terça-feira, 14 de junho de 2016

Da tolerância


(onde se mistura atentados, reality shows e Facebook)



Uma das coisas que me deixa mais orgulhosa neste país é a tolerância. Quando vejo as notícias do tiroteio em Orlando, não posso deixar de suspirar de alívio por estar a criar os meus filhos numa sociedade que está nos antípodas da homofobia americana. E, sendo a Bélgica um alvo preferencial dos terroristas, onde nos últimos tempos se nota um maior cuidado para não provocar inutilmente as comunidades ditas “susceptíveis”, mais orgulhosa fico por ver que o canal de televisão estatal continua tranquilamente a passar o vídeo promocional da próxima temporada de “L’amour est dans le pré”. Trata-se de um reality show onde vários agricultores andam à procura da alma-gémea, que tanto pode ser uma mulher como um homem. Porque é normalíssimo que alguém que trabalha num meio tipicamente másculo seja gay. Tal como é perfeitamente banal que a Super Nanny – figura central de outro reality show, desta vez dirigido a pais em apuros – vá resolver o problema de uma família recomposta com quatro crianças e duas mães. Não estou a falar de documentários sobre a homossexualidade, estou a falar de programas que passam em horário nobre, onde surgem em pé de igualdade outras formas de amor.
A Bélgica é um país precursor ao nível dos direitos dos LGBT. O casamento, a adopção e a reprodução medicamente assistida para casais homossexuais são uma realidade neste país há mais de uma década. A questão é que não basta legislar, é preciso mudar a sociedade. E as mentalidades só evoluem quando situações diferentes irrompem no nosso quotidiano confortável e se instalam, acabando por se tornar normais. Um reality show que é visto por milhões de famílias ao serão, onde tanto aparecem casais heterossexuais como gays, banaliza por completo a diferença. Ao longo dos anos, isto ajuda a criar uma sociedade tolerante.
Após os ataques de Bruxelas, o slogan que começou de imediato a circular por aqui foi “Même pas peur”. Essa era a mensagem importante a fazer passar: vergamos, mas não quebramos. Não houve cá bandeirinhas, nem lágrimas, nem “Je suis coisa nenhuma”. Em Portugal é sempre tudo mais epidérmico, mais inflamado, mais emotivo. Desta vez, tenho de admitir que fiquei admirada por ver a ausência de “solidariedade” facebookiana para com os atentados norte-americanos. Mas suponho que seja fácil apregoar que se é Charlie ou Paris, embora seja um bocadinho mais difícil dizer que se é Orlando… não vá o chefe ou os vizinhos começarem de repente a pensar que uma pessoa é “virada” ou algo assim. E isso talvez ainda seja pior do que os 50 mortos do tiroteio, caraças...

4 comentários:

  1. Em Portugal, as pessoas estavam na praia. Fim-de-semana prolongado. Tão simples quanto isso.

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    1. Hum... não sei se fico convencida, Gralha. Hoje em dia a malta já tem toda net no telemóvel.

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    2. O 3G é caro. Só soube do que aconteceu porque os meus filhos, que acordaram e foram ver desenhos animados enquanto eu corria pela serra, me informaram que "tinha havido um atentado e a América ia fazer uma guerra contra a Síria". Tive de informar-me devidamente para arrumar aquelas cabecinhas.

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    3. Eu estava a referir-me à generalidade das pessoas, que põe aquelas coisas todas delicodoces no FB e que desta vez, ficou a assobiar para o lado.

      Tu és uma pessoa à parte... até nem estavas na praia, nem nada! ;)

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