ahhhh... os velhinhos álbuns de fotografias, Mariana! Acho que sou um bocado velha do Restelo. Admito que gosto muito mais de folhear os antigos álbuns de quando era miúda do que ver fotografias no ecrã de um computador. :p

      PS: Pois é, os rapazes cresceram imenso! Mas, se pensarmos bem, o Vasco já passou quase metade da sua vida aqui.

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