terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Super-mulher

(onde se fala de ciclos viciosos)


 
Durante anos a fio, esgotamo-nos a viver uma vida de super-mulheres. Temos de conciliar trabalho, filhos, casa, marido. A família de origem, a que se herdou e a que se criou. Alimentamos a ideia de que somos perfeitas. Ainda mais perfeitas do que as nossas mães, que também acumulavam estas múltiplas funções, mas sem a pressão que a sociedade actual impõe às mulheres. Hoje, não basta ser perfeita, tem de se parecer perfeita. E, principalmente, feliz.
 
Temos estudos superiores e uma vida profissional estimulante, que consome grande parte da nossa energia. Isto sem descurar a vida pessoal: as saídas com as amigas, os bestsellers e os blockbusters do momento, a esteticista e a actividade desportiva, que uma mulher tem de saber cuidar de si. As viagens, a evasão. Talvez até mesmo um blog, onde relatamos a correria do dia-a-dia. Os nossos filhos andam em boas escolas, estudam inglês, piano e judo nos tempos livres. Nos fins-de-semana, são estimulados com workshops de artes e iniciação ao ioga. Saídas culturais em família. E, no meio disto, o tempo a dois. Já se sabe que as relações se desgastam com os anos. Mais do que nunca, há a consciência de que é preciso investir no casal. Alimentar a paixão.

Nesta vida de mulher-mãe-esposa perfeita não há margem para erro. Se engordamos é porque negligenciamos a nossa imagem de mulheres. Se o miúdo tem más notas é porque não o estimulamos correctamente. Se a entidade empregadora não nos dá a promoção desejada é porque damos demasiada importância à vida familiar. Se a família se queixa da nossa ausência é porque não sabemos optimizar o tempo. Se a amiga deixa de nos convidar é porque andámos obcecadas com os filhos. Se o miúdo apanha um estalo é porque ainda não dominamos eficazmente as teorias do mindfulness e não nos conseguimos controlar. Se o marido arranja outra é porque não soubemos manter a chama do casamento e nos esgotamos na função materna. Se adoecemos é porque não somos suficientemente fortes a nível psicológico e o corpo grita por ajuda.

E assim vamos vivendo a nossa vida, permanentemente sob tensão. Subjugadas pela perfeição inatingível que se espera de nós. Felizmente, um dia, os miúdos crescem. E nem parecem por aí além traumatizados. O marido acaba mesmo por ficar com a secretária, que sabe dar valor a um homem “que ajuda”. Levando com ele a família que éramos obrigados aturar. Mal ou bem, lá nos vamos safando no trabalho e até conseguimos fazer carreira. As amizades que se mantiveram sabemos agora que são para a vida. Os laços familiares estreitam-se nas dificuldades. O dinheiro começa a esticar para pequenos luxos que nos dão prazer. A idade traz-nos segurança e uma beleza que nunca soubemos apreciar. Talvez nos traga também outro amor, uma relação baseada em novas premissas. E o sentimento de que uma segunda vida começa. Uma existência menos perfeita, mas mais real. Até que temos vontade de celebrar esse crescimento, essa renovação da vida, essa segunda oportunidade… e temos mais um filho. E volta tudo ao início.

Está na moda ter filhos depois dos quarenta. Em Portugal, bem entendido. Por aqui, as mulheres têm os filhos todos seguidos bastante cedo. Não tenho nada contra ter filhos tardiamente, quando se optou por fazer outras coisas antes. Por “aproveitar a vida”, como se costuma dizer. O que me faz uma certa confusão é ter filhos depois dos quarenta, quando já se tem filhos a entrar na adolescência. Ou, pior, em plena adolescência. O que me faz imensa confusão é voltar novamente à estaca zero na escala da perfeição. E refazer tudo outra vez, mas agora de maneira “diferente”,condicionando irremediavelmente os próximos 20 anos da nossa vida. O que me faz uma confusão tremenda é imaginar ter filhos adolescentes e netos bebés. E permanecer uma vida inteira completamente dependente de um homem, porque já se sabe que as crianças pequenas sugam as mães, não os pais.

Não consigo ter esta visão conformada da vida, que parece esgotar-se num eterno ciclo vicioso. Libertei-me da pressão da sociedade, recuso-me a voltar a viver sob o jugo da imagem da super-mulher. Prefiro as manhãs de sábado que se eternizam a dois na cama à natação para bebés. Gosto de gerir a minha vida profissional sem ter medo de receber um telefonema da escola a dizer que o miúdo está cheio de febre. Assumo que já não estou para aturar novas famílias, a minha chega-me perfeitamente. Os meus tempos livres são passados em programas que nos agradam aos quatro, sem a preocupação dos estímulos precoces. Se me apetecer não cozinhar, já ninguém fica com fome em casa. Prefiro de longe ter um homem que me considera como sua igual a preocupações femininas fúteis. Adoro ver os filhos crescerem e vibro com cada autonomia conquistada. Dentro em breve, o meu tempo será só meu. Só nosso. Primeiro, sei que terei de voltar às noites mal dormidas, à espera de um adolescente folião. Mas tenho esperança de aproveitar esse tempo para fazer aquelas coisas que dois adultos que se amam e que não estão à beira da exaustão gostam de fazer. Ou ler, vá… Se decidir condicionar os próximos anos da minha vida, prefiro de longe um doutoramento a um bebé. Por uma questão de egoísmo, sim. E de liberdade.




6 comentários:

  1. E boas festas também para ti :))))

    (sim, por favor, eles crescidos. Tão bom. Tão bom)

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    1. É pá... esta semana foram os dois sozinhos de comboio no sábado a Liège ter com a minha "mãe belga" e soube tãooooo bem! Viva a autonomia, a sério!

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  2. Eu estou na fase das sopas e noites mal dormidas (bebe de 7 meses), superadas com grandes sorrisos e doces conquistas todos os dias.
    Compreendo-te. Há fases para tudo e não precisamos de ser super mulheres, nem de querer todas o mesmo! Bjinhos e Festas felizes

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    1. Essa fase é tãoooo gira, Daniela! Eu adoro bebés... mas é como tu dizes, há fases para tudo.

      Boas Festas para vocês!!!

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  3. Eu cá ainda tinha alguma coisa a dizer sobre o possível "alívio" que os filhos nos proporcionam quando crescem...Mas é tempo de festa e só passei por aqui para desejar que venham aí mais umas belas memórias na próxima aventura natalícia! Um abraço para a Rita e sua troupe...

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    1. Eu sou muito céptica, Mariana. Estou seriamente desconfiada da veracidade daquele ditado que diz: "Filhos criados, trabalhos dobrados"... ;)

      Um beijinho de Festas Felizes!

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