quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Terra

(onde reencontramos um eu antigo 

e se começa a comer o que a natureza nos dá)



Quem me conhece sabe que sou uma falsa citadina. Nada e criada na cidade, sempre invejei os amigos que tinham uma “terra”. A terra dos pais, dos avós, dos primos… a terra das férias e dos dias festivos. A terra para onde, invariavelmente, voltavam. Nós nunca tivemos uma terra. Quer dizer… até tínhamos, mas era Lisboa. Terra de todos e de ninguém.

Aos 14 anos, decidi que queria seguir Engenharia Agronómica. Havia de ter a minha terra, desse por onde desse. Felizmente, era uma miúda esperta. Ou seja, comecei por fazer uma investigação prévia. Inscrevi-me na Escola Agrícola da Paiã, no 9.º ano. Acho que foi das épocas mais tristes da minha adolescência. Aguentei 5 meses e voltei para a minha antiga escola, a meio do ano. Aquilo não era para mim. Não gostava das pessoas. Não gostava da vida daquelas pessoas. Não gostava de estudar as melhores raças de vacas para fazer bifes, eu que até era vegetariana. Nem de aprender a pôr pesticidas nas vinhas. Aos 14 anos, decidi que não queria seguir Engenharia Agronómica. Reconciliei-me com Lisboa. A minha terra. Mas inscrevi-me na equitação, na Sociedade Hípica Portuguesa. Um oásis no meio da cidade.

Entretanto passei um ano na Bélgica, no campo. E senti que tinha chegado a casa. Acho que foi das épocas mais felizes da minha adolescência. Bem vistas as coisas, acabei por encontrar a minha terra. E adoptar uma família da terra. Voltei muitas vezes, nos anos seguintes. Sempre com aquela sensação de regresso ansiado, que invejava aos meus amigos, quando era criança. Com aquela sensação de paz. Os meus “pais belgas” venderam há pouco a casa. Nem sequer fui capaz de fazer as despedidas. Senti que tinha perdido a casa de família, na terra.

Não sei porquê, nunca encarei a nossa casa em Vielsalm dessa maneira. Adoro-a cada vez mais, sinto imenso orgulho por tudo o que temos construído, acho que está a ficar um reflexo real daquilo que nós somos… só que não é a “casa da terra”, por assim dizer. Mas talvez eu esteja errada. Talvez um dia venha a ser. Já percebi que os meus filhos começaram a desenvolver esse sentimento de posse familiar em relação a esta casa. Sempre que chegam de Portugal, gostam de a percorrer. De a reencontrar. De apreender as suas ligeiras modificações. Agarram-se firmemente a pequenos hábitos que estão a transformar em tradições. E a casa vai crescendo em carácter.

A última novidade é a estufa. Demorou dois anos a ficar pronta. Foi um longooooo projecto. Acho que já disse aqui que os belgas não sabem estar quietos e adoram um bom projecto. Este deu-nos mesmo muito trabalho. Admito que não ficou tão caro como pensava. Mas a verdade é que o senhorio também se entusiasmou e decidiu dar uma contribuição financeira bastante generosa. O resto foi feito pelos homens da casa, como sempre. Até a coisa pequena ajudou. Eu tratei apenas da parte final. Mas é parte mais importante! Plantei a horta. E continuo a tratar dela com desvelo. Escusado será dizer que os meus homens desmobilizam de imediato, uma vez terminado o projecto. Não faz mal. Estou a adorar poder dar finalmente vazão à minha alma de agricultora precocemente reprimida. Acho que é desta que a nossa casa se transforma numa “casa da terra”. Ontem, comemos a primeira sopa feita com legumes da horta: alho francês, cebola, couves e ervas aromáticas. Comprei apenas abóbora, porque já não fui a tempo de a plantar este ano. Mas guardei as sementes para quando a Primavera chegar…

 [ a estufa ]

 [ a horta, em construção... ]

[ a "maternidade", com as suas incubadoras ]

2 comentários:

  1. Assim se cumpre um dos grandes desígnios de qualquer "tuga": comer coisinha da terra...pela sua mão plantadas ainda sabe melhor! Parabéns!

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    1. Esta tuga-belga só pode ter plantações de interior, mas suponho que também contam... :)

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