quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Uma estranha inversão de papéis

(felizmente, a reunião de pais resumiu-se a um único professor)


 
Professora: Estou muito satisfeita com o resultado do Diogo nos exames de Natal, mas continuo preocupada… Daí ter pedido para falar consigo.
Mãe: A sério? Viu bem as notas dele? Não haverá aí um excesso de exigência da sua parte?
Professora: Sinceramente, acho que não. Durante as semanas de estudo que antecederam o exame de matemática, notei que havia uma série de lacunas nos conhecimentos de base.
Mãe: Hein?! Como por exemplo?
Professora: Erros básicos de aritmética e nas operações de multiplicar, o Diogo ainda não domina bem a regra da prioridade de operações, erros na resolução de fracções…
Mãe: E acha que ele é o único?! Isso são erros menores, minha senhora. É mais distracção do que outra coisa.
Professora: Pois, compreendo que possa até ser um problema típico da idade, mas isso não invalida o facto de o Diogo ter de ser mais rigoroso! E o que me diz daquela letra hieroglífica?! Por vezes, engana-se nas contas apenas porque de uma linha para a outra, um - transforma-se milagrosamente num + …
Mãe: Olhe que eu até acho que ele tem feito um esforço para melhorar a letra.
Professora: Acha?! Metade das vezes, a meio da resolução do problema já não se percebe nada…
Mãe: Parece-me que está a ser derrotista. Nestas idades temos de ser positivos. O Diogo precisa de ser incentivado, não criticado.
Professora: Mas eu incentivo-o! Incentivo-o a estudar para ser um bom aluno.
Mãe: Mas ele é um excelente aluno! É dos melhores da turma. E já viu como ele é miúdo extremamente bem-educado?!
Professora: Mas ninguém diz o contrário! Sei bem que o Diogo é um miúdo bem-educado. O problema não é esse…
Mãe: Sabe como isso é raro, na idade dele? O Diogo não só é bem-educado, como tem uma excelente relação com os colegas. Tem noção da influência positiva que ele tem na sala de aula?
Professora: Sim, claro…
Mãe: Ele é muito bom colega, sempre pronto a ajudar os outros.
Professora: Pois, eu sei. E fico muito feliz por isso…
Mãe: É que nestas idades, isso é raro! O Diogo é um miúdo cativante. Inteligentíssimo.
Professora: Ouça, isso nunca esteve em causa. Eu conheço perfeitamente o Diogo. A minha preocupação prende-se apenas com a matemática. Quanto ao resto, não tenho quaisquer razões de queixa.
Mãe: Ah, bom! É que ele domina na perfeição três línguas… Três! Já viu os livros de inglês que ele anda a ler? É muito complicado…
Professora: Certo, mas talvez não seja muito normal que ele leia os livros de inglês nas aulas de Matemática…
Mãe: Não se trata disso. É que nestas idades é preciso ver a educação como um todo. Ter uma visão global das coisas. Temos de nos interessar pela vida deles, partilhar os seus centros de interesses, percebe?
Professora: Percebo, percebo. E tento fazer isso, claro. Mas, olhe, voltando à matemática… Não acha que o Diogo podia continuar a ter aulas de apoio só para consolidar os conhecimentos e manter o ritmo de estudo que o levou a ter estes resultados tão bons nos exames? Se ele se deita agora à sombra da bananeira, depois é mais difícil pô-lo na linha antes dos próximos exames.
Mãe: Mas a senhora viu bem a nota que ele teve no último teste?!
Professora: Vi, pois. E fiquei muito orgulhosa, claro. Mostra bem o trabalho que ele tem feito em casa. Mas é preciso continuar nessa linha, não? Em casa e na escola, temos de unir esforços…
Mãe: Olhe, tente ter mais confiança nas capacidades do Diogo, sim? E seja mais positiva. Nestas idades, não vale a pena apertar muito com eles. Só desmotiva. Esteja descansada, que ele está no bom caminho. O Diogo é um miúdo esperto, dócil, tão agradável… Isso é o mais importante, certo?
Professora: Certo…
Mãe: Pronto, então vá lá… Gostei muito desta conversa. Sempre que quiser falar comigo, esteja à-vontade. Liga para cá e pede para falar comigo, está bem? E muitos parabéns pelo trabalho que está a fazer com o Diogo, é um miúdo extraordinário! Eu gosto imenso dele!
 
[ E tudo isto seria perfeitamente normal, não fosse dar-se o caso de eu ter feito de professora e, a dita docente, ter feito de mãe. A clássica inversão dos papéis do polícia bom e do polícia mau, portanto. ]

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