quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Metas

(porque antes de serem estudantes, são crianças)




Quando desembarcámos numa aldeia pedida nas Ardenas belgas, há três anos atrás, inscrevi os meus filhos na escola primária sem pensar muito no assunto. Nenhum deles falava francês. Integraram uma turma mista composta por 19 crianças, do 1º ao 6º ano. Todas juntas numa pequena sala, com uma professora a tempo inteiro e outra a meio-tempo. O meu filho pequeno era o menino mais novo da escola, com uns 5 anos ainda muitoooo infantis. Durante meses, a professora teve de dar aulas com o Vasco pela mão para o manter sossegado. O meu filho crescido era o miúdo mais velho, com 12 anos. Era também o único inscrito no 6º ano. No final daquele ano lectivo teria de fazer os exames nacionais que dão acesso ao ensino secundário. As crianças inscritas no 2º e no 4º ano teriam igualmente de fazer exames nacionais externos. Todos os outros teriam apenas de fazer os exames regulares internos, em Dezembro e Junho.

Nos últimos tempos, pela primeira vez, tenho tentado pôr-me no papel dos pais das outras crianças. Os meus filhos foram tratados com enorme respeito e carinho. Foi graças ao esforço de todos que se conseguiu angariar dinheiro para o Diogo fazer a classe de neige na Primavera com os outros “finalistas” da região, por exemplo. No final do ano, teve a melhor nota do concelho nos exames nacionais, para grande orgulho de todos aqueles pais. Foi uma vitória conjunta, uma vitória de Malempré. A presença dos meus filhos naquela escolinha foi encarada com normalidade. Eram apenas mais dois miúdos, iguais a todos os outros. Nem melhores, nem piores. Nunca foram encarados como uma desvantagem, um peso morto. Nunca ninguém pôs sequer a questão se estaríamos a perturbar o normal desenrolar das aulas, dos programas, dos planos curriculares, das metas, dos exames. As preocupações absurdas e egoístas que tenho lido nas redes sociais ultimamente sobre a escolaridade dos miúdos constrange-me de sobremaneira. Que crianças está Portugal a educar? De que serve tanto curricula se depois falta a humanidade? Como é que esta pressão oficial e parental se irá reflectir futuramente na personalidade destes miúdos? Como é que em pleno século XXI se pode dar primazia ao acumular de conhecimentos sobre o gosto pelo conhecimento? Não percebo, a sério que não percebo.

6 comentários:

  1. A Maria tem agora 8 anos e está no 3º ano. É uma miúda interessada numa série de coisas, tem um vocabulário acima da média e não tem problemas de memória. Mas é imatura e muito desconcentrada. Não acompanha o ritmo de trabalho nas aulas. Aqui em casa temos vindo a desesperar e a insistir para que ela trabalhe mais e mais e se foque. Mas, este ano letivo decidi que nós é que estamos errados e que temos, enquanto pais, de alterar os nossos pressupostos. O problema está no sistema, incapaz de se adaptar à diversidade de crianças, exigindo mais e mais e mais. Por cá, o nosso sistema de ensino só tem piorado em todos os aspetos.

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    1. Concordo contigo, Gabzia. E digo-te que tenho a certeza de que teria exactamente os mesmos problemas com o Vasco, caso tivéssemos ficado em Portugal. Os programas da primária actualmente são um perfeito disparate! Este tipo de miúdos tem outros centros de interesses tão ou mais ricos que os demais, que merecem não apenas ser respeitados como incentivados. Coragem para a Maria.

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  2. Para mim, que fui professora até há 4 anos, até me dói a alma...Vejo professores do 1º Ciclo, com muita experiência, com dificuldades em trabalhar os conteúdos, principalmente em Matemática, com programas sempre a mudar. Ninguém com responsabilidades explica a razão de se partir para outro enfoque, quando o anterior não foi avaliado. Os Centros de Explicação florescem, com profissionais pagos quase simbolicamente... E a distância é cada vez maior entre quem tem pais atentos e que conseguem acompanhar e os outros que não sabem e nem quase têm tempo para ver os filhos... Está tanta coisa mal! Hoje está a dar-me para o pessimismo...Valha-me o sucesso dos seus rapazes, malgré tout !

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  3. Os meus rapazes tiveram sucesso aqui, Mariana. O Diogo, enquanto esteve no sistema de ensino português, nunca foi feliz. Nunca se conseguiu enquadrar. Acho que deve haver muita criança nesse país tida como "retardada" (foram estas as palavras da prof, que eu não esqueço) só porque não consegue entrar no sistema... compreendo bem o seu pessimismo. :(

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  4. Daqui por uns meses logo opino sobre isso... agora não sei que dizer e se dizer algo...

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  5. Aiiii... espero que as coisas estejam a correr bem com o teu filho grande, Naná!

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