segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Amor é... andar aos caixotes

(o que uma pessoa é capaz de fazer para poupar 125 euros)



No Verão passado, o Vasco perguntou se podia ter uma mochila da Kipling quando entrasse para o 2º ano. Eu devia estar em piloto automático porque disse que sim, embora não fizesse a mínima ideia do que isso fosse. Quando fomos aos saldos, ele lembrou-se da promessa e fomos à procura das ditas mochilas. A mim escapou-me um “F***-**!”, ao Diogo um “Porra!”. E largámos os dois a rir à gargalhada. As Kipling rondavam os 125 euros… em promoção. Houve suspiros, houve choro, houve drama, houve “Mas tu disseste que sim…”. Expliquei-lhe que me recusava a dar um balúrdio daqueles por uma simples mochila, tanto mais que no 1º ano ele tinha conseguido destruir três. E peguei numa mochila horrorosa do Pooh com reflectores e protecções, que custava a módica quantia de 2.50 euros. Dois calduços depois, até o irmão gabava o achado. Mas o Vasco estava profundamente triste. E desiludido comigo.
 
Decidida a arranjar uma Kipling, fosse como fosse, deitei de imediato mãos à obra. Comecei pelos sites de coisas em segunda mão. Só encontrei duas, mas custavam perto de 50 euros. No ebay ainda era pior. Estava fora de questão pagar mais por uma coisa usada do que sou capaz de dar por uma nova. Voltei-me para as vendas de garagem, as feiras de artigos de criança usados, as lojas em segunda mão… Passei o Verão a vasculhar quinquilharia, com um Vasco esperançoso atrás. As poucas mochilas que encontrámos, não tinham o gorila. Sim… fui rapidamente informada que a Kipling perde todo o seu valor sem a merda do peluche minúsculo pendurado, tipo porta-chaves. Mudei de estratégia: primeiro tinha de encontrar um gorila qualquer da Kipling que pudesse meter numa mochila usada. Ah… mas o gorila tinha de ser da mesma cor da mochila, senão não servia. Por esta altura, já eu tinha repetido o impropério inicial um cento de vezes…
 
No início de Setembro, arrastei um ofendido Vasco até à escola, com a lindíssima mochila do Pooh às costas. Quando chegámos, recebi um olhar fulminante: os miúdos todos tinham mochilas da Kipling. Fiquei com náuseas só de ver os malfadados gorilas a balouçar. Assim de relance, calculei que devia haver uns milhares de euros naquele recreio. Raios partam! Que diabo de mãe dá 125 euros (se for precavida e comprar o material nos saldos, como eu) por uma porcaria de uma mochila de uma só cor, sem gracinha nenhuma?!?! Sim, porque os últimos modelos coloridos da Kipling custam mais de 165 euros! Inquiri as outras mães e fiquei a saber que: a) as Kipling têm garantia, b) custam aquele preço, mas compensa porque duram uma vida, c) quando um fecho se estraga ou uma peça se parte – o que nunca acontece, de qualquer modo – a marca faz a reparação de graça (se calhar até dão uma mochila de substituição), d) podem ser lavadas as vezes que se quiser, que nunca perdem a cor, o tecido não esmiúça, continuam como novas. Resumindo, o mundo divide-se entre os pais inteligentes que compram duas Kipling que acompanham os filhos durante os 6 anos da primária e os pais burros que compram 3 mochilas rascas por ano.

Depois desta instrutiva conversa com as outras mães à porta da escola, já não se tratava apenas de cumprir uma promessa feita sem pensar para fazer o meu filho feliz… a questão tornou-se pessoal. E eu não sou pessoa de virar costas a um desafio: o Vasco havia de ter uma Kipling e havia de dar cabo dela em menos de um nada, como faz com tudo o resto onde põe a mão, os joelhos, os pés… Tinha de provar a esta gente que as abençoadas Kipling não são à prova de Vasco. Eis-me, portanto, de novo à caça de um gorila e de uma mochila em segunda mão. Sim, porque eu gosto de uma boa luta, mas continuava a recusar-me a dar 125 euros por uma simples mochila! Uma vizinha acolita da Kipling com três filhos (façam as contas…), apiedou-se de mim e ofereceu-me um gorila ranhoso que andava lá por casa desde que as mochilas da pré-primária tinham sido substituídas por outras maiores (e beeeeem mais caras). Iupi, já não faltava tudo!
 
Este sábado, aproveitámos não estar a chover para ir ao centro de reciclagem fazer a triagem do lixo. E… o Vasco descobriu uma Kipling no contentor dos encombrants! Eis o diálogo que se seguiu:
 
Eu: É mesmo uma Kipling?! Vou lá ver…
Diogo: Ó mãe, não te vais meter ali dentro para ir buscar a mochila, pois não?
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: Ai não que não vou!
Diogo: É ilegal, não podes levar o lixo que as pessoas depositam aqui.
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: O lixo de uns é o tesouro de outros. Uns deitam fora, outros aproveitam.
Diogo: Oh… para estar no lixo, aposto que está estragada.
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: As Kipling não se estragam, são à prova de tudo… menos do Vasco.
Diogo: Mas deve estar suja…
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: Lava-se! Vá lá, ajuda-me aqui a descer…
Diogo: Ó mãe, por favor, não vais andar aos caixotes que eu tenho vergonha…
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: Tecnicamente não é um caixote do lixo, é um contentor. Ajuda-me a entrar, anda lá…
Diogo: Vou esperar no carro. Que vergonha! Não vos conheço…
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: Vê lá se está aí alguém a ver, Vasco…
Vasco: Não está ninguém a ver, mãe, podes ir! Quer dizer, acho que há câmaras…
Eu: Já cá canta! É mesmo uma Kipling! Ih, ih, ih! Depressa, mete-te no carro!
Vasco: Espera aí, mãe, não posso correr depressa… tenho o pé partido!
Eu: Não querias uma Kipling?! Cala-te e corre, pá!

Bom… infelizmente, o Diogo tinha razão num aspecto. A mochila não estava estragada, mas estava toda manchada de tinta na bolsa da frente. Caraças, tinha finalmente o gorila e a mochila, alguma coisa se havia de arranjar! Duas máquinas a 60º graus depois, percebi que isto ia exigir medidas mais duras. A parte boa é que tanto a mochila como o gorila tinham ficado com uma cor de burro quando foge muito semelhante. Cortei o forro de uma das 1001 bolsas interiores e cosi a abertura para não poder voltar a ser utilizada. Descosi o símbolo e forrei a bolsa da frente. Voltei a coser o símbolo. Passei o Domingo a cortar, a descoser, a coser… Tenho os dedos cheios de feridas porque, verdade seja dita, a porcaria da mochila é sólida e o tecido resistente. Mas fiquei orgulhosa do meu trabalho de costura, ninguém diria que a mochila não acabou de sair da loja (excepto pela cor um bocadinho estranha). Pendurámos o gorila. Trocámos as coisas da belíssima mochila do Pooh (que já estava rasgada, de qualquer modo). E eis um Vasco feliz, finalmente.
 
Agora… let the games begin! Veremos quanto tempo vai durar a caríssima mochila maravilha nas mãos do Vasco!

 

3 comentários:

  1. Entrei por aqui sem nem saber como e comecei a ler o blogue de trás para a frente.
    Devo dizer que é fenomenal a descrição de vida que fez. Acho que alcançou a felicidade plena, embora longe.
    Parabéns pelas palavras e que continue nesse caminho maravilhoso.
    Pode até ter de procurar mochilas em contentores de lixo, lutar para poupar 125€ mas sem duvida alguma este é um testemunho de que as melhores coisas da vida não se devem a fins de semana glamourosos como os mil e um blogs da moda querem fazer transparecer.
    Que lufada de ar fresco este recanto, boa sorte.

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  2. Obrigada pela paciência para ler tudo, Maluca. De facto, tem sido uma aventura e tanto... É muito bom ver que as nossas histórias conseguem tocar alguém. :)

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  3. -como é bom rir! (estes momentos fazem a vida mais rica!)

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