terça-feira, 23 de junho de 2015

A despedida

(à volta de um bom copo de vinho, como não podia deixar de ser)

 


Dei a minha última aula de Espanhol. Mesmo que o enclave burocrático da equivalência dos meus diplomas se resolvesse a tempo, não teríamos o número de alunos exigido por lei para abrir uma turma de Espanhol III no próximo ano lectivo. Faltam só dois alunos, mas temos de nos cingir à crueza dos números. Tenho pena. Temos todos muita pena. Uma coisa é certa… divertimo-nos imenso. Cada um de nós se esforçou por dar a sua contribuição individual. Partilhámos muito mais do que conhecimentos. Trocámos experiências de vida. Fizemos amizades.

No primeiro ano, construímos os alicerces da casa. Aprendemos as bases gramaticais da língua. Foi um processo que exigiu um esforço enorme da parte dos meus alunos, em horário pós-laboral, após oito horas de trabalho. Principalmente se tivermos em conta que muitos estavam de volta aos bancos da escola depois de décadas de ausência. No segundo ano, dedicámo-nos a mobilar esta casa. Adquirimos o vocabulário necessário para nos exprimirmos em diferentes situações. Complexificamos conceitos gramaticais. No terceiro ano, tencionávamos fazer os arranjos decorativos da casa, por assim dizer. Pôr em prática tudo o que tínhamos aprendido nos anos anteriores, dar primazia à oralidade sobre a escrita.

Foi uma experiência extremamente gratificante para mim pegar num conjunto de adultos sem qualquer conhecimento de espanhol e pô-los a falar a língua. Dar-lhes a conhecer diferentes países, histórias, culturas, músicas, literaturas… O mundo hispânico é tão vasto, foi muito bom revisitá-lo em tão boa companhia. E foi ainda melhor assistir às viagens que os meus alunos foram fazendo, onde graças ao que aprenderam conseguiram dar a volta a situações complicadas. A perda de uma carteira cheia de documentos, um incêndio e uma evacuação, uma viagem anulada, um acidente aparatoso, um encontro fortuito…

Na última aula, houve apresentações orais. Apresentações orais feitas por puro prazer, é preciso que se diga. Os exames escritos já estavam feitos, as notas lançadas. Disseram que era uma prenda que queriam oferecer-me. Mais uma vez me espantaram com o leque de temas escolhidos. Voltaram a emocionar-me com a profundidade do trabalho elaborado. Com a generosidade. Com a intimidade de cada um posta a nu perante a turma. Uma viagem de segunda lua-de-mel de um casamento em perigo. Uma crença religiosa que muitos desconhecíamos. Um passatempo perfeitamente inesperado. Uma bebida cubana que trazia memórias bonitas. A violência conjugal que continua a fazer sofrer muitos anos depois. Tantos, tantos temas que expunham o peito às balas. Deixaram-me orgulhosa (e algo zonza, que a bebida era forte).

Para o ano, combinámos encontrarmo-nos uma vez por mês para manter a conversa em dia. A conversa em espanhol, está bom de se ver. As aulas darão lugar a algo mais informal. Vou passar definitivamente de professora a amiga e estou feliz por isso.

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