quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Um dia, largamo-los no mundo

(e vemos que as coisas até correm bem)



O Diogo pediu-me que ligasse à gerente do restaurante onde trabalhou no Verão, a dizer que tinha chegado de Portugal e que estava disponível. Normalmente, tê-lo-ia obrigado a fazer o telefonema. Se é crescido para trabalhar, também é crescido para se desenrascar sozinho. Mas tive medo que não explicasse muito bem explicadinho que só podia trabalhar um dia por semana, em fins-de-semana alternados. Não é muito tempo, mas ele ainda só tem 15 anos e a prioridade são os estudos. Pensei que talvez não estivessem interessados num miúdo que pode trabalhar, no máximo, duas vezes por mês. E que quase nunca está disponível para trabalhar nas férias escolares, porque está em Portugal. Por isso, peguei no telefone (fingindo-me muito contrariada…).

A gerente ficou toda contente por eu ter ligado. Desfez-se em elogios ao Diogo. Que tinham ficado encantados com ele. Que tinha um filho que valia ouro. Um miúdo com “alegria de vida”. Que era muito trabalhador e voluntarioso. Que era agradável. Que toda a gente tinha gostado de trabalhar com o Diogo. Que era um miúdo que tinha espírito de iniciativa. Que era muito desenrascado. E inteligente. Que teriam sempre um lugar para ele e que adaptariam os horários à disponibilidade do Diogo. Com certeza que poderia recomeçar já a trabalhar.

Isto de criar filhos tem muito que se lhe diga. Até porque os resultados só começam a aparecer quando já é demasiado tarde para corrigir a trajectória. Dificilmente seremos os mesmos quando eles nascem e quando são adolescentes. Tanta coisa muda! Nós mudamos. A vida muda. O mundo muda. E nós vamo-nos adaptando o melhor que sabemos e podemos. Às vezes, gostaríamos de fazer melhor… mas não dá mesmo, por motivos vários. Às vezes, sentimos tanta culpa por coisa nenhuma. Pela nossa cabeça. Às vezes, somos atormentados por dúvidas. Não sabemos o que fazer. Avançamos e recuamos às apalpadelas. Não se nasce mãe, quem nasce são os filhos. E nós temos de ir aprendendo, aos poucos, à medida que exercemos. Não há curso, livros, sites, conselhos, que nos valham. Até o instinto nos trai, por momentos.

Aos poucos, começamos a notar que o nosso raio de influência diminui. Que deixam de ser tão permeáveis à educação que lhes queremos transmitir. Não sabemos bem como, nem quando, nem porquê. Mas é muito mais cedo do que um dia imaginámos. Ficam crescidos. Ainda não adultos. Longe disso. Mas crescidos. Percebemos que a estrutura está lá toda. O resto são retoques. E, depois, um dia, largamo-los no mundo. Vemos como se saem. Recebemos ecos de terceiros. Percebemos que estamos no bom caminho.

À tardinha, vi-o estender o cartão para pagar, com movimentos ainda meio atrapalhados de quem se inicia nestas lides. Comprou um computador em segunda mão. Mas era mesmo o que ele queria. Trabalhou para isso. Ficou feliz. Eu também. Às vezes, isto pode ser tão simples.

2 comentários:

  1. É a velha frase "Os filhos não nascem com livros de instrução..." E quem sabe sempre tudo são aqueles que nunca os tiveram! Quando se vê que o nosso trabalhinho é apreciado por outros fora do nosso âmbito familiar/local é um prémio para tão grande e árdua tarefa! Daqui fico feliz por mais um pouquinho do puzzle estar completo...Beijinhos, mãe Rita!

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    1. Parecendo que não, sempre é uma peça grande do puzzle... ;)

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