terça-feira, 30 de agosto de 2016

MacGyver e a câmara-de-ar

(onde uma velha bicicleta salva a máquina de lavar

 e a casa ganha um nome)



Neste Verão algo atribulado, avariou-se também a máquina de lavar roupa (doravante, designada por ‘A Máquina’). Mas não foi uma avaria qualquer. Parecia uma cena poltergeist. Talvez seja de referir que A Máquina sempre teve vontade própria e só trabalhava quando lhe apetecia. Bom… quando lhe apetecia e como lhe apetecia, o que é bastante pior. Ou seja, escolhendo horas e programas a preceito, independentemente das minhas indicações. A malta lá se ia entendendo, com alguns altos e baixos. (Confesso que uma vez afiambrei-lhe um pontapé valente.) Até que A Máquina decidiu começar a aquecer, a aquecer, a aquecer… E a rasgar t-shirts. À frente. De alto a baixo. Mas só as t-shirts do Diogo. As mais giras, o que o isentou de imediato de possíveis culpas. Declaramo-nos vencidos.

A vantagem de já termos vivido momentos difíceis na vida, é que aprendemos que tudo acaba por passar. E que nós sobrevivemos sempre. Aquela história do “não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe” é mesmo verdade. A nossa reconstrução começou do zero (a minha começou bastante abaixo do zero…), quando aterrámos na casinha vazia de Malempré. Durante muitos meses, não tínhamos máquina de lavar roupa. Portanto, quando os rapazes reclamaram por estarmos sem máquina de lavar, recordei aqueles primeiros tempos. De facto, não é um bem essencial. Consegue-se perfeitamente viver lavando a roupa à mão, num salon lavoir ou em casa de amigos. O Diogo perguntou apenas porque não comprava uma máquina nova a prestações. Aproveitei para lhe dar uma pequena aula de economia doméstica… que, na realidade, se aplica à vida, tout court: “Tens dinheiro para comprar? Compras. Não tens dinheiro para comprar? Juntas primeiro, compras depois”. Só se abre uma excepção para casas e carros. A bem dizer da verdade, nós nem carro tínhamos nesse momento…

Um dia, aproveitámos uma ida a Liège no carro do meu sogro para passar numa loja de electrodomésticos em segunda mão. Havia muito por onde escolher, entre os 250 e os 70 euros. Umas mais recentes, outras mais antigas. Umas melhores, outras bastante piores. Apaixonei-me por uma Whirlpool AA+ de 8 kg. Era a mais barata, porque estava toda enferrujada em baixo. O meu amor insistiu para levar a mais cara, mas eu finquei pé. Inventei logo ali a história de um jovem casal que tinha sido obrigado a pôr na casa de banho a máquina que tinham recebido como prenda de casamento, porque o primeiro apartamento que conseguiu alugar era minúsculo. Com tanta humidade e água à volta, acabou por enferrujar. Mas continuava a trabalhar perfeitamente, era um maquinão. Depois, a vida melhorou e o casal alugou uma casa maior para os seus 3 filhos. E compraram uma máquina nova a condizer com aquela perfeição toda. Mas aquele bicho era um verdadeiro achado… Os oito anos que passei em Letras devem ter valido a pena, porque o Belga acedeu a trazer a máquina enferrujada para casa. Fiz olhinhos de Bambi ao senhor da loja, que nos ajudou a pôr o mastodonte no carro (já disse que era uma máquina de 8 kg, certo?) e que nos emprestou um carrinho de transporte.

A viagem fez-se bem, mas tirar o mono do carro sem o partir todo foi o cabo dos trabalhos. Depois, não passava na porta da entrada. Decidimos, então, entrar pela garagem. Libertámos o acesso à casa das máquinas… o que implicou esvaziar um armário, arredá-lo, desaparafusar totalmente a porta que está condenada há anos, levar A Máquina para a garagem, instalar a nova e voltar a pôr tudo no sítio. Demorámos horas e ficámos esgotados. Quando ligámos a nova máquina de lavar, o painel iluminou-se como se fosse uma árvore de Natal. Tive vontade de bater palmas. Decidi reparar a parte enferrujada antes de a instalarmos definitivamente. O meu amor ia tendo um ataque de nervos, mas decidiu mais uma vez cooperar. Foi depois desta aventura, quando estávamos finalmente a preparar-nos para jantar, que o meu irmão apareceu para nos entregar o cão… Menos mal, obrigámo-lo a ajudar-nos a pôr A Máquina no carro, para a levarmos para a reciclagem.

No dia seguinte, fiz uma máquina de roupa inaugural (felizmente, caso contrário nunca teria a capa do édredon na corda para poder salvar o D. Fuas). E percebi a razão de tanta ferrugem. A máquina de lavar deitava água por todos os lados. Rios de água. Tive de dar a mão à palmatória e admitir que tinha sido uma péssima compra. A pior compra de todos os tempos. Que o melhor era devolvê-la à loja e trazer a mais cara que lá estava… Mas o meu amor recusou-se a voltar a fazer aqueles malabarismos todos outra vez. Aquela era a nossa nova máquina de lavar roupa, só tínhamos de pô-la a funcionar. Simples. Começou por chamar um técnico. Depois de passarmos um dia às voltas na Net, porque já ninguém arranja nada neste mundo. O técnico esventrou a máquina e deu o diagnóstico, sem se dignar a apresentar orçamento: o motor estava impecável, mas era preciso substituir a borracha da porta que tinha vários cortes. Resumindo, o custo não compensava o arranjo, mais valia devolvê-la à loja e comprar uma máquina nova (nesta parte, não estávamos completamente de acordo). O meu amor agradeceu efusivamente, concordou com tudo … e acompanhou o homem à porta muito depressa, sem sequer o deixar montar a máquina. Em seguida, anunciou orgulhoso que ia arranjar o bicho. Mas, primeiro, achou por bem ver uns vídeos no youtube. Aparentemente, para chegar ao cerne do problema, era preciso desmontar o painel frontal. E abrir caminho até chegar à porta. Calculo que o meu amor tenha visto vídeos em todas as línguas que conhece… o que deve dar uns oito ou nove vídeos. Parece que há uns artistas que ensinam entusiasticamente a montar e desmontar máquinas de lavar roupa. Fica a dica para quando tiverem insónias, OK?

Dois dias depois do mono enferrujado entrar em casa, tínhamos uma máquina perfeitamente desmontada graças aos youtubers. Continuávamos era sem carro e já tínhamos sido todos mordidos pelo Yogi. O meu amor estava com uma alergia horrorosa. Faltava a solução do problema. Por mais que procurássemos, não encontrámos uma borracha nova à venda na Net. Nem sequer uma borracha velha. O Belga decidiu, então, libertar o MacGyver que há em si. Admito que, desta vez, não consegui reprimir uma gargalhada… embora o meu amor seja capaz de arranjar uma série de coisas, porque é um “engenhocas”, como se costuma dizer. Ou um “homem muito habilidoso”, como diria a minha avó Clarisse, que era uma senhora elegante. A solução milagrosa do meu MacGyver passava pela câmara-de-ar furada da bicicleta do Diogo, que jazia há meses na garagem. A manhã seguinte foi passada a recortar minuciosamente a câmara-de-ar. À tarde, tapou todos os furos da borracha da porta com os recortes colados com uma espécie de vedante. A obra de arte ficou 24 horas a secar. Nem conseguia mostrar-me céptica e continuava a rir. Mesmo que o truque desse resultado, o homem nunca conseguiria voltar a pôr todas aquelas peças no sítio, mais os fios que saíam por tudo quanto era lado. É que o mono enferrujado é um bicho altamente tecnológico. Oito ou nove vídeos depois (parece que há uns vídeos com desmontagens e outros com montagens… fica a dica, caso a insónia seja crónica), a máquina estava montada. E não sobraram peças.

Mal tive ordem, fiz uma máquina de roupa. OK, eu admito… pus umas toalhas velhas a lavar, sem sequer pôr detergente. Não me estava a apetecer andar a apanhar espuma do chão. Mas o mono aguentou-se. Não verteu uma gota de água. Completamente estanque. Entretanto, já fiz muitaaaas máquinas de roupa. Desta vez, com detergente. A reparação do meu MacGyver está impecável. Temos uma Whirlpool AA+ de 8 kg por 70 euros a trabalhar na perfeição. Temos também uns recortes extra de câmara-de-ar guardados na caixa das ferramentas para alguma eventualidade… agora que conhecemos o seu imenso potencial. E o meu amor decidiu dar um nome à casa, em honra deste feito: “La petite débrouillardise”. Adoro! Assenta-nos a todos como uma luva, especialmente a ele, que é só assim o homem mais fantástico do universo e mais além.

4 comentários:

  1. Adorei a estoria e concordo muito com as licoes nao so a financeira como a do "MacGyver". O meu marido tambem gosta muito de por maos-a-obra. Recentemente reparamos o ecra partido de um tablet (a alternativa seria comprar um novo porque o arranjo profissional custaria o mesmo ou mais). O "modus operandi" foi o mesmo, ver videos no youtube, mandar vir o material (total menos de 50€) e seguir as instrucoes. Funciona perfeitamente.

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    1. Hum... agora, deu-me uma ideia! Também temos o ecrã do LCD do home cinema partido. Talvez valha a pena ver se será possível repará-lo. Faz-me sempre imensa confusão a facilidade com se deitam "coisas" fora só porque os arranjos são demasiado caros.

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  2. Eu cá acho que tudo isso também devia passar a video ou mesmo a filme! Eu fico contente por, ao 3º canalizador a vir a casa, a máquina da loiça ter deixado de ter água no "andar inferior", vinda de um refluxo na canalização...

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    1. Acho que o Belga preferia viver o resto da vida sem máquina de lavar roupa a aparecer num vídeo qualquer na Net!!! IH, ih, ih...

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