sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Quatro anos de nós

(onde cada dia que passa é melhor do que o anterior)



Ele diz que continua apaixonado por mim, como no primeiro dia. Que aquela história de a paixão durar apenas dois anos é mentira. No nosso caso, ele diz que é mentira. (Eu concordo.)

Dá-me sempre a mão, por mais pequeno que seja o percurso. Andamos sempre de mão dada. Às vezes, dá-me um beijinho na mão e guarda-a no bolso. Desata-se a rir e diz: “É tão pequenina!”.

Ele fica à espera que D. Fuas dê o sinal, quando chego a casa à tardinha. Mal saio do carro, deparo-me com ele a entrar na garagem. Para me receber. Com um sorriso do tamanho do mundo. É quando o meu dia começa verdadeiramente.

Pede-me para ir passear com ele. É dos poucos momentos em que exige exclusividade.

Ele não se cansa de elogiar os meus filhos. As pessoas que eles são. (Porque ele vê-os como pessoas.) Conhece-lhes os gostos, os hábitos, os segredos, as manias, os amores, as fraquezas, as histórias, os sonhos. As disciplinas preferidas e as odiadas. Sabe qual foi a nota que tiveram no último teste. E a data do próximo. Sabe a matéria que estão a dar. Os horários de todas as actividades. Não sei porquê, gosta de ser ele a levá-los ao médico. E, depois, repete cuidadosamente tudo o que ouviu. Sabe que tem de dar a mão ao Vasco no dentista. E que o Diogo não pode ver agulhas. Sabe o número que vestem. E que tipo de calçado preferem. Conhece os autores e séries que estão em alta no momento. E os que já passaram à história. Sabe quais os pratos de eleição e os mais detestados. Todos os domingos lhes traz um mimo diferente da pastelaria e lhes prepara o pequeno-almoço. Corta a maçã aos bocadinhos, porque sabe que é a única maneira de o Diogo a comer. Adora viajar com eles e está sempre magicar novos destinos a quatro. Bem mais do que só a dois.

Quando estou cansada, ele vai para a cozinha. Numa hora, prepara três pratos diferentes. É uma festa. A sua especialidade são as tagines.

Lembra-se perfeitamente do primeiro dia em que me viu maquilhada. Sabe o que levava vestido. E que tinha esticado o cabelo. Eu também nunca mais me esqueci, porque ele ficou a olhar para mim com uns olhos muito arregalados de espanto.

Ele dá-me muitas prendas, nunca deixa passar uma data em branco. No outro dia, deixou cair lixívia em cima de uma camisola que me tinha oferecido e eu fartei-me de chorar. Porque cada prenda tem o seu significado. E eu adoro-as a todas, sem excepção. Desta vez, recebi um livro de Paul Valery e outro da Sylvia Plath. Não sei como é que ele faz para me ler os pensamentos.

Sempre que estou atrasada para ir trabalhar, ele senta-se ao meu lado nas escadas para me calçar uma das botas. Invariavelmente, aperta os atacadores ao contrário.

Sabe exactamente qual a temperatura ideal da água do duche e deixa-a regulada. Se levar os dentes antes mim, deixa sempre a caixinha aberta. Se for depois, tem o cuidado de a fechar.

Às vezes apanho-o a olhar para mim e fico envergonhada. Mas é ele que cora por ter sido apanhado em flagrante.

Ele diz que adora ouvir-me falar. Que gosta da minha visão das coisas. Que aprendeu muito comigo. Ele diz que tenho uma sabedoria prática. Mas ele é a pessoa mais inteligente que eu conheço. Uma espécie de enciclopédia, com infinitas entradas sobre os mais variados temas.

Quando dorme fora, liga-me sempre antes de se deitar. Nunca ao acordar. E quando neva muito, liga-me 15 minutos depois da hora normal de chegar ao trabalho. Às vezes, liga-me só para me ouvir. E diz: “Liguei só para te ouvir”.

Um dia, surpreendeu-me no trabalho com uma planta. “Chegou a primavera!”, disse-me.

Ele diz que nunca se cansa de mim. Gosta de me cheirar o pescoço. E o cabelo. De fazer amor em sítios estranhos. Numa igreja. Na praia. Numa gruta, no meio dos bosques.

Quando encomenda comida, nunca me pergunta o que quero. Mas acerta sempre. Sabe quantos cereais tem o meu pão preferido. Sabe o tipo de alface que mais gosto. E a bebida também. Conhece a marca do meu queijo predilecto. Põe sempre a quantidade certa de mel e pinhões no meu iogurte.

Ele tem uma fotografia do nosso café em Spa, onde nos encontrámos tantas e tantas vezes, naquele primeiro inverno dantesco.

Vai sempre deitar-se uns minutos antes de mim para me aquecer o lugar. Aninha-me na curva do ombro dele. Numa covinha que tem exactamente o tamanho ideal. E ficamos a falar no escuro. Depois, viramo-nos em conchinha. A última coisa que ouço, antes de adormecer, é “Amo-te”.

Às vezes, estamos a trabalhar lado a lado e ele manda-me um e-mail, só para meter conversa. Numa qualquer língua estranha. Ele domina quase uma dezena de línguas. Eu preciso do Google para as decifrar.

Ele odeia visceralmente quem me faz mal. Esforça-se por ser o meu escudo e amparar todos os golpes. Ele diz: “Se soubesses como eu te compreendo…”. E eu sei que é verdade.

Nas últimas semanas, tem percorrido todos os supermercados por onde passa à procura das últimas caixas de marrons glacés desta estação. Ele sabe que é a minha perdição. Quando encontra alguma, deixa-a em cima da minha secretária, sem dizer nada. No outro dia, fez um coração com os marrons. Mas continua a dizer que não é romântico.

Adora ver fotografias minhas de quando eu era criança. E anda sempre atrás de mim, de máquina em riste, para me apanhar os risos palermas. Tenho imensas fotografias a rir, que ele guarda religiosamente. E fotografias de nós os três juntos. Da tribo.

Quando nos sentamos finalmente para ver a nossa série, antes de nos irmos deitar, finge ralhar com o D. Fuas, que se instala sem vergonha no meio de nós. Diz que o cão não pode subir para os sofás. Mas eu sei que ele adora esta mania do nosso cão mimado.

Chama-me petit cœur. Às vezes, pulguinha. Renarde. Ou Raposinha.

Guarda numa pen todos os e-mails que trocámos. Desde o primeiro. E numa caixa, guarda todos os bilhetinhos idiotas que já lhe escrevi.

Ele escondeu um tesouro para mim, nos bosques de Malempré. Debaixo de uma árvore que tem um prego. E escreveu-me um conto com as coordenadas exactas. Mas eu sou tão parva que não as consigo descobrir. E o tesouro permanece escondido.

A primeira vez que ele me viu, através da janela, eu estava a dançar com um Vasco ainda pequenino ao colo. D. Fuas andava aos saltos à nossa volta. Ele diz que nunca mais se esqueceu desta imagem.

6 comentários:

  1. Que homem bom... guarde bem esse tesouro! Felicidades.

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  2. Lindo! É tão bom ter alguém assim ao nosso lado. Beijinhos

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    1. É muito bom, como a Célia diz... e, sobretudo, raro! Beijinho.

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  3. Que amor tão bonito...E bem merecido para os dois "envolvidos" na trama que a vida vos preparou! Quanto a si, Rita, acho que desta vez se cumpriu um lema por mim inventado: "Cá se recompensam os que de uma triste vida se libertaram!" Parabéns e long life para essa paixão...

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