sexta-feira, 24 de março de 2017

Limites

(porque já entrámos na recta final, 

mas não sabemos muito bem onde fica a meta)



Passamos tantos anos a impor limites aos nossos filhos que temos tendência para esquecer os nossos próprios limites. Ultimamente, tenho reflectido muito sobre esta questão. Porque quando um filho entra na adolescência é normal que comece a proteger ferozmente as fronteiras do seu mundo. Interior e exterior. O respeito total pelo universo interior do adolescente parece-me uma evidência. E, pelo menos no nosso caso, tem sido bastante fácil. Até porque é um processo que se constrói desde a mais tenra infância. Obviamente, à medida que a criança cresce, torna-se mais complexo, mais secreto, mais intrigante… mais perigoso. Mas, lá está, faz parte da sua intimidade e está-nos naturalmente vedado. Acho importante deixar livre curso aos meus filhos, nesse terreno. Não espero que sejam um livro aberto. Não quero que me contem a sua vida toda ao pormenor. O que pensam, o que sentem, o que dizem, o que ouvem, o que anseiam. Cada um dos seus passos. Cada minuto do seu dia. Confio plenamente neles e respeito-os. Penso que só assim poderei esperar que tenham confiança para recorrer a mim, quando precisam. E a verdade é que mesmo o adolescente ainda precisa muitoooo.

Sou uma mãe bastante liberal, creio eu. Pelo menos, esforço-me por isso. E repreendo-me a mim mesma, quando não consigo ser na prática aquilo que defendo na teoria. Quando educamos os nossos filhos para se tornarem autónomos o mais cedo possível, depois temos de ser coerentes e dar-lhes rédea. Mas isto não quer dizer que lhes demos rédea solta. Para nos mantermos nas metáforas equestres… quando saltamos, o cavalo tem sempre de olhar para baixo para avaliar o obstáculo que tem pela frente antes de se lançar. Precisa de rédea curta, mas suficientemente larga para baixar a cabeça à vontade. Se o cavaleiro não souber usar as pernas vai cair na certa… Nos saltos de obstáculos, a rédea serve para muito pouco. Acredito que educar um adolescente seja isso mesmo: chega um momento em que a rédea se faz discreta, o controlo quase invisível faz-se por outros meios. Sendo que o melhor meio – com cavalos e com filhos – será sempre a confiança mútua. Cada um deve saber o que tem a fazer e confiar no outro. Caso contrário, o trambolhão é iminente.

O problema diz respeito ao mundo exterior, como é evidente. Aqui, digamos que surgem alguns “conflitos de interesses” materno-filiais. Porque se torna extremamente difícil gerir o comprimento das rédeas. Quando devemos impor a nossa vontade? Quando devemos respeitar os limites que os filhos nos tentam impor? Onde está o equilíbrio saudável? É inegável que há decisões que terão repercussões irremediáveis no futuro dos nossos filhos. Tal como é incontestável que a idade nem sempre lhes permite tomar as decisões mais esclarecidas e maduras. Nesses casos, cabe-nos a nós evitar o disparate. Explicar. Argumentar. E, em último caso, até mesmo impor determinada vontade. Castigar, se preciso for. Mas não me parece que seja muito produtivo dar castigos meramente punitivos a um adolescente. Do tipo, “não fizeste o trabalho de casa, ficas sem o computador”. Nestas idades, vale mais responsabilizá-los e motivar uma mudança de atitude. Se tal não suceder, creio que é melhor retirar a rede de protecção e deixá-los arcar com as consequências. A aprendizagem faz-se sempre por tentativa e erro. Embora seja difícil deixá-los cometer erros “menores” para que, um dia mais tarde, não comentam erros mais graves. E isto não é apenas válido no caso dos adolescentes. No outro dia, o Vasco esqueceu-se do saco da Natação e eu fui levar-lho à sala de aula. Apanhei um raspanete da directora… muitíssimo justo diga-se de passagem, porque ele voltou a esquecer-se, na semana seguinte. Ou seja, eu cheguei atrasada ao trabalho e ele não aprendeu rigorosamente nada.

As relações afectivas e a sexualidade dos jovens costumam levantar uma série de problemas. Provavelmente, porque poderão ter consequências futuras mais ou menos irreparáveis. Conheço casais que não deixam que o namorado/a vá a casa deles na sua ausência. Também há aquela variante de pais que não deixam que os filhos fiquem sozinhos com o namorado/a no quarto. Ou que pensam que “essas coisas” só acontecem na calada da noite. Por aqui, temos tentado arranjar estratégias que não traiam os nossos princípios. Os amigos e namoradas são sempre bem-vindos a nossa casa, estejamos presentes ou não. Só pedimos para ser avisados, por uma questão de respeito. E achamos normalíssimo que os jovens queiram ficar restritos ao seu espaço, no último andar, onde podem estar mais à vontade. OK… à vontade não quer dizer “à vontadinha”. A regra é que a porta do quarto deve ficar aberta. Mas não vamos lá confirmar. Aliás, eu nem sequer subo as escadas. Se precisar de falar com o Diogo, mando um grito cá de baixo. Ou um SMS, que é sempre daquelas coisas que diverte as visitas (antes de perceberem que é um bocado cansativo estar a subir três andares só para dar um recado…). Ou seja, confio no meu filho. Com quase 16 anos, o Diogo tem as informações todas de que precisa. E sabe exactamente o que nós pensamos sobre esse assunto. Não sei se estaremos a fazer o mais correcto, mas tenho a certeza de que a proibição nunca será a solução. Por isso, é confiar e deixar andar...

Neste momento, a minha maior dúvida prende-se com a escolaridade. O Diogo é um excelente aluno, que tem uma paixão assolapada pelo seu colégio. O problema é que, sendo uma escola de “proximidade”, como se diz por aqui, é bastante pequena. É uma espécie de microcosmos que está muito distante da realidade que o espera na universidade, daqui por pouco tempo. No primeiro ano, começam com dez turmas. Seis anos depois, restam apenas duas. Ou seja, as opções são forçosamente bastante reduzidas. Para nosso azar, é uma escola de pendor científico. E o filho crescido é mais versado nas ciências sociais e humanas. Se fizer os dois anos que lhe restam no Sacré-Coeur, ficará com um furo no horário. Não o estou a ver a ter seis horas de Matemática, mais seis horas de Ciências… Na realidade, não vem mal ao mundo, mas penso que poderia aproveitar esse tempo para aprender mais uma língua, por exemplo. Ou para estudar música. Ou outra coisa qualquer. Por outro lado, sei que a protecção que este colégio oferecia foi muito benéfica para o Diogo, que era uma criança com alguns problemas de sociabilização. Hoje, a história é outra. Trata-se de um miúdo bastante bem enturmado e popular. Talvez esteja na altura de levantar voo e abandonar este mundo tão protegido, onde os professores têm demasiada tendência a adaptar-se aos desejos e vontades do Diogo. O assunto tem sido largamente debatido, lá em casa. Já repeti inúmeras vezes os meus argumentos. E até já arranjei novos argumentos para o convencer a ir para uma escola em Liège. O meu amor também está farto de tentar. Até agora, a recusa foi categórica.

Hoje, jogo a minha última cartada. Vamos à “journée portes ouvertes”, no final do dia. O Diogo, a namorada e eu. A coisa pequena vem atrelada, porque também gostava que viesse para esta escola no sétimo ano (e o argumentário funcionou, no caso dele). Espero que a escola em si convença o filho crescido. Ou o estúdio de música, sei lá. Os professores. As actividades. Os alunos. Estou por tudo, admito. Custa-me muito deixá-lo tomar decisões que vão completamente contra o que julgo ser o melhor para ele. Até mesmo porque o meu amor pensa que devíamos obrigá-lo a mudar de escola e ponto final. É a primeira vez que não estamos de acordo quanto à educação dos miúdos. Mas quero ser fiel a mim mesma. Trata-se da vida do Diogo, a decisão cabe-lhe exclusivamente a ele. Provavelmente, será o primeiro grande erro que vou deixá-lo cometer. Mas ser mãe também é saber quando retirar a rede de protecção.

Sem comentários:

Enviar um comentário