segunda-feira, 18 de maio de 2015

A vingança é um prato que se serve quente

(tão quente quanto possível, tendo em conta que estamos na Bélgica)


 

Acho que já aqui disse muitas vezes o quanto adoro a escola do meu filho Vasco. Gosto do rigor que põe nos estudos e no comportamento. Dos valores que transmite. Da mistura de idades. Gosto do facto de haver duas professoras nas turmas com mais de 20 meninos. Juntamente com os professores de Educação Física, Natação e Inglês. Gosto dos recreios grandes, com muitos brinquedos espalhados, onde os miúdos são deixados em liberdade. Onde há cestos de fruta e vegetais da época, já lavados e descascados, à discrição. Gosto de ver a directora diariamente à porta para nos receber, que nos cumprimenta a todos pelo nome (e elogia o meu amor quando ele faz a barba).

Mas há uma coisa que eu não suporto. Nem sequer posso dizer que seja um problema específico desta escola, porque faz parte daqueles belgicismos que me dão cabo dos nervos. Acho que as pessoas já estão tão habituadas ao clima implacável, que se tornaram cegas às regras básicas de bom senso. Este Inverno, fartei-me de ralhar com o Vasco à saída da escola. Dei com ele muitas vezes à chuva, a jogar à bola. E não era uma chuva molha-tolos… era mesmo uma chuvada forte. Também o apanhei imensas vezes a brincar na neve, gelado até aos ossos. Com a roupa completamente ensopada. Evidentemente, isto passou-se à vista de toda a gente: directora, professoras, auxiliares, educadoras dos ATL. Mas, por mais que eu pedisse na escola para não o deixarem brincar na rua no meio da intempérie, ninguém me ligava nenhuma. Para esta gente é normalíssimo… o meu pedido é que era estranho. Descobri, então, que os miúdos se despiam na sala e punham a roupa molhada a secar nos aquecedores enquanto tinham aula. Pelo menos, ficou explicado o mistério das meias desaparecidas na escola.

Algures em Fevereiro, zanguei-me mesmo a sério. Foi um dos poucos dias em que o Vasco teve de ficar uma hora no ATL, até às 17h. Quando o fui buscar estava todo vermelho, queimado da neve. Molhado literalmente dos pés à cabeça, desde o intervalo da hora do almoço. O casaco estava ensopado, as luvas e o gorro perdidos em parte incerta, para não variar. As botas escorriam água. A roupa estava colada ao corpo… até os boxers estavam encharcados. Nessa tarde, já não foi ao solfejo. Tivemos de despi-lo a custo e metê-lo rapidamente na banheira com água bem quente. As extremidades já estavam completamente roxas. Ficámos imenso tempo, um de cada lado, a massajar-lhe os pés e as mãos inchadas até a circulação voltar à normalidade. Admito que, se não fosse a calma do meu amor, eu teria pegado no miúdo e teria ido às urgências. Nunca tinha visto nada assim. Jurava que ele ia apanhar uma pneumonia. Milagrosamente, as únicas sequelas deste incidente foram duas palmadas bem assentes no rabo gelado. Vaso ruim não quebra, é o que é. No dia seguinte, à saída da escola, fui falar com toda a gente. Toda, mesmo. E avisei que da próxima vez que eu encontrasse o Vasco naquele estado, sem que me tivessem telefonado a avisar, iria haver consequências. A professora pediu-me, então, que mandasse uma muda de roupa todos os dias. Duas… talvez fosse melhor mandar duas mudas de roupa. Mais umas botas da neve para os recreios e uns chinelos para estar na sala. A partir daí, continuou a brincar à chuva e na neve à vontade, mas, pelo menos, nunca mais me chegou a casa ensopado, porque entretanto mudava de roupa. Claro que isto fez com que perdesse muito mais roupa do que o habitual, mas pronto…

Não insisti mais com a escola, percebi que há guerras que não vale a pena comprar. Tive de aprender a vencer pequenas batalhas essenciais à minha sanidade mental, como mandar as tais mudas de roupa extra. No final do Inverno, ainda tive de ouvir a professora dizer que o Vasco foi dos poucos miúdos que nunca faltou um único dia por estar doente. Que nem sequer uma simples constipação ou tosse apanhou. Engoli em seco, concordei com um sorriso forçado e pensei cá para comigo… “Não perdes pela demora!” E, agora, finalmente está na altura de me vingar daqueles meses de inferno gelado. Dizem que a vingança é um prato que se serve frio mas, neste caso, é um prato que se serve quente. Muito quente. As temperaturas por aqui já atingiram os 25º, é a canícula para esta gente. Mal o termómetro sobe um bocadinho, fica tudo histérico. Imperam as instruções rigorosas para sobreviver ao calor: t-shirts claras, cabeças protegidas por chapéus ou bonés, protector solar, uma garrafa de água para evitar a desidratação. Já sei que, mais cedo ou mais tarde, alguém há-de reclamar porque o Vasco não leva uma garrafinha de água, nem usa boné… Mas eu estou-me borrifando para a histeria colectiva. E juro que, nesse momento, vou mandá-los a todos pastar. Tantos cuidados com o sol quando estão apenas 25º?! Ah, ah, ah, ah! O meu filho há-de levar boné para a escola (para o perder, bem entendido), no dia em que fizerem 35º nesta terra! Ou seja… hum… nunca!

6 comentários:

  1. hahahaha! Parti o coco. Histéricos, pá :)

    ResponderEliminar
  2. Uma amiga brasileira disse-me que, no outro lado do Atlântico, pensavam o mesmo de nós em relação à histeria de andar sempre a proteger a cabeça dos miúdos do sol no Verão... ;)

    ResponderEliminar
  3. Pois eu vejo histéricos por todos os lados. O que faz adoecer são as bichoses, não é o frio nem o calor. Mas ficava possessa por terem o AC a 17º C no Verão, nos EUA e deixarem as crianças babadas sem poderem usar babete, isso sim. Aqui, já estou tão cansada de lutar contra o vício do chapéu. Os miúdos precisam de apanhar sol no toutiço, pá. Se está demasiado sol para o toutiço, está demasiado para o resto.
    (e é claro que não capitulo lá porque estou em casa com o Diogo, cheio de febre depois de ter brincado ao sol no Domingo)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu também acredito nas bichoses, como tu dizes... felizmente as temperaturas negativas tendem a congelá-las! (alguma vantagem tinha de haver por vivermos na Terra do Frio) Força nessa luta contra a brigada do boné, Gralha! :)

      Eliminar
  4. Mães tortas como tu e eu é o que se quer!
    Eu saltar-me-ia a real tampinha se encontrasse o meu filho nesse estado!

    Quanto ao boné sou apologista, porque ainda me lembro de ter apanhado uma real gripe em miúda, que me deixou de cama uns 5 dias, por conta de ter estado uma tarde inteira a lagartar ao sol sem chapéu!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ah, ah, ah! O problema é que os belgas não estão habituados a lidar com mães tortas, Naná!

      Eliminar