terça-feira, 2 de junho de 2015

Fizeram-se os dias assim

(onde se faz o elogio do inesperado

para alegria de um e desespero do outro)


 

Anunciaram sol para o fim-de-semana, portanto decidimos trabalhar no quintal. O Vasco ficou todo contente. O adolescente da casa resmungou. Parece que tinha de estudar.

Só que nos levantámos tarde e a más horas… Mudámos de planos, inesperadamente. Decidimos aproveitar a tarde para passear. O Vasco ficou todo contente. O adolescente da casa também. Só faltou começar aos pulos, por se ver livre dos trabalhos forçados. Afinal, não tinha assim tanto para estudar.

O meu amor sugeriu irmos até Crupet, um sítio pitoresco não muito longe. O Vasco ficou todo contente. Mas o adolescente da casa começou a ver a vida a andar para trás, porque se impunha uma hora de carro.

Chegados a Crupet, não vimos nada de muito pitoresco. Excepto talvez a torre da Rapunzel. Não desistimos e fomos passear pelos campos ali à volta. O Vasco ficou todo contente. O adolescente da casa protestou veementemente. Como tínhamos dito que íamos fazer turismo, tinha calçado os ténis novos.

 
O passeio soube-nos a pouco e o meu amor lembrou-se que estávamos perto de Ciney, que ainda nenhum de nós conhecia. O Vasco ficou todo contente. O adolescente da casa começou claramente a entrar em desespero. Ninguém o tinha preparado para aquilo. Porque não lhe tínhamos dito que, afinal, íamos até ao fim do mundo, porque nem sequer tinha o iCoiso carregado e nós precisávamos de ter o GPS ligado, porque já era tardíssimo, porque ainda tinha tanto que estudar...
 
Chegados a Ciney, já não o podíamos ouvir. Decidimos calá-lo com um cachorro-quente, que é sempre uma aposta ganha. Demos uma volta pela cidade mas, com o turismo fechado, não sabíamos muito bem para onde ir, no Domingo à tardinha. O meu amor decidiu rumar a Dinant. Já que tínhamos chegado até ali, era só mais um pulinho. O Vasco ficou todo contente. O adolescente da casa perdeu de imediato a boa-disposição recém-conquistada graças à barriga cheia. E lançou a única cartada que lhe restava: no dia seguinte tinha escola e já era tãoooo tarde…
 
 
Ignorámo-lo e lá fomos à aventura até Dinant. Como é evidente, quando chegámos já estava tudo fechado. Inclusivamente a belíssima cidadela antiga, no cimo da cidade. Nada que nos estragasse o passeio, que a arquitectura e o ambiente de uma terra nunca fecham portas. O adolescente da casa começou por suspirar de alívio, porque o teleférico parecia tenebroso. Mas, à medida que íamos deambulando pelas ruas, começou novamente a resmungar. Tínhamos dito que ia passar o dia a trabalhar no quintal e tinha vestido roupa velha, nada adequada a tão citadino passeio. Apesar dos ténis novos, agora completamente sujos de lama.
 
Estávamos a passear calmamente à beira rio, quando decidimos alugar um barco a motor para dar a volta ao rio que banha Dinant. Os preços eram convidativos. E um dia não são dias. Ainda tínhamos uma hora de passeio pela frente até ao cair da noite. O Vasco ficou todo contente. Foi o momento de glória do adolescente da casa, que teve autorização para ir aos comandos da embarcação. Até se esqueceu de desencantar algo de mal para dizer.
 
Já estávamos a voltar para o carro, quando nos apeteceu repentinamente fazer a loucura total. Decidimos abrir a época do prato nacional: mexilhão com batatas fritas. O Vasco ficou todo contente. O adolescente ainda nem se tinha refeito do passeio de barco, já estava à mesa a alambazar-se com o segundo prato nacional belga: almôndegas com batatas fritas. E foi vê-lo a rir-se e a falar pelos cotovelos o resto da refeição.
 
Voltámos para casa bastante tarde... bem mais tarde do que o recomendado, tendo em conta que no dia seguinte havia escola. O pequeno deitado em cima do grande, ambos cansados e felizes. Antes de adormecer, o adolescente implicante agradeceu efusivamente o dia tão bem passado. Admitiu que lhe custa deixar-se guiar pelo imprevisto, uma constante quando se vive connosco. Sabemos onde começamos, nunca sabemos como acabamos. Mas que é sempre tão, tão, tão bom…
 








 
 
 


2 comentários:

  1. Portanto, a lição de hoje que vou copiar para o meu caderno de "como domar um adolescente" é: comida e comando. Check.

    ResponderEliminar
  2. Nã, nã, nã... falsa noção de comando, Gralha. É mais seguro!

    ResponderEliminar