sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Da genética, dos equívocos e das epifanias

(porque a neve também tem coisas muito boas)



Infelizmente, o meu filho Vasco herdou a minha péssima relação com o tempo. Como pareço tê-la herdado da minha tia, a culpa não será inteiramente minha. É mal de família. Aliás, a definição científica de ‘mal de família’ é mesmo essa: problema que corre no sangue de, pelo menos, três gerações. Confirma-se.

Ora esta manhã foi um daqueles dias em que o Vasco perdeu completamente a noção do tempo. Segundo ele, porque tem noção de que não tem noção do tempo. Eu explico. Quando foi lavar os dentes, decidiu que era melhor pôr a ampulheta para garantir que respeitava o tempo de escovagem definido pela instância materna. O problema é que a ampulheta estava há semanas desaparecida em parte incerta. A parte incerta em questão consiste num buraco negro, entre o lavatório e a parede, onde tudo o que cai, nunca mais aparece. E vai de começar a procurá-la. Quinze minutos antes do toque. Quando ainda nem sequer estava vestido. Quando dei por ele, já tinha conseguido sacar a dita ampulheta, um creme das mãos e a embalagem do fio dental. E sabe Deus que mais não teria conseguido calmamente apanhar, não fosse o grito que lhe dei. Fui pôr o lanche na mochila e, quando voltei, lá estava ele, ainda de pijama, com a escova numa mão e a ampulheta na outra a lavar esforçadamente os dentes. Aparentemente, as regras da instância materna não podem ser quebradas por motivos de força maior, nem sequer pela própria.

Como as estradas estavam caóticas, porque desde ontem não pára de nevar, achei melhor enviar uma mensagem ao meu chefe a dizer que ia chegar atrasada. Obviamente fiz isto com um dos meus tentáculos de polvo. Os outros estavam ocupados a escovar os dentes (sem ampulheta) e a ajudar a vestir camadas de roupa. Resultado, o sms partiu como mms. Estava a abrir a garagem, quando recebo a resposta: “Não consigo ler a tua mensagem, mas calculo que deva ser para avisares que estás presa na neve. Eu também! Fica em casa e vemo-nos na segunda-feira. Bom fim-de-semana!”. Agradeci com todas as minhas forças o equívoco ao deus dos tradutores atrasados (expressão algo tautológica, mas enfim…).

Fui levar o meu adorável atraso de vida à escola e, segundo ordens do chefe, voltei para casa. D. Fuas esperava por mim à porta, de orelhas caídas. Ontem nevava tanto, que não foi passear. Decidi aproveitar umas breves tréguas para irmos dar uma volta rápida ao lago. Nevava de mansinho. Não se via vivalma. À minha volta, um manto branco. Luz. Uma paz tão grande. E os nossos passos a desbravar caminho na neve, com aquele barulho tão característico. Soube tão bem. Senti aquela espécie de felicidade que o Zezé descrevia em O meu pé de laranja lima… um passarinho a cantar dentro do meu peito. Às vezes, é mesmo preciso perdermos tempo para a felicidade acontecer.

 
 







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