terça-feira, 22 de abril de 2014

A Marie

(para quem eu nunca me canso de fazer sobremesas)


O Diogo nunca teve muitos amigos. Nunca foi um miúdo popular. E sempre sofreu imenso com isso. Até virmos viver para a Bélgica e ele ter a coragem de assumir a sua verdadeira personalidade.

Agora, quando o vejo rodeado de amigos, fico de coração cheio. Passo horas a ver o mural dele no facebook. Rio-me com as fotos malucas que tira com os colegas na escola. Emociono-me quando leio as declarações públicas de amor que lhe fazem. Tantas. Tão bonitas. Vindas de raparigas e rapazes que souberam quebrar aquela velha couraça. Porque o meu filho grande é um miúdo invulgar e um bocadinho estranho. Tem conversas e gostos de gente grande. Mas faz um esforço enorme para se adaptar aos outros miúdos da sua idade. E a verdade é que os colegas parecem gostar mesmo do Diogo. Eu sei que isto pode parecer banal, mas a mim enche-me de alegria.

Há uma menina em especial que o adora. A Marie tem 16 anos e anda no 10º ano. Por coincidência vivem na mesma aldeia, mas conheceram-se na escola em Vielsalm. E nunca mais se largaram. Quando os ouço falar, vejo apenas dois amigos. Sem diferença de idades. Embora haja um mundo a separá-los.

A Marie é uma miúda faladora e curiosa, que não tem qualquer vergonha em mostrar as origens humildes. Faz imensas perguntas, desfaz-se em elogios e agradecimentos, com uma educação irrepreensível. Hoje explicou-me sem pudor que a mãe é empregada doméstica e o pai operário. Que a mãe tem imenso trabalho porque toda a gente gosta dela. E que ela tem muito orgulho neles. Lá em casa não comem coisas boas e estranhas como aqui, nem há sobremesas. Mas há sempre fruta. Nunca viajam, nem sequer pela Bélgica. Mas ela já lhes prometeu que vai levá-los a passear quando forem velhinhos. A mãe não a deixa ver o “Criminal Minds”, nem filmes policiais. Mas têm uma grande família que se reúne muitas vezes. Para cada aspecto menos positivo da sua vida, a Marie apresentou algo genuinamente bom com uma lucidez que me desarmou. Com uma honestidade rara. E um sorriso no olhar. Vê-se que é uma miúda feliz, de bem com a vida.

E eu, que admiro com espanto este meu novo filho desenvolto e popular, acho que ele não podia ter escolhido melhor amiga. E hei-de sempre fazer jantares elaborados e sobremesas deliciosas especialmente para a Marie. A miúda mais querida que eu já conheci.

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