quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Afinal havia uma solução

(porque há ideias tão geniais que deviam patenteá-las)


Fui à reunião da escola do Vasco. A medo, como de costume. Porque as notas são sempre boas, já se sabe. O pior é o resto. Por isso, já vou à espera daquela parte: “Sim, sim… bem, em relação aos resultados escolares, não há nada a dizer. É um excelente aluno. Não sei como, mas é. O pior é o resto…” E segue-se uma lista interminável de disparates. Disparates que a criatura faz, bem entendido. Uma lista onde se exalta o facto de o Vasco ser absolutamente incapaz de estar quieto. Personificação do bicho-carpinteiro. De cair constantemente da cadeira abaixo. Ou de mandar a cadeira abaixo e ficar milagrosamente de pé. Ou de cair primeiro e, depois, ainda apanhar com a cadeira em cima. Todo um mundo de variantes, onde a única constante é o facto de cair. Ele e a cadeira. Ah… e o estrondo assustador que isso provoca. Segue-se a ladainha habitual de que a coisa pequena perturba o bom funcionamento das aulas.

Pois que, desta vez, eu estava ainda com mais medo. A nova escola é rigorosa. Até eu tremo um bocadinho quando olho directamente para a directora. Fico sempre com a sensação de que devo ter feito um disparate qualquer. Mas, pronto, enchi-me de coragem e lá fui, preparada para defender a cria com argumentos altamente imaginativos. Tinha uma lista deles preparados. Mas, para minha grande surpresa, não precisei de usar nenhum. Nem um.

As professoras elogiaram muito o Vasco. Que era um prazer tê-lo na turma. Que tinha uma curiosidade insaciável. Um miúdo ávido de conhecimento. E com uma cultura geral fora do comum. Falador, mas muito respeitador. Amigo de todos. Que gostava muito de estar à conversa com os adultos, da empregada da limpeza à directora. Que se tinha integrado na perfeição. Ninguém diria que só falava francês há dois anos, que tinha um desenvolvimento linguístico bastante superior à maior parte dos colegas. Que transbordava de felicidade. Um miúdo reguila, mas muito meiguinho. Obediente. Excelente aluno. Que se via que tentava fazer um esforço para melhorar a letra e ser mais cuidadoso com o seu trabalho. Rigoroso. Disseram que o Vasco era rigoroso no que fazia. E bom colega.

Eu estava assim a modos que apalermada. Sempre à espera do “mas…” que iria iniciar a já conhecida história do diabo no corpo e da disputa com a cadeira, centro de toda a discórdia na antiga escola de Malempré. No final da conversa, já as senhoras estavam de mão estendida para se despedirem, perguntei se o Vasco era muito irrequieto, se ficava sossegado na cadeira… Vá, atirei assim a ideia para o ar, como quem não quer a coisa. Disseram-me que não. Que se via que era uma criança cheia de vida, mas que se mantinha sossegado no lugar. “Então… e a cadeira? Ele nunca cai da cadeira?”, perguntei, desconfiada. Não. Explicaram-me que, quando viram o tipo de miúdo que tinham pela frente, optaram por sentá-lo numa secretária que tem a cadeira aparafusada ao chão. Achei a ideia tão, mas tão genial, que não me contive nos elogios. E insisti para ver com os meus próprios olhos essa invenção extraordinária. Fartei-me de rir. Afinal, a solução era tão simples. Estou desconfiada que devem ter ficado impressionadas pela minha preocupação com o mobiliário escolar, mas pronto… Sai de lá com a certeza absoluta de que o meu bicho-carpinteiro está no lugar certo. E isso é coisa para deixar qualquer mãe de coração mais levezinho.

5 comentários:

  1. Já sabia que a fita-cola resolvia muitos problemas mas essa dos parafusos também faz todo o sentido :)

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  2. A fita-cola dá para tirar, Gralha... os parafusos, não! ;)

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  3. Genial ! Mas uma cadeira, é uma cadeira. E quedas todos os miúdos dão...

    Agora isto é que é extraordinário: "Que tinha uma curiosidade insaciável. Um miúdo ávido de conhecimento. E com uma cultura geral fora do comum. Falador, mas muito respeitador. Amigo de todos. Que gostava muito de estar à conversa com os adultos, da empregada da limpeza à directora. Que se tinha integrado na perfeição. Ninguém diria que só falava francês há dois anos, que tinha um desenvolvimento linguístico bastante superior à maior parte dos colegas. Que transbordava de felicidade. Um miúdo reguila, mas muito meiguinho. Obediente. Excelente aluno. Que se via que tentava fazer um esforço para melhorar a letra e ser mais cuidadoso com o seu trabalho. Rigoroso. Disseram que o Vasco era rigoroso no que fazia. E bom colega."
    Parabéns ao Vasco!

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  4. Olá. Cheguei aqui agorinha mesmo, mas acho que fico mais um pouco...
    Acredite que fartei-me de rir, não às custas do Vasco, mas de seus "problemas" com as cadeiras da sala de aula, e mais ainda, da maneira como descreve as peripécias dele com as ditas cadeiras. Amei. E afinal, a cadeira é que não se mantinha "segura" no lugar, concluímos nós.
    Parabéns ao Vasco, que afinal, mostra-se um aluno 5*, essa é que é.
    bjos

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  5. Obrigada pelo elogio, Maria Grinheiro... e pela conclusão tão óbvia de que as cadeiras é que não param quietas no seu devido lugar! :)

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