sábado, 3 de setembro de 2016

Morte colectiva

(onde se subvaloriza o calor na Bélgica)


Esta semana temos cá uma visita muito especial: o meu sobrinho Pedro. Tem apenas três meses de diferença do Vasco, mas parece pai dele. E compensa com timidez o que o primo tem de extrovertido. Apesar de pouco se verem, são os melhores amigos. É delicioso vê-los juntos, num mundo meio estranho que é só deles. O Diogo hesita entre meter-se nas brincadeiras ou revirar os olhos. A velhota mais querida do mundo também veio e nem sabe para onde se há-de virar com tanto neto.

Antes de as visitas de Estado chegarem, mudámos as gaiolas todas da bicharada para a estufa do quintal. Só mesmo o Vasco é que consegue dormir com a barulheira nocturna daqueles animais no quarto. Eu ainda tentei argumentar que estava demasiado calor na estufa… mas o meu amor disse que as noites já eram bastante frias, que era melhor ficarem abrigados.

Nado e criado num apartamento em Cascais, a primeira coisa que o Pedro quis fazer, mal chegou a nossa casa, foi ver os bichos. E lá foram os dois a correr até à estufa… De onde saíram, segundos depois, aos gritos. Infelizmente, aconteceu uma desgraça. Uma morte colectiva. Os gerbilos, a porquinha Constança e o falso Mignon pareciam estar a dormir… um sono eterno, por assim dizer. O pouco calor que se faz sentir nesta terra deve ter sido elevado a um expoente exageradamente alto, durante a tarde.

O Vasco chorou muito, coitadinho. O Pedro ficou completamente atarantado, mais com o pranto do primo do que com as mortes, parece-me. O Diogo, que já não podia ver aquela bicharada toda, não pareceu ficar muito desgostado com a calamidade. Eu ia matando o Belga. A minha mãe olhava para nós e deve ter pensado que talvez fosse melhor apanhar o próximo avião de regresso ao lar, doce – e calmo – lar. O meu amor, com o seu pragmatismo habitual, agarrou numa pá e foi enterrar aquela malta toda.

À noite, fomos jantar ao turco da esquina. O Vasco e o Pedro riam a bandeiras despregadas, numa mesa à parte. O meu amor virou-se para a minha mãe e perguntou-lhe: “Como se diz aquele tempo depois da morte, quando se está muito triste?”. “Luto”, respondi. “Pois… acho que o Vasco já fez o luto”, comentou baixinho, com aquela sua pronúncia amorosa. A minha mãe e o Diogo desataram a rir. Eu pensei que o matava pela segunda vez.

4 comentários:

  1. E isto de enterrar bichos da casa tem muito que se lhe diga...digo eu, que já passei por isso! Tadinhos, até se "desfaziam" com o calor que está por aqui!

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    1. Nós já não os enterramos em casa... temos medo que o D. Fuas os desenterre! :)

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