quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O teste

(onde se percebe que existem universos paralelos 

e que o conceito de normalidade é subjectivo)



Petite chose continua a viver no seu mundo, que fica obviamente a anos-luz do nosso. Ontem entregou-me vários testes para assinar. Um deles tinha uns números tão perfeitinhos, tão redondinhos e, principalmente, tão pequeninos, que me desfiz em elogios. O Vasco abanava a cabeça, em sinal de concordância, enquanto o sorriso se ia alastrando à cara toda. Quando chegou às orelhas, filho pequeno lá deve ter achado aquilo já era um bocado estranho e pediu para ver o dito teste de Matemática. Que obviamente não era dele. Menos mal, o Romain já leva o teste todo corrigido e assinado. Não foi corrigido por ele, nem assinado pela mãe dele… mas isso é um pequeno detalhe. Quando lhe perguntei por que diabo não tinha dado pelo engano antes, respondeu-me que… hum… o teste… hum… não tinha… hum… sido trocado. “Não foi trocado?! Então, onde é que está o teu teste?” Encolheu os ombros e respondeu que não tinha feito aquele teste. “Pois, isso já eu percebi! É o teste do Romain… que, aliás, tem uma letra bem bonita. Mas onde é que está o teu teste?!” Nessa altura, começou a olhar para os sapatos. Titubeante, lá me confessou que não tinha feito aquele teste, porque não está naquele grupo a Matemática. Como errou um exercício, esta semana está no “grupo mais fraco”. Aquele teste era do “grupo mais avançado”. Nisto, começou a soluçar muito sentido. O irmão, que estava a acompanhar a conversa enquanto assaltava discretamente o frigorífico, veio até à sala perguntar-lhe se não tinha vergonha de estar no grupo dos burros. Os soluços aumentaram de intensidade. “Desculpa, mãe. Estás zangada comigo?” Lá lhe expliquei que me estava borrifando para os “grupos”, que de qualquer modo estão sempre a mudar. O que me preocupa é que ele corrija um teste que não fez, que pertence a outro colega, com matéria que nunca estudou, com uma letra completamente diferente… e que não se dê conta de nada! Sinceramente, o domínio da Matemática interessa-me bem menos do que a sua geolocalização atual. “Ah… mas isso é normal! Já se sabe que o Vasco vive noutro mundo. O que não é normal são as más notas a Matemática.”, esclareceu o irmão. A medo, a coisa pequena acrescentou: “A má letra também é normal”. Tive vontade de chorar, a sério.

2 comentários:

  1. As astúcias dos alunos para que os Encarregados de Educação não descubram as obras primas que fizeram davam uma obra com muita página! Há bolsos de parkas todos forradinhos com folhas de testes e camas cujos colchões se elevam por se tornarem depósitos de material de avaliação que não correu bem! Ah, e as professoras nunca entregaram nada...Digo eu que ouvi muitas histórias como professora e directora de turma! E la petite chose ainda acaba como doutor, letra já ele tem! Boa semana, Rita!

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    1. Isso é que era de valor, Mariana! Sempre achei que ter um médico e um mecânico na família dava muito jeito... Com aquela letra horrorosa, não há muitas soluções.
      Beijinhos.

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