terça-feira, 25 de março de 2014

Conhecem aquela expressão “Era capaz de vender a própria mãe”?

(depois de um dia de trabalho,

descobri que o meu filho Diogo é um acérrimo defensor)


Celebrou-se, no passado dia 21 de Março, o Dia Mundial da Trissomia 21. No Domingo, a associação onde trabalho deu numa grande festa que juntou pais, filhos, profissionais, filhos dos profissionais… E, o que era suposto ser mais um dia de trabalho, transformou-se numa tarde de puro divertimento. Para mim e para os miúdos, que tiveram de ir a reboque.

Eu tinha-os avisado que todos os chefes dos diferentes serviços da associação iam estar presentes, bem como os colegas com quem convivo diariamente. Pessoas que eu já conhecia e pessoas que ia ter a oportunidade de ver pela primeira vez. Portanto, esperava que tivessem um comportamento irrepreensível. Nada de discussões, gritos, correrias ou birras. E nada de se porem a comer como uns alarves esfomeados, que é sempre o meu maior receio.

Para além disso, tive o cuidado de lhes explicar exactamente em que consistia a trissomia 21. Mostrei-lhes vídeos e fotografias de outras crianças e jovens com trissomia 21. Expliquei ao Vasco que tinha de ter cuidado quando estivesse a brincar com os meninos mais pequeninos. E disse ao Diogo para agir normalmente quando falasse com a rapaziada da idade dele.

Embora não estivessem contrariados, também não estavam propriamente a delirar por terem de ir trabalhar com a mãe, num domingo que prometia sol. Mas, mal entraram no recinto, ambos os meus filhos decidiram vestir a camisola e aproveitar ao máximo. O Vasco pegou num mapa do sítio e não descansou enquanto não experimentou todas as actividades disponíveis: passeios de burro, pinturas faciais, segways, discoteca, ateliers de desporto e de pintura, etc. O Diogo, quando se fartou de fazer de babysitter do irmão, quis ajudar a sério. Esteve à entrada a vender senhas e gauffres. E, no final, ajudou a arrumar tudo. Foi alvo dos mais rasgados elogios. Eu estava babadíssima por trabalhar lado a lado com este filho (cada vez mais) crescido.

Claro que o Vasco, quando se viu entregue a si mesmo, mostrou a sua candura natural… que é como quem diz, soltou a fera que habita naquele corpo de metro e pouco. Meteu-se com toda a gente com quem se cruzou, falou pelos cotovelos, disse disparates e pôs toda a gente a rir. Correu e brincou sem parar com miúdos iguais a ele e com outros um bocadinho diferentes. Jogou matraquilhos com o meu chefe e deu-lhe um raspanete quando perderam. Nem sequer percebeu que estava a jogar contra uma equipa de meninas com trissomia 21. De caras pintadas e aos gritos são todos iguais.

O Diogo estava pasmado a ver os adolescentes, com diferentes tipos de deficiência cognitiva, que quiseram participar no nosso concurso. O objectivo era estimar o peso de um enorme frasco de vidro cheio de doces. Um dos administradores apostou 8kg, quando todos os miúdos se ficaram pelos 2,5/3kg. O peso correcto era 2,831kg!

O chefe dos ATL da associação, que eu ainda não conhecia, passou grande parte da tarde à conversa connosco. Às páginas tantas, pergunta-me: “Então, com excepção do trabalho e destes rapazes fantásticos, o que fazes dos teus dias?”. Ainda estava eu a pensar numa resposta decente, quando o Diogo começa a discorrer sem parar sobre a minha pessoa: “A minha mãe?! A minha mãe nunca pára! É muito enérgica, está sempre a fazer alguma coisa! Além do trabalho na associação, dá aulas de Espanhol à noite. No ano passado, dava aulas de Inglês. E faz traduções. Ela é tradutora, fala quatro línguas. Trabalha muito, a minha mãe! Também tem um blog. E tem muito jeito de mãos! Faz bricolagem, adora trabalhar a madeira. Em poucos minutos, consegue transformar um pedaço de madeira num candeeiro! Para além do tempo que dedica à casa. Está sempre a limpar e a arrumar. É uma excelente cozinheira!” Cada vez mais envergonhada, eu só conseguia balbuciar: “Ó Diogo… Ó Diogo…” Ao que ele ia respondendo: “Ela é uma excelente mãe. Uma pessoa muito especial.”

Quando chegámos a casa, completamente derreados, perguntei-lhe o que lhe tinha passado pela cabeça para se pôr a fazer aqueles elogios todos. Que embora ficasse feliz por ver que ele me achava uma mãe especial, não devia recitar as minhas supostas qualidades como se me estivesse a leiloar. O Diogo defendeu-se dizendo que se tratava de um chefe e que era importante valorizar-me. Lá expliquei que ele não tinha que se preocupar, porque o meu trabalho estava assegurado, eu já tinha um contrato. E, do alto dos seus quase 13 anos, ele rematou: “Sim, tens um contrato. Mas podes sempre conseguir uma promoção, nunca se sabe. De qualquer modo, é sempre melhor terem-te em boa conta no trabalho, sabes?”.

Algo me diz que este tipo não sofre de falta de ambição e que se vai safar no mundo do trabalho...

5 comentários:

  1. Sabes que ele tem razão, não sabes?!

    Nós temos a mania de nos vendermos por pouco e não sabermos valorizar as nossas capacidades... e ele até tem olho para a coisa! Uma promoção é sempre uma promoção ;)

    ResponderEliminar
  2. Eu sou uma gaja discreta, Naná! E o meu filho é um desbocado... :)

    ResponderEliminar
  3. Gostei muito! E vivam os Diogos (eu também tenho um...)!

    ResponderEliminar
  4. @ Sem sombra de dùvida, Irene... vivam os Diogos! :)

    ResponderEliminar