segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Troca de prendas

(onde se dá a conhecer a lista do nosso Pai Natal)


Este ano, decidi ser ainda mais radical com as prendas. Os meus filhos já sabem que não podem contar comigo para receber o brinquedo ou o gagdet da moda. Acho que é dinheiro gasto estupidamente. As prendas não têm obrigatoriamente de ser úteis, mas não podem ser superficiais. Detesto a superficialidade. Quase tanto quanto abomino a loucura consumista que parece deixar as pessoas possuídas nesta época. Sobretudo, tendo em conta que esse despesismo é muitas vezes usado apenas para manter as aparências. Por isso, desta vez, esforcei-me mesmo por desencantar prendas especiais… out of the box, por assim dizer. Mais do que coisas, quis oferecer-lhes experiências ou objectos que não dêem prazer imediato. Prendas de gente crescida. Mas, como estamos a falar de dois rapazes, também decidi mimá-los com algo que ansiavam há algum tempo. Houve prendas muito diversas, portanto.

A primeira prenda de Natal que comprei foi para o Diogo, há uns bons três meses atrás. Apaixonou-se por um casaco de couro da H&M, que lhe ficava mesmo bem. Bom… era couro falso, obviamente. Recuso-me a comprar coisas em pele. Disse-lhe que era demasiado caro e arranjei uma desculpa para lá voltar a seguir. Também lhe comprei uns sapatos quentinhos, porque o fadário adolescente+ténis+neve já começou. Dois países, quatro sapatarias e muita discussão depois, desisti. Visto que nada lhe agradava, comprei-lhe uns ténis-bota baratos na Primark, meti-os num saco e escrevi: “A prenda de que não vais gostar…” Pensei que os atirasse para o fundo do armário e só os fosse buscar aquando da primeira borrasca do ano. Enganei-me redondamente. Parece que ficam a matar com o tal blusão preto. Mas imagino que a esta hora esteja a suar as estopinhas em Portugal… Usei a mesma técnica de voltar atrás disfarçadamente para lhe comprar um livro de cozinha mexicana, quando parámos numa estação de serviço algures em França. Dessa vez, a desculpa de que me tinha esquecido de comprar as sandes não foi suficientemente boa. Ehhh… talvez tivesse ajudado se, efectivamente, houvesse sandes para comer durante o trajecto. Não houve, claro está. O Diogo já sabia que ia receber essa prenda. Mas não sabia que ia receber também a Divina Comédia, pois sempre lhe disse que não era um livro para a idade dele. Afinal, ainda acredita em algumas desculpas idiotas! Quanto à prenda de Natal propriamente dita, infelizmente descaí-me há umas semanas. Já nem sei bem a que propósito, disse-lhe que o Fausto ia estar em cena na Opéra Royale de Liège. E o tipo começou logo a pensar que a “prenda-prenda” seria um bilhete. As suspeitas foram confirmadas pela “apalpação” do embrulho. Conhece mal a mãe, o miúdo… A prenda de Natal do Diogo foi uma assinatura para a temporada 2016/17 da Opéra Royale de Liège. Como sou uma criatura diligente (que é o mesmo que dizer muito chata), consegui que a senhora das reservas gentilmente lhe desencantasse os primeiros lugares. Filho crescido ficou histérico com a prenda e ia cometendo um matricídio com tão efusivo agradecimento, mas eu acho que vai ficar ainda mais contente quando se vir tão perto do palco.

As prendas do Vasco foram mais difíceis. Esgotei as ideias com os anos da coisa pequena e queria mesmo oferecer-lhe algo diferente. Enquanto não encontrava nada melhor, fui comprando umas prendinhas patetas: uma máquina para fazer gomas (cujas receitas dão para “roubar” no açúcar), um pijama babygrow que ele adora, um suporte para as pautas do violino, o tão ansiado Cluedo. E, como não podia deixar de ser, a “prenda odiada”! Ou seja, um saco com os diferentes objectos que mais desaparecem misteriosamente: tupperwares para levar o almoço e os lanches, borrachas, réguas, compassos, canetas de tinta permanente… Filho pequeno acusou o toque. Ficou mesmo desiludido quando abriu o saco, mas não teve coragem de dizer nada. Mas nós fartámo-nos de rir, para ser sincera... Entretanto, ao passar no Media Markt há duas semanas, deparei-me com “o dia do drone” a “preços bombásticos”!!! Assim mesmo, com muitos pontos de exclamação!!! E acreditem que por esta casa passam drones suficientes para eu saber reconhecer um verdadeiro achado. O Vasco partiu o drone dele e já andava a pedinchar outro há bastante tempo. É uma daquelas actividades exclusivas do binómio a que eu não consigo mesmo achar piada, por mais que me esforce... No entanto, agradou-me a ideia de o drone tirar fotografias e filmar, porque pode abrir outros pólos de interesse. Além disso, parece-me que pode levá-lo a explorar outras potencialidades do computador que recebeu nos anos. Já estavam as compras todas feitas, quando descobri “a prenda”. A tal que ia de encontro à filosofia que gostava mesmo que os rapazes percebessem este ano. Tive algumas dúvidas de que o Vasco tivesse maturidade para apreciá-la, por isso fiquei feliz por ter outros presentes para lhe oferecer na nossa noite de Natal. As opiniões aqui em casa dividiam-se. O meu amor adorou a ideia, o Diogo achou-a completamente descabida. Dentro de uma caixa, pus um gorila de peluche e o certificado de apadrinhamento vitalício de um bebé gorila na Dian Fossey Gorilla Fund International, que apresentava detalhadamente o afilhado. Dizer-vos apenas que foi a prenda preferida da minha coisa pequena. A paixão foi tão grande que eu espero que o Kuruwanda morra de velho daqui por longoooos anos. Até lá, o Vasco irá receber notícias do afilhado trimestralmente. Expliquei-lhe que os apadrinhamentos serviam para financiar o programa exclusivo de vigilância sete dias por semana de diversos grupos de gorilas, mas não me parece que o filho pequeno precisasse de grandes justificações. Acabou por me confessar que preferia ter recebido apenas dois gorilas e nenhuma outra prenda material, o que me deixou de coração cheio.

O meu amor não precisava de grandes prendas para compor a mensagem que tentei passar à tribo este Natal. Apesar disso, recebeu umas pantufas da Serra da Estrela e um conjunto para fazer sushi, para ver se poupamos algum dinheiro no guilty pleasure da família. A minha prenda foi uma assinatura anual da revista Ciel et Espace, dificílima de encontrar nas Ardenas. E uma daquelas boxes de experiências para ver se finalmente vai fazer o tão desejado parapente (mas sem eu estar a ver…).

Se a noite de Natal tivesse ficado por aqui, teria sido perfeita. Sem excessos, nem grandes derrapagens orçamentais. Mas, para quem advogava a abolição da superficialidade, fui bem tramada… O Diogo ainda alinhou na minha ideia e ofereceu-nos livros. Para o irmão, desencantou umas cartas raríssimas Pokémon, que o deixaram extasiado. O Vasco deu-me uma caixa de marrons glacés, a minha gulodice preferida. Ao meu amor, ofereceu uma agenda da antiguidade com o cheque-prenda da livraria que tinha recebido nos anos. Foi comprado, sim… mas com uma prenda que era suposto ser para ele. Achei que tinha sido um gesto muito bonito. Até mesmo porque passámos horas infinitas naquela livraria até o Vasco encontrar “a prenda ideal”. A prenda que ofereceu ao irmão ainda foi mais bonita: comprou a trilogia de Hannibal Lecter em Setembro, numa venda de garagem, e guardou-a cuidadosamente estes meses todos. Parece-me que também estava dentro do espírito de Natal…

Então, quem foi o causador do cataclismo de prendas caras, perfeitamente inúteis e materialistas, destinadas a estragar de mimos as crianças (e a namorada)? O meu amor, pois claro. Percebi que tinha andado a pregar no deserto, nestes últimos tempos. Qual desperdício zero, qual desapego material… O meu Natal simples ficou soterrado de prendas. Muitas prendas. Com um sorriso que faria derreter qualquer coração, parecia que tinha sempre mais uma prenda escondida para um de nós. E quando eu ia mesmo começar a ralhar a sério com o meu amor, vi pelo canto do olho o meu sogro a fotografar discretamente cada abraço sentido que os meus rapazes lhe davam a cada prenda pateta desembrulhada. Percebi que a maior prenda de Natal que aqueles pais receberam foi ver o único filho que lhes resta a dar e receber amor em forma de embrulhos e abraços apertados. Porque a verdade é que eu assisti ao nascimento do amor destes três e ainda hoje me enternece... Imagino o que terão sentido os pais do belga tipicamente nórdico, frio e distante, que conheci há quatro anos, ao presenciar tamanha manifestação de afecto. Talvez tenha sido esta a verdadeira magia do nosso Natal. A minha maior prenda não foi o casaco lindo, lindo, lindo da Desigual, foi o SMS de agradecimento tão querido que recebi dos pais do meu amor umas horas depois.

4 comentários:

  1. Querida Rita: passámos a época natalícia com distinção! Não me enervei, não chorei, os momentos foram descontraídos e até acabámos (eu, o meu marido e a minha filha) a publicar um video no Facebook com uma aplicação "louca" que fez as delícias da rede social por ser inesperado e me fez exorcizar os temores natalícios! Sendo que o meu marido nem Facebook tem e eu não publico fotos dele, por respeito à sua privacidade...Pode ser que o próximo Natal pareça mais fofinho quando pensarmos na sua vinda! Parabéns pelas prendas trocadas, as suas recebidas e o "pé ante pé" na aproximação ao outro núcleo belga...Beijinhos e uma semana descontraída!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nada como um bocadinho de loucura para exorcizar fantasmas, Mariana. Vá... é só mais uma semana e podemos pôr a "época natalícia" definitivamente para trás das costas!

      Eliminar