quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O Fanfarrão e o Gordo

(onde se faz o elogio da cegueira)

 
Dizem que a primeira impressão que temos de alguém é a correcta. Dizem que os primeiros minutos chegam para conhecermos alguém. Mas, às vezes, não damos o devido valor à nossa voz interior…
 
Há muitos, muitos anos atrás, entrei pela primeira vez no Liceu de Queluz. Não conhecia ninguém. Perguntei-me como seriam os meus novos colegas do 11º ano. Acabada de chegar de um intercâmbio de estudantes na Bélgica, pensei que provavelmente eu não teria muito a ver com eles. Mas estava decidida a fazer amigos, como sempre.
 
Ao chegar ao pavilhão onde ia ter aulas, deparei-me com uma cena grotesca. E algo me disse que aqueles eram os meus novos colegas. Um fanfarrão gozava com o gordo da turma, perante os risos idiotas dos demais. Depois de o achincalhar e de lhe bater com os livros na cabeça várias vezes, dirigiu-se ao caixote de lixo a imitar o seu andar desengonçado e atirou tudo lá para dentro: mochila, cadernos, livros. Senti um asco imenso por aquele ser, que sentia necessidade de humilhar um colega para ser alguém. Para repararem nele. Para conquistar a simpatia dos outros. E senti um enorme carinho pelo gordo, que levava aquilo tudo na brincadeira.
 
Hoje, dia 5 de Fevereiro de 2014, divorciei-me finalmente do fanfarrão.
 
 
[Quanto ao gordo da turma, transformou-se num homem lindo e muito interessante. É um dos meus melhores amigos e faço questão que esteja presente na minha vida. Para sempre.]

8 comentários:

  1. O primeiro parágrafo diz tudo sobre mim!

    Sempre confiei nas minhas primeiras impressões e sempre segui aquela voz interior que me dizia que aquela pessoa não era de confiança... na única vez que optei por ignorar o meu instinto (achando que estava a ser exagerada e preconceituosa) dei-me mesmo muito mal. levei uma lição valente e apanhei uma das maiores decepções da minha vida. Aprendi então que o meu instinto não falha e como tal mais vale segui-lo!

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  2. Ui, este post dava para um livro inteiro.

    (mas quero acreditar que não isso das primeiras impressões nem sempre é garantido, porque as pessoas costumam ter má impressão minha quando me conhecem)

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  3. Não se trata do "elogio da cegueira". Trata-se - ou deveria tratar-se - do elogio da "voz interior" (que algumas pessoas têm à primeira vista), "contra a cegueira". No caso, uma cegueira persistente e continuada!
    E, ao episódio que agora contas (e que eu ignorava) chama-se (à falta de termo adequado em português) "bullying". Não se chamava assim ainda, nesses tempos idos?

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  4. Bem... PARABÉNS pelo divórcio!
    (e, embora dando 2.ªs, 3.ªs, demasiadas oportunidades... tbém "vejo o filme todo" nesses primeiros minutinhos...)

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  5. Parabéns! Também eu devia ter dado valor à minha voz interior, também eu caí na conversa da fanfarrona, também eu feliz e finalmente me divorciei.
    O melhor de tudo é o regresso a nós mesmos, à verdadeira felicidade, à liberdade e esperança.

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  6. Receber os parabéns pelo meu divórcio foi algo que nunca me tinha ocorrido! Mas tem a sua piada. :)

    Acho que a sociedade em geral ainda tende a considerar os divórcios como uma espécie de falhanço. Mas pode simplesmente ser uma metamorfose. Aquele lapso de tempo que uma pessoa leva a passar do estado de crisálida a borboleta. Depois, é só voar...

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  7. Parabéns pelo divórcio, dona R.! Não acho falhanço nenhum, o casamento durou o que tinha de durar, deu-te dois filhos lindos. Ponto final, parágrafo. Agora está melhor :)

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  8. Eu também não acho que tenha sido um falhanço, Mel! Falava da forma como as pessoas ainda encaram os divórcios. No meu caso, a haver falhanço, foi o de ter andado cega tantos anos, numa relação que não me fazia feliz há muito tempo.

    E, sim, concordo contigo... agora estou numa fase da minha vida muito mais feliz e realizada. :)

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