quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Porque eu sou do tamanho do que vejo

(e um só desejo)



Há muito que precisava de um mês como este, que já me deu tantas lições, apesar de ainda ir só a meio. Não foi um mês de férias, longe disso. Mas foi um mês em que estive ocupada a olhar para dentro. Para o essencial. Às vezes, esqueço-me de cultivar o essencial. Mas a vida arranja sempre maneira de mo recordar.

O essencial é ter o meu filho Vasco com saúde. Mesmo que fique para sempre a minha coisa pequena. Literalmente pequena. Passei estes últimos dois anos a correr para o endocrinologista, numa tentativa vã de perceber o que o impedia de crescer (para além da genética evidente). Mas, depois, quando finalmente se encontra o culpado, o mundo desaba porque afinal a explicação não é tão simples quanto eu desejava. O tratamento ainda menos. E nesse momento – nesse preciso momento – percebemos o quanto nos afastámos do essencial. Percebemos como fomos fúteis e estúpidos. Quem ditou o cânone estético? Quem decretou que o tamanho era uma característica essencial?

O meu filho Vasco é pequeno. E será sempre pequeno. Resquícios do povo mongol que povoa a minha genética longínqua. Mas tem uma alegria de vida imensa. Uma inteligência sagaz, que é coisa rara. Uma sede de conhecimento inesgotável. O meu filho Vasco tem música na alma. E dança no corpo. Não recua perante nada, tem uma coragem espantosa. Uma absoluta ausência de medo. Excepto de alturas, que contraria com uma tenacidade feroz. Tem uma tendência natural para contornar convenções e regras e restrições e normas e proibições. O meu filho Vasco é uma pessoa de pessoas. Tem um charme natural. Uma luzinha que brilha. Uma capacidade de ir ao encontro do outro, seja ele quem for. É de gargalhada fácil. E de lágrima ainda mais fácil. Vive com o coração fora do peito, sempre pronto a comover-se com as mais pequenas coisas que escapam ao comum dos mortais. O meu filho Vasco é um coca-bichinhos do detalhe. Um guardião de lendas, de histórias, de mitos. Um acumulador de memórias infinitas, que narra com uma precisão espantosa. O mundo, aos olhos do Vasco, é uma fonte inesgotável de surpresas. Cada amanhecer traz consigo um manancial de novas aventuras. Por isso, vive depressa. Adormece tarde e acorda muito cedo. Há tanto para viver! O espaço e o tempo são conceitos abstractos, subjectivos, que domina com mestria. Está aqui, mas não está. Está algures, num mundo próprio. Incomensuravelmente mais vasto e rico do que o nosso. Porque o meu filho Vasco, como dizia Caeiro, é do tamanho daquilo que vê, não do tamanho da sua altura. E será sempre muito grande, independentemente dos valores ditados pelas normas comezinhas.


Se neste momento pudesse pedir um desejo. Um único desejo. Se neste momento tivesse a quem rezar. A quem fazer um só pedido. Pedia que o Vasco tivesse saúde. Sei que nada mais lhe falta. A este meu pequeno grande filho.

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