segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Negação, aceitação

(e voltar à casa da partida)


 

A especialista em medicina desportiva, que consultei há um ano atrás, proibiu-me terminantemente de praticar natação. De nadar, tout court. Por mais estranho que pareça, posso manter a equitação… o desporto que me deu cabo dos ombros, no seguimento de uma queda aparatosa quando estava na faculdade. Segundo ela, o movimento de rotação dos braços acima da cabeça é dos piores que pode haver para o meu problema. Achei aquilo um bocadinho suspeito, a equitação parece-me um desporto muito mais violento do que a natação, mas enfim… decidi não arriscar. Demorámos bastante a encontrar um tratamento eficaz, não queria deitar tudo a perder. Há muito tempo que não me sentia tão bem, sem dores nenhumas. Neste ano que passou, nunca nadei. Nem sequer umas simples braçadas. Limitei-me a dar alguns passeios a cavalo. Primeiro, a medo. Depois, ao ver que não me provoca quaisquer dores, mais à-vontade. Acabei a andar a galope pelos bosques sem estribos. Os ombros nunca acusaram estas aventuras.

Aos poucos, comecei a pensar que talvez o tratamento tivesse conseguido resolver definitivamente o meu problema. No fundo, acho que sabia que era impossível. “Crónico” é antónimo de “curável”, certo? Mas quis acreditar que a médica se poderia enganar. Quis acreditar num milagre. Logo eu, que nunca fui uma pessoa crente. A verdade é que a mente tem a prodigiosa capacidade de se esquecer depressa das dores passadas.

Quando fui dar um mergulho com o meu amor ao lago de Butgenbach, no mês passado, estava longe de imaginar os efeitos que isso poderia vir a ter. Nem sequer posso dizer que tenha tentado o diabo, porque sei que não o fiz. Nunca me permiti nadar livremente. Num cantinho recôndito da minha mente, a proibição da especialista em medicina desportiva ecoava. Fiz um esforço imenso para não nadar costas, o meu estilo de eleição nos velhinhos tempos da competição. Tenho tantas saudades de nadar costas! Mariposa também estava completamente fora de questão. Por isso, tive juízo e dei apenas umas braçadas devagarinho. Docemente. Num estilo de bruços caquético que me teria envergonhado há uns anos atrás. Também nadei crawl, mas foi só mesmo um bocadinho. Quase nada. Sem me esforçar, sem me cansar. A temperatura da água estava tão agradável, soube-me mesmo bem.

No dia seguinte, os meus ombros acordaram antes de mim. O dia ainda não tinha nascido. As dores – as velhas dores, as esquecidas dores – estavam de regresso. Fingi que não ouvia, que não era nada comigo. Tomei um analgésico, à espera que passasse. Tomei mais uns quantos. Estava convencida de que as coisas voltariam ao que eram antes, quando eu já nem sequer me lembrava de que tinha este problema. Mas as dores aumentaram. Decidi, fazer uma semana de anti-inflamatórios. E as dores tornaram a aumentar. Disse para mim mesma que era culpa do esforço de andarmos a montar as camas dos miúdos. Montar é como quem diz… fazer. Repeti exactamente o mesmo tratamento que tinha feito um ano antes, convencida de que resultaria de imediato. Tirei uma semana de férias. Decidi levar aquilo a sério e parar por completo. Repouso total. Ainda antes do final do tratamento, aceitei a derrota. Telefonei à médica e supliquei por uma consulta urgente. Sim, suplicar é mesmo a palavra certa. Uma consulta, outro tratamento e muitos exames depois, começámos a fazer infiltrações. Nem sequer me doeram, tal era o desespero. Agora estou na fase da tortura, com sessões diárias de cinesiterapia. Ou seja, estou naquela fase em que as coisas pioram consideravelmente para depois poderem melhorar.

Não duvido que, mais cedo ou mais tarde, os meus ombros hão-de ir ao lugar. Literalmente falando. A dor há-de desaparecer. Ou, pelo menos, atenuar. Mais infiltração, menos infiltração. Mais sessão de tortura, menos sessão de tortura. Se não for com esta médica, há-de ser com outro especialista qualquer. Em Antuérpia há um centro ortopédico de ponta, uma coisa mesmo futurística. Estou longe de me sentir desesperada. Derrotada. Actualmente, há muito caminho a percorrer, no que à medicina diz respeito.

No outro dia, acordei a chorar. Nunca me tinha acontecido. O meu amor perguntou se estava com dores. Estava, mas era na alma. Nunca mais vou poder nadar. Acho que demorei a aceitar esse facto. Nadar faz parte de mim desde que sou pequenina, é o único desporto que gosto de praticar com espírito de missão, de sacrifício. Para o qual tenho jeito. Foi o primeiro desporto que dei a conhecer aos meus filhos, quando ambos tinham apenas 6 meses. Não imagino a minha vida sem poder nadar. Não consigo. Não aceito.

6 comentários:

  1. Cá um abraço, Amigo Imaginário. É uma tristeza valente, compreendo-te.

    Não há soluções cirúrgicas? Às vezes achamos que operar é um bicho papão mas, se abrir a possibilidade de cura definitiva, por que não? Para já, as melhoras das dores. Uma coisa de cada vez.

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  2. Pois... essa é mesmo a próxima via a explorar. É isso ou um braço biónico, já estou por tudo! :(
    Mas os abracinhos sabem sempre bem, obrigada.

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  3. Oh pá...
    Pronto, põe-te lá de pé, baixa os braços al lado do corpo e agora fecha os olhos e imagina o abracinho apertado que te estou a dar! Baixa os braços, mulher! Às vezes têm mesmo de ser, mas não desesperes, esta cena das dores crônicas é lixada - diz aquela que tem dores na cervical e nos pulsos TODOS OS DIAS! E que traduz todo o dia! A médica perguntou-me a certa altura se ponderava mudar de profissão, porque enquanto trabalhasse como trabalho as dores iam continuar... Eu não posso, nem quero, procurar outra coisa para fazer, mas tu vais encontrar outra coisa que te dê tanto ou mais gosto que a natação, vais ver!
    Pega mais um abracinho!

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  4. Obrigada pelos abraços, Ana! Apertaste com demasiada força, mas enfim... ;)

    Hoje, a cinesiterapeuta disse-me que as profissões "imóveis" são profissões de risco, contrariamente ao que se pensa. Trabalhar horas a fio, dias a fio, anos a fio, à frente de um computador tem os seus custos. Infelizmente, quando há outros problemas adicionais, junta-se a fome à vontade de comer, por assim dizer...

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  5. Eu ando com uma tendinite num dos ombros há meses e meses e meses (começou com o Filipe, depois melhorou quando ele deixou de precisar de colo, e agora o Ricardo decidiu elevar a coisa a outro nível). E as dores das tendinites são uns anjinhos comparados com isso que descreves...

    Já ponderaste acupuntura?

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  6. Uma das primeira perguntas que todoooos os médicos me fazem é se tenho filhos pequenos, Naná... parece que essa gente pequenina agrava qualquer problema de tendinites! :(

    Não, infelizmente isto já não vai lá com agulhas. Tenho umas saudades desses tempos que nem imaginas!

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