terça-feira, 24 de junho de 2014

Adiar as férias

(onde se percebe que talvez não seja bem assim…)


Mais um ano que vamos adiar as férias de Verão. Há três anos que não temos férias grandes todos juntos. Estou um bocadinho zangada. Porque não é justo. Não por mim, mas por eles. 

No Verão de 2012, estava a trabalhar sem receber há nove meses. A tentar encaixar um casamento que subitamente chegava ao fim, com uma peça de roupa íntima de outra mulher no meu cesto da roupa suja. E um aborto espontâneo ao volante, algures na A1. Viemos para a Bélgica. Eu sonhava com a paz da casa dos meus “pais belgas” para começar a reconstruir-me e voltar às traduções. Deparei-me com um caos muito pior do que o que tinha ficado para trás. Voltámos a Portugal. Eles foram passar as primeiras férias longe de mim. Eu morri um bocadinho. E fui encaixotar 18 anos de vida. Percebi que afinal tudo se resume a pouco, muito pouco. Fiz a viagem de carro rumo à nossa nova vida. Arranjei uma casa, esperei por eles. 

Passou-se um ano. Um ano de adaptação, de reconstrução, de organização. De trabalho árduo. De muita neve. De um novo amor, de um amor maior e inesperado. No Verão de 2013, as aulas em Spa chegavam ao fim e eu não sabia o que me esperava nos meses seguintes. A única coisa que sabia era que ainda não tinha direito ao subsídio de desemprego. Por isso, aproveitei o mês de Julho para trabalhar como animadora na colónia de férias da nossa Commune. Os miúdos vieram comigo e divertiram-se, mas não foram férias. Depois, eles foram para Portugal. Eu fui para Itália, despedir-me do meu amor que tinha ido viver para Perugia. Pensava eu. Na mala, levava um livro para traduzir. Estava exausta, mas sentia que precisava de amealhar. O tempo acabou por me dar razão. Em Setembro, ganhei a guarda dos meninos e, como retaliação, perdi a pensão de alimentos e qualquer tipo de contribuição financeira. 

Passou-me mais um ano. Quase. Um ano em que demorei algum tempo a voltar a arranjar trabalho. A viver do que tinha economizado, que diminuía assustadoramente com as facturas da escola, do material escolar, das actividades, da música, da equitação, das centenas de quilómetros feitos para chegar a todo o lado. Roupa e sapatos que deixam de servir de um momento para outro. E o diabo das calças sempre rasgadas nos joelhos. Um carro morto que é preciso substituir depressa. Comida que parece nunca chegar. Alguns sustos a nível de saúde: um pé partido, uma mononucleose, um palato demasiado pequeno a exigir um aparelho dos dentes todo catita. E as maleitas habituais de Inverno que atacam o meu filho grande. As minhas entranhas podres. Uma mudança de casa. E depois começaram a aparecer as facturas de uma vida já instituída num país onde o custo de vida acompanha os salários normalmente elevados e todas as ajudas sociais… 

Em 2014, não consegui economizar. Ganhei menos e gastei mais. Preocupei-me muito mais. Mas os rapazes mantiveram o seu estilo de vida. E eu continuo fiel à minha máxima de viver sem cartões de crédito, ao sabor das oscilações reais da minha conta bancária. Cheguei a sonhar com as férias em segredo, mas percebi que mudarmos de casa foi a melhor opção. Ainda não é desta que vamos de férias juntos no Verão sem trabalho atrás. Ainda não é desta que deixo de ser a mãe-que-ralha-porque-tem-a-cargo-o-quotidiano-exigente para passar a ser a mãe-divertida-que-quebra-regras-e-rotinas-nas-férias. Ainda não é desta que criamos um balão de oxigénio que nos permita aguentar as discussões normais do dia-a-dia. Ainda não é desta que posso viver os dias que antecedem a partida deles a enchê-los de mimo e experiências inesquecíveis. Por isso, estou um bocadinho zangada. Porque não é justo. Fartei-me de trabalhar este ano. 

Mas, depois, penso melhor… O que lhes proporciono não fica a dever nada a ninguém! No Verão de 2012, acabámos por conseguir passar uns dias em casa do meu irmão, em Amesterdão. Eles adoraram. No Verão de 2013, passámos um fim-de-semana em Paris. Num “Formule 1” nos arredores, é certo. Sem visitarmos museus, sem fazermos compras. Mas realizei o sonho da vida do Vasco e subimos à Torre Eiffel. E vi os olhos do Diogo a brilhar quando viu a Notre-Dame. Até a avodrasta se deliciou com um crepe em Montmartre. Este ano, a melhor tia do mundo ofereceu-nos um Natal em Inglaterra e o meu amor um Carnaval em Portugal para eles estarem com a minha família. Este Verão, eu tenho de trabalhar. Trabalho novo assim o exige. O que, nos dias que correm, é uma sorte. Poder trabalhar. Eles vão ficar em casa com o meu amor. A tratar do quintal, a fazerem uma horta. A passearem. A fazerem experiências malucas. E torneios de xadrez. Desconfio que, antes de o Verão acabar, temos mais um animal qualquer nesta casa. E o meu pai vem a caminho, finalmente. Estamos rodeados por pessoas que nos amam e que lutam por nós. Com as quais temos tanto a aprender e às quais estamos tão gratos… E isso é tal e qual como o meu cartão do banco, que nem sequer me permite ter um saldo negativo.

2 comentários:

  1. É muito injusto, sim senhora. Mas tenho a certeza que vão acabar por ser umas belas férias e pode ser que consigas dar umas escapadinhas, que sabem sempre bem :)

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  2. Vamos tentar, Gralha, vamos tentar... :)

    (a propósito, com a Primavera, vêem-se por aqui imensas gralhas pequenitas barulhentas...)

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