quarta-feira, 7 de junho de 2017

Agente imobiliário em potência

(onde se percebe que o Vasco é um bocadinho mórbido)



Estávamos no cemitério com o meu “pai belga”, o homem mais crente que conheço. Pareceu-me um local feiinho e sem graça, mas abstive-me de fazer comentários. O facto de ficar colado à igreja de Santo António basta-lhe. Diga-se em abono da verdade que a igreja também deixa muito a desejar. É demasiado moderna. Paredes brancas, caiadas. Deslavadas. Vitrais de cores primárias, que retratam cenas seculares de forma contemporânea. Quase abstracta. Até o órgão é electrónico. Tudo aquilo me enoja. É claustrofóbico. O cheiro deixa-me maldisposta. Esforço-me por encontrar algo simpático para dizer. Sei o quanto adora aquele lugar, onde se recolhe diariamente para rezar. E onde insiste em levar-me com frequência. Sabe-se lá porquê, Santo António divide alegremente o altar com Santa Rita. O que, aos seus olhos, parece ser motivo suficiente para me fazer gostar daquela pequena igreja. Precisamente aquela. Embora eu seja ateia. Mas esse sempre foi o nosso ponto de discórdia. Passamos horas incontáveis a discutir assuntos celestes. Ou terrestre, depende da perspectiva. Honra me seja feita, sou bastante diplomata nos meus argumentos. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer do meu filho pequeno, que desta vez nos acompanhava. Estacámos em frente a um espaço relvado.

Papi: Reservei esta sepultura. Quero ser enterrado exactamente aqui.
Vasco: E já o experimentaste?
Papi: Como?!
Vasco: Sim, já te deitaste aqui para ver se o lugar é mesmo bom? Se é confortável, se te sentes bem...
Papi: Ehhh... não.
Vasco: Compraste um lugar para seres enterrado para todo o sempre sem experimentares primeiro?
Mãe (a tentar mudar rapidamente de assunto): Acho que escolheste muito bem, este lugar é melhor do que aqueles ali ao fundo.
Vasco: Lá isso é verdade, papi! Aqui, a vista é melhor! E é mais espaçoso!
Papi: Pois, ali ficam as sepulturas das crianças.
Vasco: Boa, vou já lá deitar-me para experimentar o meu lugar!

2 comentários:

  1. Ahahahahahahah, grande Vasco!

    Adoro a candura e inocência das crianças, no caso do Vasco, cheia de praticalidade :)

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    1. Este miúdo continua a ter umas saídas um bocado embaraçosas, apesar de já começar a não ter idade para isso! :p

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