sexta-feira, 3 de julho de 2015

Recebi uma notificação do tribunal

(onde se sente uma tristeza profunda

pelo estado do país que nos viu nascer)


 

Recebi uma notificação do Tribunal Judicial Comarca de Lisboa Norte que rezava assim:

Fica V. Exª notificada, na qualidade de Arguida, para no prazo de 10 dias, informar os autos se concorda com uma eventual suspensão provisória do processo pelo período de 4 meses, mediante o cumprimento da injunção de entregar a quantia de € 300,00 à “Associação Ajuda de Berço”.

Liguei de imediato para o tribunal a perguntar de que processo era eu Arguida (assim mesmo, com maiúscula), já que ninguém se tinha dado ao trabalho de me explicar na dita notificação. Fui tratada com desprezo... “Mas a senhora de certeza que já foi ouvida no âmbito deste processo de agressão!” Voltei a perguntar delicadamente de que processo se tratava. Fui, então, informada de que se tratava do processo em que o meu ex-marido me acusou de ofensa à integridade física de um menor. Vá… de espancar o meu filho Diogo publicamente. Lembram-se daquele calduço que se transformou numa queixa por coups et blessures punível com uma pena de prisão de um ano? Pois… eu já me tinha esquecido, apesar de ser um dos posts mais lidos deste blog.

Fui ouvida, sim, senhora. Eu e o meu filho Diogo, na Polícia de Vielsalm. Ambos negámos todas as acusações, no Verão passado. Mas, pelos vistos, o procurador acha que talvez haja matéria para ir a julgamento. Dois anos e meio depois da queixa inicial. Depois de o tribunal belga ter reconfirmado a decisão inicial de deixar ambas as crianças viverem comigo, na Bélgica.

Perguntei que história era aquela de pagar 300€ à Ajuda de Berço para suspender provisoriamente o processo. Ah, é muito simples… se eu concordar em pagar essa verba, o processo fica provisoriamente suspenso. Fico “apenas” com uma “nota” no meu registo. Mas o processo é arquivado, ad aeternum, ao que parece.

E, aqui, a minha alma ficou parva. A sério. Não queria acreditar no que aquela funcionária do tribunal me estava a explicar, com a voz mais calma do mundo. Como se aquilo fosse normalíssimo. Só me ocorreu perguntar-lhe se estava tudo doido naquele país. Se tinham enlouquecido todos de vez.

“É só uma proposta, a senhora pode dizer que não aceita e preferir ir a julgamento, se for caso disso”, respondeu-me impávida e serena a funcionária. Eu não agredi o meu filho, recuso-me a ver arquivada uma queixa desta maneira infame. Prefiro de longe bater-me pela justiça em tribunal. Só não sei se a Justiça em Portugal ainda terá uma venda ou se ficou definitivamente cega.

Quer dizer, se de facto eu fosse uma mãe abusiva, se de facto eu tivesse espancado o meu filho de 12 anos, dois anos e meio depois do ocorrido, a queixa poderia simplesmente ser arquivada mediante o pagamento de uns míseros 300€ à... à… Ajuda de Berço, uma instituição de acolhimento de crianças em risco?!!!

Pela mesma ordem de ideias, um marido suspeito de agredir a mulher poderá ver o seu processo arquivado mediante o pagamento de 300€ à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, certo?! Ou uma pessoa que espanque um cão poderá pagar 300€ à União Zoófila, é isso?

Não sei para onde caminha Portugal, mas sei que vai a passos largos. Deixei de me rever no meu país há muitos anos. Nas políticas, nas instituições... Sinto vergonha. Sinto uma tristeza profunda. Hoje não sou emigrante, hoje sou exilada.

5 comentários:

  1. Já não é a primeira vez que ouço falar de notificações e decisões deste género. A verdade é que, muitas vezes, é mais fácil pagar e pronto. Até se ajuda, e tudo! É a solução para a morosidade da justiça em Portugal. Boa sorte, rapariga, boa sorte.

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    1. Claro que é mais fácil pagar e esquecer, Gralha! O problema é que, assim, os culpados nunca serão julgados, nem castigados. E os inocentes perdem a hipótese de se defenderem. Se isto não é a antítese do trabalho que os tribunais são supostos fazerem, não sei o que será...

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  2. É verdade, Paula. É muito difícil avaliar os estragos que tudo isto terá a longo prazo. Por enquanto, há um adolescente que começou finalmente a abrir os olhos, com todo o sofrimento que isso acarreta.

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  3. Lamento dizer que este país não é para quem procura justiça...

    Há dias vi um cartoon muito bem esgalhado sobrea justiça portuguesa: uma justiça cega (de olhos vendados mesmo) a acariciar o criminoso enquanto as autoridades estavam algemadas com as mãos atrás das costas.

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  4. Pois... Mas é triste quando estamos tão acomodados que já nada nos espanta, Naná.

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