segunda-feira, 15 de maio de 2017

A mãe é deus

(porque ontem foi dia da mãe na Bélgica)



A mãe sabe que tempo vai fazer amanhã. E no fim-de-semana seguinte. A mãe é meteorologista.

A mãe consegue levar ambos os filhos a duas actividades diferentes à mesma hora. A mãe detém o segredo da teletransportação. Ou da ubiquidade.

A mãe sabe o título do livro que era preciso comprar ontem, sem que a lista de leituras tenha saído da mochila. E, como é evidente, a mãe tem esse livro na estante da sala. A mãe é previdente.

A mãe tem ingredientes e disponibilidade para fazer 35 bolinhas de frutos secos para celebrar a despedida do professor estagiário, desde que seja avisada até às dez da noite. A mãe é cozinheira num quartel.

A mãe sabe o número de telefone do colega do filho e, idealmente, da mãe dele também. A mãe engoliu a lista telefónica.

A mãe sabe sempre onde estão os ténis. A caixa do lanche. A mochila da piscina. A t-shirt preferida. As chaves. O telemóvel. E, se preciso for, sabe tudo isto ao mesmo tempo. A mãe tem uma excelente memória visual.

A mãe está a fazer o jantar que o olfato dos filhos detectou no andar de cima. Exactamente aquele jantar. A mãe é adivinha.

A mãe tem os 25 euros para pagar a actividade da escola, na manhã seguinte. De preferência trocado. A mãe é o multibanco.

A mãe sabe se as gavetas estão mal arrumadas só de olhar fixamente para o armário fechado. A mãe tem visão raio-X.

A mãe é a rainha da private joke. Faz parte das suas funções conhecer todos os diálogos dos sete filmes do Star Wars. I am one with the force and the force is with me. A mãe é fã.

A mãe pode coser o casaco preto com linha preta à noite. Antes de se ir deitar. A mãe não precisa de dormir. E, como já se percebeu, tem uma excelente visão.

A mãe tem uma farinheira e consegue multiplicá-la quando faz feijoada, de modo a que todos repitam várias vezes e haja sempre uma rodela (grande) no prato. Mesmo nos restos do dia seguinte. A mãe tem o dom da multiplicação.

A mãe sabe o que fazer quando dói a garganta ainda antes do filho se queixar. Porque a mãe prevê as dores. A mãe é médica. E enfermeira. E curandeira.

A mãe começa logo a gritar (ainda que esteja apenas a rosnar baixinho). Porque uma mãe zangada ouve-se sempre muito bem. A mãe tem voz de tenor.

A mãe não pode cortar o cabelo ou mudar de visual. A mãe é imutável.

A mãe recorda na perfeição a história sobre o amigo do colega da outra turma que lhe foi contada na Primavera de 2015, quando estava a tirar as compras do carro. A mãe tem memória de elefante.

A mãe tem a solução para todos os problemas do mundo. A mãe é sábia.

A mãe sabe sempre onde perdemos o casaco. A mãe é omnipresente.

A mãe consegue responder a uma pergunta urgente enquanto lava os dentes/faz chichi/toma banho/fala ao telefone com outra pessoa. A mãe é ventríloqua.

A mãe faz sempre a sobremesa preferida do outro filho. Dá sempre mais atenção ao outro filho. Deixa sempre o outro filho falar mais. Defende sempre o outro filho. A mãe é profundamente injusta.

A mãe é a mulher dos sete instrumentos. Domina na perfeição orgão de igreja, violino, piano e trompete. Só assim se explica que estejam sempre a perguntar-lhe: "Toquei bem?"  A mãe é chefe de orquestra.

A mãe, quando descasca uma manga, consegue sempre dar dois caroços a roer aos filhos. Já se sabe que a mãe tem o dom da multiplicação.

A mãe sabe a que horas e em que canal passa determinado programa. A mãe é a TV Guia.

A mãe consegue responder a perguntas não formuladas. A mãe tem o dom da telepatia.

A mãe adivinha o mal de que padece a tartaruga moribunda e consegue curá-la. A mãe é veterinária. E milagreira.

A mãe ostenta com orgulho os brincos horrorosos que o filho fez na escola com massinhas. A mãe é um expositor ambulante da arte da progenitura.

A mãe lê pensamentos secretos e adivinha as parvoíces que estão para acontecer. A mãe é omnisciente.

A mãe vai levá-los a visitar a muralha da China. A mãe é rica.

A mãe tem um colo que cura todas as dores. Os beijinhos e abraços também fazem milagres. A mãe é mágica.

A mãe sabe exactamente o que se passa na cabeça do senhor que está a discutir com a mulher no outro lado da estrada, na terça-feira à tardinha. Por isso lhe perguntam: "O que se está ali a passar?" A mãe sabe sempre tudo.

A mãe tem uma ideia fantástica para o trabalho da escola que deve ser entregue no dia seguinte. A mãe é uma iluminada.

A mãe fala sempre baixinho. Quando pede ao filho para arrumar o quarto, por exemplo. Ou aspirar a casa. Ir chamar o irmão. Lavar as mãos para vir para a mesa. A mãe murmura.

A mãe tem de ceder o seu pacote de pipocas, no cinema. A mãe é abnegada. Ou está de dieta.

A mãe ouve música dos anos 90. A mãe tem mau-gosto. Para além de ser velha.

A mãe é imediatamente informada quando o cão vomita às 7h30 da manhã. A mãe é a empregada doméstica de plantão.

A mãe diz mil vezes as mesmas coisas. Principalmente advertências e ralhetes. A mãe é chata. E bastante repetitiva.

A mãe sabe como se diz paralelepípedo em romeno. A mãe é tradutora.

A mãe está sempre ao lado do telemóvel e responde de imediato. A mãe é reactiva.

A mãe tem resposta pronta. Sabe sempre o porquê de tudo. Em que ano nasceu fulano. Que descoberta fez sicrano. De que nacionalidade é beltrano. E, de permeio, os horários dos comboios. A programação do cinema. A mãe é o Google.

A mãe tem sempre pilhas. Das AAA e das AA+. Quatro pilhas, obviamente. E um compasso, na véspera do teste de matemática. A mãe tem sempre mais um litro de leite algures escondido. Para além da caneta florescente azul clara. A mãe é o supermercado.

Aconteça o que acontecer, a mãe é sempre culpada. Porque devia saber. Devia ter calculado. Devia ter feito de outra forma. Devia ter avisado. Devia ter chegado mais cedo. Ou mais tarde. Porque devia ter corrigido o erro a tempo. A mãe tem as costas largas.

A mãe consegue sempre reparar qualquer objecto partido. A mãe é genial.

A mãe tem todos os defeitos do mundo. E mais alguns. Só assim se explica as falhas dos filhos. E os traumas infligidos. A mãe veio com defeito.

A mãe sabe ao minuto os pormenores da última desgraça que aconteceu algures no mundo (e quiçá mesmo no espaço). A mãe é a CNN. Ou deus. É isso... a mãe é deus.

6 comentários:

  1. Adorei, mãe Rita! Talvez esta mãe não saiba que, mesmo quando a filha já se é adulta e profissional credenciada, se telefone perto das 9 da noite e pergunte se há "papinha" para ajudar a passar o cansaço (um potro lá do trabalho adoeceu de repente e ela não se veio embora sem deixar a situação controlada...) E lá partiu com mais 2 caixinhas de "papinha" e garrafas de água...não vá a cólica renal regressar! Parabéns aos 2 filhotes pela mãe tipo "canivete suíço"!Beijinhos

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    1. Ontem, filho grande estava deprimido. Deixei-o na aula de trompete e pus-me a caminho do Luxemburgo para ver se encontrava comida portuguesa. Não há depressão adolescente que resista a croquetes e pastéis de nata. Acho que, pela vida fora, os filhos precisam sempre de conforto materno... vulgo, comida!
      Beijinho, Mariana!

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    2. Um dia, quando decidir escrever um livro...e vai faze-lo, não pode esquecer a saga de ir deitar lixo ou comprar comida "tuga" no país ao lado!

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    3. Nááá... as nossas aventuras ficam muito bem guardadas aqui neste cantinho. Tanta coisa mudou desde essa época! :)

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