terça-feira, 1 de novembro de 2016

As falésias de Etretat

(porque ir de férias por vezes é a melhor solução)


Crescemos a ouvir dizer que os opostos se atraem. Que personalidades antagónicas se complementam. Desde a infância que a Disney nos impinge os pares mais improváveis, como se a incompatibilidade amorosa fosse conditio sine qua non de um final feliz: a Bela e o monstro, a Pocahontas e o colono, a Gata Borralheira e o príncipe, a Dama e o vagabundo…

Cá em casa, não se vive sempre em perfeita harmonia. Mas, definitivamente, são mais as coisas que nos unem do que aquilo que nos separa. Acho que formamos uma excelente equipa. Se um diz “esfola”, o outro diz “mata”. Se um diz “vamos”, o outro pergunta logo “onde”. E não há ninguém que ponha travão na nossa saudável loucura comum.

Quando o meu amor entrou em casa, eu estava sentada na cozinha rodeada de papéis. Fazia contas à vida. Entre as duas facturas que estavam à minha espera na caixa do correio e a que o Diogo me entregou mal chegou da escola, tinha perto de 350 euros para pagar. O meu amor abanou a cabeça de espanto e foi fazer um café. Voltou com a solução. “Para a semana, os rapazes não têm escola?”  “Não.”  “E tu ainda tens uns dias para gozar?”  “Sim.”  “Óptimo! Então, vamos de férias.”  “Onde?”

A única maneira de não nos deixamos engolir pelos problemas é nadar contra a corrente. Quando uma coisa não tem solução, nem vale a pena perder tempo à procura. Ou seja, não havia forma de fugir ao pagamento imediato das minhas facturas. Nem às férias iminentes dos rapazes. A melhor forma de tirar partido da situação, era ver o dinheiro que sobrava e ir gastá-lo bem. Gastá-lo melhor do que se deixasse a vida correr. Ficar ali a lamentar-me não mudaria nada.

Muitas vezes me perguntam como conseguimos viajar tanto. É simples: o segredo está na planificação. É um bocadinho como fazer um cubo mágico. Há diversas variáveis que têm de ser equacionadas ao mesmo tempo. Roda daqui, roda dali… e a coisa começa a compor-se. Desta vez, o orçamento só nos permitia viajar de carro. A Dacia é bastante económica e a viagem começa sempre por encher o depósito no Luxemburgo, onde a gasolina é incomparavelmente mais barata. O destino final tem de ficar literalmente “à distância de um depósito”. E é preciso ter actividades diversificadas para fazer ao ar livre. Até ver, a natureza e a paisagem são gratuitas. Depois, é deixar o motor de pesquisa do airbnb fazer o resto. Alugamos sempre um apartamento para podermos cozinhar a comida que levamos de casa. Com o dinheiro que poupei na colónia onde ia inscrever o Vasco, mais o fato e as guloseimas que teria de comprar para o Halloween, juntamente com o dinheiro que daria ao Diogo para as saídas com os amigos durante as férias da Toussaint, ficou a casa paga. Estas condicionantes todas juntas apontaram para Saint-Malo, em França. O meu amor viciou ligeiramente os dados para o destino ficar junto ao mar, o elemento natural da tribo. Afastou-se uns quilómetros para encontrar uma casa acessível a alguns passos da praia, em Saint-Cast-le-Guido.

Quando as viagens de carro são muito longas, optamos por fazer uma pausa a meio. Fora as milhentas pausas para chichis, obviamente. Isto permite motivar as tropas, porque sentimos que começamos as férias logo no primeiro dia, visitando uma terra nova. É de referir que são os únicos momentos em que as consolas e o leitor de DVD portátil (com dois ecrãs e dois bons auscultadores para evitar discussões) são liberalizados. De vez em quando vou atirando doces lá para trás. E comida… muita comida. Mais as mantinhas e os livros, está feita a festa. Já percebi que o esforço de levar o D. Fuas aos meus pés é largamente compensado pela calmaria que reina nos lugares traseiros. Bom… tenho de admitir que, no Inverno, até sabe bem ter aquele monte de pêlo a aquecer-me os pés.

As nossas férias começaram, então, com as magníficas falésias de calcário de Etretat, na costa da Normandia. Para uma apaixonada de Monet é como ver quadros ao vivo. Para o oceanógrafo de serviço é a oportunidade de dar uma lição de história natural. O amante de pedras apanhou o tão desejado sílex. E diversos outros calhaus que lhe iam fazendo cair as calças de fato treino, tal o peso absurdo que transportava nos bolsos. O cão descobriu que gostava de peixe fresco. O adolescente… bem… o adolescente aproveitou para pensar na vida, enquanto via o pôr-do-sol. Foi o único que reparou no barulho ensurdecedor que os nossos pés faziam sobre as pedras, na praia. O que me leva a pensar que a introspecção tipicamente juvenil funciona como uma espécie de cata-vento sensorial bastante apurado.















4 comentários:

  1. Também quero!!! Boas férias...até agora só belas paisagens e relatos de uma viagem calminha: vai correr tudo bem, vai correr lindamente! Um abraço, Rita!

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    1. Vale mesmo a pena... mas eu sou suspeita, porque adoro a França! :)

      Beijinhos, Mariana.

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  2. Sou grande adepta dessa política, também ;) E, sim, a questão dos opostos e renhó-nhó-nhó dava pano para mangas.

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