segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O pior não é…

(espero que o meu amor esteja tão ocupado com os miúdos

que nem se lembre de passar por aqui)



O pior não é trabalhar ao Domingo.
O pior não é trabalhar ao Domingo, em Bruxelas.
O pior não é trabalhar ao Domingo, em Bruxelas, com uma colega chata como o raio.
O pior não é trabalhar ao Domingo, em Bruxelas, com uma colega chata como o raio e saber que ainda temos mais dois dias de intensa labuta pela frente.
 
 
O pior não é o local de trabalho ficar em pleno centro de Bruxelas, onde o trânsito é caótico.
O pior não é o local de trabalho ficar em pleno centro de Bruxelas, onde o trânsito é caótico e a selecção joga esta noite.
O pior não é o local de trabalho ficar em pleno centro de Bruxelas, onde o trânsito é caótico e a selecção joga esta noite, seguida de um concerto de Stromae.
O pior não é o local de trabalho ficar em pleno centro de Bruxelas, onde o trânsito é caótico e a selecção joga esta noite, seguida de um concerto de Stromae, e a nossa colega guiar o carro da associação como se fosse o tractor onde aprendeu a conduzir.
 
 
O pior não é estarmos a angariar fundos para a nossa associação.
O pior não é estarmos a angariar fundos para a nossa associação numa coisa cruamente designada por “Salão do Testamento”.
O pior não é estarmos a angariar fundos para a nossa associação numa coisa cruamente designada por “Salão do Testamento”, rodeadas por velhos deprimentes e moribundos.
O pior não é estarmos a angariar fundos para a nossa associação numa coisa cruamente designada por “Salão do Testamento”, rodeadas por velhos deprimentes e moribundos, sem percebermos um corno da lei de sucessões deste país.
 
 
O pior não é a nossa colega, chata como o raio, ter uma bexiga de galinha.
O pior não é a nossa colega, chata como o raio, ter uma bexiga de galinha e passar o dia a emborcar cafés.
O pior não é a nossa colega, chata como o raio, ter uma bexiga de galinha e passar o dia a emborcar cafés, estar convencida de que sofremos do mesmo mal.
O pior não é a nossa colega, chata como o raio, ter uma bexiga de galinha e passar o dia a emborcar cafés, estar convencida de que sofremos do mesmo mal e, portanto, obrigar-nos a ir frequentemente à casa de banho.
 
 
O pior não é passarmos horas a apresentar um projecto complexo.
O pior não é passarmos horas a apresentar um projecto complexo a uma cambada de velhos extravagantes.
O pior não é passarmos horas a apresentar um projecto complexo a uma cambada de velhos extravagantes e surdos.
O pior não é passarmos horas a apresentar um projecto complexo a uma cambada de velhos extravagantes e surdos, que falam maioritariamente flamengo.
 
 
O pior não é o nosso stand estar encaixado entre a Unicef e a WWF.
O pior não é o nosso stand estar encaixado entre a Unicef e a WWF, cheias de cartazes com crianças sorridentes e pandas amorosos.
O pior não é o nosso stand estar encaixado entre a Unicef e a WWF, cheias de cartazes com crianças sorridentes e pandas amorosos, que metem os nossos velhotes com trissomia 21 cheios de pinta a um canto.
O pior não é o nosso stand estar encaixado entre a Unicef e a WWF, cheias de cartazes com crianças sorridentes e pandas amorosos, que metem os nossos velhotes com trissomia 21 cheios de pinta a um canto, e ainda oferecem balões e gomas de ursinhos a quem passa (parece que os velhos adoram).
 
 
O pior não é o stand à nossa frente ter uma deficiente de cadeira de rodas com um cão.
O pior não é o stand à nossa frente ter uma deficiente de cadeira de rodas com um cão, gira que se farta.
O pior não é o stand à nossa frente ter uma deficiente de cadeira de rodas com um cão, gira que se farta, a meter conversa com toda a gente.
O pior não é o stand à nossa frente ter uma deficiente de cadeira de rodas com um cão, gira que se farta, a meter conversa com toda a gente, em três línguas diferentes.
 
 
O pior é que eu, que não tenho dinheiro nenhum para lhe doar, nem em vida, nem depois de morta, descobri que posso ser muito útil como família de acolhimento para criar um cão durante o primeiro ano de vida, antes de poder começar a ser treinado para ajudar os deficientes. A culpa não é minha, é da Golden Retriever que conquista os velhos todos quando lhes vai pedir festas no meio do corredor e que já devorou as bolachas que eu tinha trazido. A culpa é desta cadela do demo que é a coisa mais fofinha que já vi na vida e que me roubou o coração, entre um velho mouco e as minhas idas obrigatórias à casa de banho, para descanso da minha colega chata como o raio, que até já perguntou à deficiente da cadeira de rodas como é que o bicho se aguentava ali tanto tempo sem fazer chichi. A culpa também deve ser dos meus pais que não fizeram de mim uma criatura rica, obrigando-me a tentar fazer o bem à minha volta por vias mais travessas.
 
 
Resumindo e concluindo:
Sobrevivi ao trânsito infernal, ao trabalho ao Domingo, à colega mijona que conduz como uma louca, aos velhos duros de ouvido, às criancinhas sorridentes e aos pandas amorosos. Até sobrevivi ao gajo lindo de morrer que está no stand da Liga do Alzheimer (via-o melhor no meio dos pandas, mas enfim…). Infelizmente, não sobrevivi aos olhos doces da Golden Retriever à minha frente. Pode dar-se o caso de até já ter preenchido um formulário para nos candidatarmos a ser família de acolhimento de um cachorrinho…

4 comentários:

  1. Ai mulher... Tu não tens mesmo juízo.

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  2. Ajudar o próximo, Gralha, ajudar o próximo... é a única coisa a reter no meio deste longo post. ;)

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  3. Parece-me que o teus miúdos vão adorar. ;)

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  4. Olha que não tenho a certeza, ddm. Se fôssemos seleccionados, o Vasco ficaria doido de alegria, já o Diogo... Diz que é um miúdo cheio de juízo e tal... ;)

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