terça-feira, 14 de julho de 2015

Um dia, a ficha cai

(e, afinal, até demorou bem menos do que eu previa)


 

Há um ano atrás, estávamos a viver um verdadeiro inferno nesta casa. A tal ponto que, em plenas férias judiciais, acampei no Palácio de Justiça e só saí de lá depois de ser recebida por um representante do Procurador. Quando os meus filhos partiram para Portugal em Agosto, havia um plano de emergência pronto a ser activado, caso o Diogo não voltasse. Um número de contacto directo que guardei religiosamente. Os raptos parentais na Bélgica são relativamente frequentes e os meus receios foram encarados com seriedade. Estou convencida de que se não tivesse tomado esta atitude – e não tivesse informado quem de direito de que agiria em consequência – o Diogo nunca teria regressado à Bélgica.

Voltou, mas parecia outro. A mudança já se vinha a anunciar há uns tempos. O meu filho crescido estava cada vez mais infeliz. De mal com o mundo, connosco, consigo próprio. Agressivo e mal-educado. Anti-social. Foram tempos muito complicados e a nossa vida familiar, alvo de duras críticas, ressentiu-se. A única coisa que dizia, até à exaustão, era que queria voltar para Portugal. Nunca me conseguiu justificar completamente esta “sua” decisão. Muito menos, explicar-me por que razão se queria separar do irmão, que sempre adorou. Ou de mim. O seu discurso parecia dirigido, comprado, ensaiado. Fechado ao diálogo. Cego, surdo e mudo. Decidi baixar os braços e deixar andar. Entregar para Deus, como dizem os brasileiros. O deus dos ateus, bem entendido.

Iniciámos um novo ano escolar que, segundo o meu amor, seria a solução milagrosa do problema. O quotidiano estruturou-se em função das diferentes actividades extracurriculares dos nossos rapazes. A vida retomou o seu curso habitual. O Diogo estreitou amizade com antigos colegas, que passaram a ser visitas frequentes da casa. Retomámos os nossos passeios de fim-de-semana. Umas vezes, corriam melhor… outras, pior. No cômputo geral, devagarinho, as coisas foram entrando na ordem. Os meses sucederam-se. A vida nesta casa regressou à normalidade. A guerra deslocou-se para sede própria, onde o Diogo foi ouvido pela juíza encarregue do caso. E tenho a certeza de que um peso enorme lhe saiu dos ombros. Foi como se uma sombra se tivesse dissipado, o sol voltou a brilhar. A diferença de comportamento foi imediata.

Na Primavera, recebemos a decisão judicial tão ansiada. O Diogo e o Vasco ficavam comigo, na Bélgica. Com direito a pensão de alimentos e metade das despesas extraordinárias, finalmente. O meu adolescente aceitou esta decisão com uma boa vontade que me surpreendeu. Nunca mais falou no regresso a Portugal, encerrou definitivamente esse capítulo. Empenhou-se na sua vida neste país, como nunca antes o tinha visto fazer. Começou a projectar-se no futuro, a fazer planos a longo prazo. Voltou a ser um miúdo estupidamente feliz. Melado. Com um sentido de humor apurado. Adolesceu de repente. Ganhou maturidade e asas. Principalmente, ganhou espírito crítico e capacidade para compreender certas situações, que eu sempre me esforcei por dissimular.

Infelizmente, há pessoas que não sabem aceitar a derrota e, com um novo ímpeto raivoso, arranjam maneira de continuar a querela em várias frentes. Tive de aceitar que nunca terei paz na vida, por mais que o tempo passe. Tive de aceitar que há quem se julgue acima da lei, que de facto protege os pequenos bandalhos. Tive de aceitar que financeiramente sou eu quem tem de levar o barco a bom porto, nos próximos anos. Custe o que custar. A diferença, agora, é que o Diogo já não aceita ficar à margem da contenda. Faz questão de saber o que se passa, de tomar parte das discussões. Das decisões que lhe dizem respeito. Já não lhe consigo esconder nada, porque ele não se deixa enganar. O santo caiu do seu pedestal. O Diogo, aos 14 anos, decidiu tomar as rédeas da sua vida. E, pela primeira vez, impôs-se. Ganhou coragem. Pediu explicações para os insultos de que sou alvo. Respondeu duramente. Exigiu o que lhe pareceu justo. Lutou sem baixar os braços por aquilo que queria. Foi graças a ele que obtivemos autorização para viajar para Marrocos, nomeadamente. Já percebeu que não consegue resolver tudo, que não se pode meter em tudo, que há muitas coisas que lhe escapam. Mas começou finalmente a perceber aquilo que se passa à sua volta e a pensar pela sua própria cabeça.

Há uns dias, veio cá abaixo desejar-me boa-noite. Falámos um bocadinho. Já ia a subir as escadas, quando me atirou... “Obrigada, mãe.” Perguntei porquê. “Por teres lutado por mim. Por nunca teres desistido. Por teres conseguido que eu ficasse contigo, na Bélgica. Agora, percebo.”

Apesar de saber que vou continuar a perder algumas batalhas, ganhei a guerra.

4 comentários:

  1. Eu acho que o tempo é muito bom a encarregar-se de contar a história como ela realmente é e não como ta querem enfiar goelas abaixo.

    A alienação parental é uma tremenda realidade e são tantos a praticá-la sem pudor, que nem percebemos que é de um crime que se trata!

    Não lutaste só por ele, deste-te a educação que ele precisava para chegar aqui onde chegou!

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  2. O mais engraçado nesta história é que eu sou constantemente acusada de ser alienadora! Um dia destes ainda vou fazer um post exclusivamente dedicado à alienação parental...

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  3. Depois de ler o que escreveste tenho um nó na garganta e o estômago embrulhado.
    Não sei como reagiria a uma situação dessas (muito mal quase de certeza!) e faltam-me as palavras... No entanto,quero deixar-te aqui o meu apoio e o desejo de que possas continuar a construir para ti e para os teus filhos uma vida mais feliz.

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  4. Obrigada, ddm. É exactamente isso que eu tento, aos bocadinhos... construir uma vida mais feliz com os meus rapazes. Beijinhos.

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