quarta-feira, 12 de março de 2014

Carlos, o faz-tudo

(onde se encontra um Tuga da velha cepa

e se tenta passar despercebido)


O Carlos é o faz-tudo da minha escola. Da nossa escola, porque o Diogo também lá anda. Dizem que é o jardineiro, mas eu acho que já o vi fazer um bocadinho de tudo. É a primeira pessoa que chamam quando algo acontece, do cano que rebentou à baliza que caiu. Cortar a relva e podar as árvores é algo que ele só deve conseguir fazer nos tempos livres.

Ora acontece que o Carlos é português. Mas daqueles mesmo típicos. Baixinho, entroncado, muito moreno. Fala alto e gesticula muito. De riso fácil e grito rápido para pôr a miudagem na linha. Sempre cheio de ideias e soluções engenhosas. É que nem lhe falta a t-shirt da selecção com o fio a vislumbrar-se no torso peludo nem nada. E o boné com o nome da pátria orgulhosamente estampado… mesmo quando está a nevar.

Como se tudo isto não bastasse, o nosso jardineiro faz-tudo fala um francês muito aldrabado, com umas palavras portuguesas à mistura. E muitooo vernáculo.

Não me espanta, por isso, que o Diogo não se tenha apresentado a tão espampanante personagem. E os amigos têm mantido em segredo o facto de haver outro português na escola. Na verdade, o meu filho crescido nunca gostou de chamar sobre si as atenções. Detesta “cenas”, como ele diz. Que são praticamente impossíveis de evitar, porque o Vasco é uma criatura bastante espalhafatosa. E eu grito.

Desde que entrou na adolescência, este esforço para passar despercebido e integrar-se no grupo acentuou-se exponencialmente. Suponho que isto exija um empenho suplementar, dado que somos estrangeiros. Daí nunca ter levado a mal ele fugir do Carlos como o diabo da cruz.

E foi exactamente este seu anonimato que lhe permitiu assistir, ontem à tarde, à melhor cena de sempre do Carlos, durante a aula de Educação Física. Estavam os miúdos todos na rua a fazer um exercício qualquer, quando o nosso jardineiro faz-tudo se aproximou do colega novo do Diogo que estava só a assistir à aula. Trata-se de um rapazinho tímido que veio agora do Congo. O Carlos, ao vê-lo ali quieto, desatou a falar português muito depressa: “Ó pá, mas estás aí sentado a fazer o quê, c******?! Vai mas é fazer exercício, f***-se! Um gajo quer-se é com músculos, seu preguiçoso dum c******! Olha lá para isto, meu… Hein? Já viste estes músculos, f***-se? A patroa gosta é disto, pá! Põe-te mas é a correr, c******!”

O coitado do miúdo ia arregalando cada vez mais os olhos e lá acabou por dizer baixinho: “Eu não falo essa língua…”. Mas o Carlos continuou todo contente: “Pois… é lixada, f***-se! Eu também vivi na Guiné, sabes? Dois anos, pá! Mas olha-me lá para estes músculos… C******, não sejas preguiçoso! Vai correr, anda…”.

E depois lá foi à sua vida, a murmurar um chorrilho de asneiras a propósito destes jovens dum c******, que não faziam ponta de corno. Por uma vez, o Diogo deixou cair a capa de falso adolescente belga e largou a rir à gargalhada agarrado à barriga, perante o olhar espantado dos colegas e do professor.

2 comentários:

  1. Essa barrigada de riso compensa bem o deixar o secretismo de também pertencer ao "reino dos tugas" do Carlos...Se os outros colegas pudessem entender o diálogo...

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