sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Hoje fui a Bruxelas

(onde se vai a correr e não se consegue voltar mais depressa)


Hoje fui a Bruxelas. Apesar de ser uma rapariga citadina, detesto visceralmente esta capital. E se eu adoro capitais! Acho sempre que têm uma mística especial. Excepto Bruxelas, que abomino. Detesto eu e o meu GPS, diga-se de passagem, que fica sempre completamente alucinado. Tem zonas lindíssimas, é certo. A Grand-Place. E tem o meu primeiro amor de adolescência (quando não anda a correr mundo). Tem também a sede da organização onde trabalho, que me recebe sempre com um sorriso. OK… e alguns museus do meu coração, como o Musée Magritte. Fora isso, não tem mais nada. É cinzenta. É feia. É atravancada. Atamancada. Constantemente em obras. Constantemente com ruas cortadas. E desvios. Há reuniões das mais altas instâncias, há cimeiras, há congressos. Há greves e manifestações. E mais obras. Tem rotundas complicadíssimas de se fazer. Muito pequenas e cheias de saídas, onde nunca conseguimos sair a tempo. Não tem estacionamento nenhum. Nem a pagar. Nem nos parques de estacionamento. Tem mendigos por todos os lados. Refugiados sem refúgio. Tem polícias. Muitos, muitos, muitos. Armados até aos dentes. Tem um trânsito infernal, que começa nas artérias de acesso e acaba na mais pequena ruela. Tem comboios, metros, autocarros, camionetas, táxis, bicicletas. Tem um eléctrico que invade a rua e uma pessoa nem percebe bem para onde há-de fugir. Sim, já por lá andei a fugir de um eléctrico. Tem muitos fast-foods e cafés hipsters, onde se paga uma fortuna por uma mini-sandes e uma água escura, servidos num pedaço de xisto. Tem declinações de pastéis de nata a 5 euros. Tem gente apressada. A correr. Engravatada. Donos do mundo. Tem duas línguas e não sabemos com qual vamos calhar. Tem a embaixada de Portugal, que cristalizou algures nos anos 50 pidescos. Tem passadeiras por todos os lados, de onde saltam cogumelos andantes. Tem muitos túneis claustrofóbicos, onde é preciso adivinhar as saídas porque o GPS morre de imediato.

Hoje, também tinha o Natal. Mas aquele Natal que me dá náuseas. O Natal das lojas da Avenue Louise, onde os preços obscenos nem sequer estão afixados. O Natal das iluminações que dão uma luz artificial a uma capital escura. O Natal das senhoras bem-vestidas, cheias de sacos de griffes, a ignorar a pilha de edredons que se acumula nas entradas dos prédios. O Natal das mini-Fnac, com as suas escolhas e promoções e selecções pré-mastigadas, onde não se consegue encontrar um livro de jeito. O Natal das musiquinhas omnipresentes. O Natal das filas intermináveis para avançar, para estacionar, para entrar, para pagar, para sair. O Natal dos supermercados caros, onde só falta darem-nos a ementa da consoada à porta.

E eu, que queria chegar a casa a tempo de montar a árvore de Natal e de fazer o calendário do advento, perdi a vontade toda. Deixei-me ficar muito tempo a ouvir um senhor tocar, na rua. Fiquei à espera que parasse, porque queria dar-lhe o meu cachecol. Estavam 2ºC. Mas o senhor nunca mais parava e tive vergonha de o interromper. Deixei-lhe ficar um café ao lado da caixa das moedas, mas tive vergonha de lhe deixar o cachecol. Não sei porquê.

E eu, que queria aproveitar a ida à cidade para fazer algumas compras específicas, desisti ainda antes de começar. Mas, primeiro, consegui perder o carro, algures no corredor do -3/Verde/Coelho. Talvez ajudasse não ter começado por andar às voltas à procura de um Twingo vermelho, até perder a referência das escadas. Quando finalmente encontrei a Dadá (foi o nome que lhe dei para tentar construir uma memória que não há meio de se fixar), já o tempo de saída tinha expirado.

E eu, que queria sair de Bruxelas o mais cedo possível para não apanhar o trânsito (ainda mais) infernal do final da tarde, andei às voltas durante quase uma hora. O GPS decidiu aderir a uma das greves. Ou não conseguia descodificar o sinal flamengo do satélite. Acabei por seguir às cegas um carro com matrícula do Luxemburgo, que felizmente me conduziu até à entrada da autoestada. O meu primeiro amor diz que um dia ainda acabo morta numa ruela dos subúrbios. Não foi hoje.


Agora, lembrei-me de uma história engraçada que se passou em Bruxelas, 25 anos volvidos. Amanhã, quando recuperar o espírito natalício perdido, logo a conto. Os meus filhos andam sempre à cata de histórias rocambolescas da mãe-menina.

2 comentários:

  1. Mãe-Menina Rita: ainda bem que conheci Bruxelas sem estes "atilhos armados" essa liberdade vigiada...Quanto ao Natal continuo a achar que o melhor é o dia 26: já passou o 25 e ainda falta um ano! Hoje tentei colocar uns adereços natalícios e quase senti febre...E, no entanto, tenho feito vários embrulhos cá em casa, principalmente para crianças ( comprados nos supermercados em promoção não dão direito a embrulho de loja)Mas não consigo encontrar a chama que ilumina tanta alma...e nem pensar em entrar em centros comerciais, ouço dizer que é uma loucura! Uma boa semana por aí, beijinhos!

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    1. Eu tenho de me encher de coragem... ainda nem a árvore montei! :p
      Beijinho, Mariana.

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