quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O projecto

(cuja folha de encargos não pára de crescer)




Se há coisa que os belgas prezam é um bom projecto. Não conheço um único belga que não tenha um projecto em curso. De maior ou menor dimensão. A longo, médio ou curto prazo. Mais ou menos dispendioso. São fervorosos adeptos do “faça você mesmo”. Normalmente, um projecto não tem apenas um objectivo construtivo, ou seja, não se destina somente a construir ou a recuperar algo. Tem igualmente um objectivo englobante. À volta de um determinado projecto, unem-se alegremente casais, filhos, família e até mesmo, se preciso for, amigos e vizinhos. O projecto é, então, uma espécie de ocupação de tempos livres colectiva e unificadora. Pode passar pela construção de toda uma casa ou apenas pela reparação de um simples telhado, pela recuperação de um carro ou apenas de um motor, pela instalação de um sistema de energia alimentado por painéis solares, pela construção de uma horta biológica, etc.

Lá em casa ainda não tinha aparecido nenhum projecto à séria. Não por falta de ideias estapafúrdias do belga de serviço, mas por falta de quórum. Desde que nos mudámos para Vielsalm que o meu amor anda cheio de vontade de iniciar um “projecto familiar”. Felizmente, nenhuma das suas ideias mirabolantes conseguiu conquistar a unanimidade da família. Ou uma maioria absoluta, vá… O Vasco adorou a ideia da construção de um lago de patos, mas o Diogo vetou categoricamente. E eu, que já estava a imaginar a carnificina quando o D. Fuas apanhasse os pobres patos a jeito, suspirei de alívio. O Diogo aprovou entusiasticamente o projecto de criação de coelhos para vender, mas eu avisei logo que seria incapaz de criar animais para comer. E o Vasco ficou com os olhos cheios de lágrimas só de pensar nisso. Todos os projectos do meu amor foram, então, sucessivamente recusados. E eu comecei a pensar que ele tinha finalmente desistido.

Infelizmente, a última reunião familiar ocorreu estrategicamente na minha ausência e o novo projecto conquistou a maioria presente. Quando cheguei, já a ideia tinha germinado e não consegui impor o meu poder de veto. A bem dizer da verdade, até já havia uma lista de tarefas bem definidas onde eu estava incluída. O meu amor achou que o adolescente resmungão precisava de um projecto “de homens”, que o obrigasse a arregaçar as mangas e a meter mãos à obra. Que substituísse o mundo virtual por uma carga de trabalhos bem real. Que o ensinasse que o esforço compensa. E, assim, nasceu o “Projecto Home Cinema”. No sótão. Onde eu jurei ao proprietário que não ia fazer nada, porque não está coberto pelo seguro. Bom… também tinha jurado que só tínhamos um cãozinho velhote e, entretanto, a casa foi sendo ocupada por diferentes espécies animais.

O projecto foi-me inicialmente apresentado como sendo “muito simples”. E económico. Bastava limpar o sótão, meter umas placas isolantes, um projector e uma tela. E pronto! Ah… e um leitor DVD. Um leitor DVD altamente sofisticado, claro. Já agora, um sistema de som de qualidade. Cinco colunas espalhadas estrategicamente. Talvez um tapete grande que cobrisse o soalho de madeira antigo e que isolasse ainda mais o sótão. Bom, talvez fosse melhor começar por isolar a única janela que… hum… parece que… hum… deixa entrar alguma chuva. Muita chuva. Depois, seria preciso arranjar uns assentos. Não muito altos. Mas confortáveis. Quatro. Cinco, já a contar com as visitas. Umas almofadas aqui e ali. Não esquecer os armários para arrumar a máquina das pipocas e os DVD. Uns armários a condizer com a decoração kitsch da sala de cinema, bem entendido. Uns posters grandes de filmes ficavam mesmo a matar. Talvez até mesmo forrar o sótão todo com posters. Giro, giro, era começar logo nas escadas do terceiro andar que conduzem à nossa futura sala de cinema.

Os trabalhos começaram há duas semanas. Por mera coincidência, quando eu estava distraída na recta final da tradução do livro. O projecto megalómano parece estar longe do fim. Muito longe. Mas já tenho um poster gigante do Hobbit no cimo das escadas. E amanhã vêm entregar as placas isolantes. Um camião vem fazer a entrega, porque diz que o volume é considerável. Estou seriamente a pensar numa maneira de os denunciar anonimamente ao meu senhorio antes que seja tarde demais...

2 comentários:

  1. Mas... mas... E o projecto de Jardim Zoológico que já vai a todo o vapor? Fica ao abandono?

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  2. Looooolllll! Acho que se calhar estou finalmente a ganhar juízo, Gralha! :D

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