sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Murro no estômago

(a austeridade sob outro ponto de vista)


Posso viver 2500 quilómetros a Norte, mas vou seguindo atenta as notícias que me chegam de Portugal. E sei que situações destas acontecem diariamente. Mas não deixa de ser um murro no estômago. Nunca o “longe da vista, longe do coração” me pareceu tão absurdo. Dói ver o nosso país afundar aos bocadinhos e a banda continuar a tocar como se nada fosse.

A Bélgica está há meses a ferro e fogo com protestos constantes contra as medidas de austeridade anunciadas pelo novo governo de direita. Acções várias, manifestações, greves… Mas greves a sério, em que o país pára mesmo. Em que há confrontos graves com as autoridades. Em que as próprias autoridades também fazem greve. Em que os piquetes de greve não deixam passar ninguém. Chamam-lhes “greves rotativas” porque tocam rotativamente todas as províncias e todos os sectores, público e privado, até culminarem numa greve geral. Na próxima segunda-feira, este país vai parar novamente. Escolas fechadas, transportes parados, serviços de saúde mínimos, estradas cortadas, serviços encerrados.

O que está aqui em causa são medidas de austeridade que estão a anos-luz das medidas já impostas em Portugal. A supressão da indexação dos salários e dos abonos de família, o aumento do IVA numa série de produtos e serviços, a imposição de um limite de tempo para o subsídio de desemprego, o aumento da idade da reforma para 67 anos em 2030. Aos nossos olhos, é coisa poucochinha. Temos tendência a pensar que esta gente se queixa de barriga cheia. Sabem lá eles o que é a crise… Mas a questão é mesmo essa: a Bélgica não sabe o que é crise e está firmemente decidida a nunca saber. Os belgas já perceberam que as medidas de austeridade que foram impostas aos países da Europa do Sul não criaram prosperidade nenhuma, bem pelo contrário. Está mais que provado que esse modelo económico não funciona, pelo que é essencial não deixar margem de manobra ao poder político para tentar implementá-lo aqui. Doa a quem doer. E na segunda-feira vai doer a todos.

Nos últimos tempos, mal sabem que sou portuguesa, as pessoas fazem-me sempre a mesma pergunta. O funcionário da mediateca, o meu mecânico, o médico da medicina do trabalho, a secretária da minha escola, um eminente neurolinguista que entrevistei no outro dia. Por que razão ninguém ouve falar do que se passa em Portugal? Ouve-se falar das manifestações violentas na Grécia, do Podemos em Espanha, dos ouvidos moucos que a Itália faz às imposições europeias. Mas ninguém tem noção da miséria que grassa em Portugal, só mesmo quem lá vive. Ou quem por lá passa, como simples turista, e se vê confrontado com uma realidade para a qual não estava minimamente preparado. É vergonhosa a quantidade de gente que tenho conhecido que me diz ter ficado chocada depois de ter visitado o nosso país. É tudo muito bonito, o clima é excelente, as pessoas muito acolhedoras e tralálá... mas a miséria, senhores, a miséria! O comércio fechado, as casas a ruir, a pobreza que deixou de ser encapotada. E, no meio disto tudo, o que mais choca é o desconhecimento total que a Europa do Norte tem sobre esta situação. Às vezes, a incredulidade é tanta que as pessoas pendem naturalmente para a teoria da conspiração. Perguntam-me se fazemos protestos em Portugal que a Europa faz questão de silenciar. Não, também não é isso.

Não tenho resposta para as perguntas recorrentes que me fazem, infelizmente. Lá vou admitindo que somos culpados pelos governos que elegemos. Ou que deixámos eleger, o que ainda é pior. Somos culpados porque acatamos tudo com o estoicismo derrotista e medroso de quem alancou com quase 50 anos de ditadura no lombo. Já me têm corrigido: “Somos, não… que você agora vive na Bélgica e, aqui, as coisas são diferentes”. É verdade, as coisas são diferentes, eu é que não sou. Para minha grande tristeza, percebi isso esta manhã, quando fui levar o Vasco à escola. Ele perguntou-me: “Na segunda-feira, também vais fazer greve?”. Respondi que não tinha de se preocupar, porque eu tinha trocado as minhas folgas para poder ficar em casa com eles. E vim o caminho todo com um estranho sentimento de culpa a corroer-me. Ele tem de se preocupar, sim. Porque tem uma mãe que, 2500 quilómetros a Norte, mantém a passividade colada à pele. Que preferiu não fazer barulho e trocar as folgas, a aderir à greve. Não tomei posição. Não levantei ondas. Não questionei. Sou culpada. E este é o verdadeiro murro no estômago.

5 comentários:

  1. Nós até nos manifestámos, mas de pouco serviu... e isso faz esmorecer qualquer um!
    Eu continuo uma inconformada, mas de pouco me serve....

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  2. Não sei se se trata de passividade. Se calhar é mesmo falta de auto-confiança, as pessoas não acreditam que merecem melhor.
    (e, infelizmente, as manifestações, greves, protestos, indignações públicas também não resolveram nada na Grécia, em Espanha, em Itália...)

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  3. Eu sei que poucos resultados têm dado, mas nos dias que correm parece ser mesmo a única resistência cívica possível. Pelo menos, dá para manifestar o inconformismo se que fala a Naná. :(

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  4. olá! a greve daí vista pela nossa imprensa: http://www.dinheirovivo.pt/economia/interior.aspx?content_id=4295665&utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook&page=1
    beijinhos

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