sexta-feira, 31 de março de 2017

Uma relação mais convencional

(porque as relações não têm de ser todas iguais)



Andava eu a trocar e-mails com uma amiga que se prepara para emigrar, quando fui surpreendida por um post scriptum algo despropositado, que rezava assim: Perdoa-me a curiosidade, mas pela leitura do teu blog depreendo que entre o Pascal e o Vasco há uma verdadeira história de amor… E o Diogo? Nunca falas na relação deles. Dão-se bem?

A resposta é sim. Obviamente que sim. O meu amor e o Diogo dão-se muitíssimo bem. Talvez não fale tanto neles, justamente porque não há nada de especial a dizer. Mas se calhar até há e eu é que estou errada, pois não dou o devido valor.

Apesar de em nossa casa não usarmos a palavra “padrasto”, o Diogo usa-a ostensivamente (o Vasco, não). Com imenso orgulho na voz, é preciso que se diga. Creio que esse foi o papel que o meu filho mais velho lhe decidiu atribuir, há quatro anos atrás. Por mais que nos desagrade e que tentemos contrariá-lo, pois gostamos pouco de etiquetas convencionais. Mas o Diogo impôs a sua vontade férrea. O meu filho crescido é algo conservador e obsessivo na organização dos seus afectos. Cada pessoa tem o seu lugar próprio. E não há cá desvios, nem atalhos. O meu amor não tem as funções de pai, nem de amigo. Muito menos de amigalhaço. O meu amor não é um tio. Nem sequer um companheiro. Para o Diogo, é “O padrasto”… que não teve outra solução, senão conformar-se com o papel imposto. Para ser honesta, não deve ter sido fácil. Até mesmo porque o meu amor não estava preparado para assumir de imediato um cargo de tamanha responsabilidade e era profundamente nórdico na expressão dos seus sentimentos. Mas o filho crescido é um miúdo bastante melado. No início, os abraços e declarações de amor nunca eram correspondidos. Depois, começou a retribuir, mas via-se que era uma resposta maquinal e esforçada. Agora, são uma constante. Contrariamente ao que se possa pensar, quem adoçou o nosso Belga não fui eu, nem o Vasco. Foi o Diogo.

Hoje têm uma relação que não é tão liberal, nem igualitária quanto o meu amor teria inicialmente desejado. Porque um é “padrasto”, o outro é “enteado”. Um educa, o outro é educado. É uma relação feita de amor incondicional e respeito mútuo. Aceitação sem reservas. Presença constante. Ajuda inquestionável. Quando se trata de elogiar os rapazes, o meu amor perde-se pelo Diogo. Quando se trata de pensar no futuro dos rapazes, o meu amor preocupa-se é com o Diogo. Quando se trata de engendrar surpresas e viagens mirabolantes, a prioridade do meu amor é sempre o Diogo. Quando o filho grande partiu na visita de estudo a Oxford, o meu amor levantou-se às 5h da manhã para se despedir e dar as últimas recomendações. No lusco-fusco, estendeu-lhe dinheiro. O Diogo recusou de imediato, dizendo: “Obrigado, não é preciso. A mãe já me deu.” E o meu amor continuava com as notas amarrotadas na mão (para eu não ver quanto era) e insistia: “Eu sei, eu sei… mas quero que leves mais isto, nunca se sabe. Podes sempre precisar. Se não gastares, pões na tua conta”. É um cuidado constante, sem falhas.

A principal característica da relação do meu amor com o filho mais velho é secundar-me. Neste sentido, funcionamos como uma dupla de adultos que tenta educar em conjunto um adolescente. Porque ele diz que o Diogo é o adolescente mais perfeito que algum dia lhe foi dado a conhecer. E já se sabe que todos os adolescentes são parvos por natureza. Excepto o Diogo. Este ano fizemos uma espécie de “inquéritos”, quando entrámos em 2017. Na página onde apontámos o que gostaríamos que o outro mudasse (aka página dos defeitos com uma designação construtiva…), o Diogo escreveu simplesmente: “Pascal est parfait”.

Posto isto, o binómio é único. O meu amor tem de facto uma relação especial com o Vasco. Mas, contrariamente ao irmão, não creio que possa ser qualificada como uma relação de “padrasto-enteado”. Nenhum deles precisa de etiquetas ou convenções. O que se passa é que aqueles dois não se conheceram, reconheceram-se. Se eu acreditasse em reencarnação, diria que o binómio se tinha apenas voltado a encontrar, segundo uma ordem natural qualquer que me transcende. OK… eu não acredito em reencarnação, mas tenho a certeza de que aqueles dois são uma espécie trasvestida de almas gémeas. Entre o meu amor e o Vasco não há “uma verdadeira história de amor”, para usar as palavras da minha amiga. Entre o meu amor e o Vasco há uma história de coincidência de personalidades. Em francês há uma expressão que os define na perfeição: “ils ont des atomes crochus”. Têm átomos enlaçados. Porque há algo que, efectivamente, vai para além do palpável e que invade o plano metafísico. Onde não sou tida, nem achada. Nesse sentido, a relação do meu amor com o Vasco é independente de mim, pelo que acabamos por ficar em perfeito pé de igualdade na educação do filho pequeno.


Se acho esquisito os meus dois filhos terem relações tão diferentes com o meu namorado? Não, de todo. Eles são pessoas muito diferentes, por que razão haveriam obrigatoriamente de ter uma relação idêntica? Não tenho dúvidas de que o amor é igual. E isso é a única coisa verdadeiramente importante .


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