segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Resoluções a quatro vozes

(onde a tribo se dedica a um difícil exercício e sai reforçada)



A tribo uniu-se à avódrasta, ao melhor tio do mundo e ao bebé tóxico para uma passagem do ano gelada, em Amesterdão. Fizemos jus à expressão belga: “Plus on est de fous, plus on s’amuse!”. Quer dizer, eles divertiram-se… nós não víamos a hora de ir para a cama. (acho que estamos a ficar velhos). Por isso, deixámos a rapaziada nova a jogar um jogo de sociedade complicadíssimo madrugada adentro e escapulimo-nos mal pudemos. Ou seja, tarde. Demasiado tarde. O cenário dantesco do ano passado repetiu-se. Em Amesterdão, os foguetes começam cedo e acabam às tantas da manhã. Nunca vi coisa assim. O que é dizer muito, tendo em conta que vivemos na Bélgica, onde impera igualmente o fogo-de-artifício caseiro. Ah… sem esquecer que também já passámos uma passagem do ano na cidade do Luxemburgo, embora mais parecesse que estávamos algures numa cidade síria qualquer. Um horror. Mas Amesterdão bate qualquer recorde possível e imaginário. Durante todo o dia se ouvem foguetes, numa espécie de ensaio geral para a apoteose do réveillon. À noite, quando fomos passear pelo meio dos canais, cruzámo-nos com bandos de miúdos pouco mais velhos do que o Vasco que lançavam foguetes e estalinhos. Holandeses com idade para terem juízo improvisavam espectáculos de pirotecnia à porta de casa. Uma pessoa até tinha medo de esbarrar com aquelas porcarias ao virar da esquina. E fartei-me de pisar estalinhos perdidos no meio do chão. À meia-noite, os foguetes estridentes deram lugar ao fogo-de-artifício. É bonito, tenho de confessar. Visto do sótão de casa do meu irmão, temos um ângulo de quase 360º. E aquilo dura e dura e dura. Mas, uma hora depois, começamos a ficar um bocadinho fartos. O Diogo pisgou-se para a rua. O Vasco agarrou-se a nós. Foi estranho ver uma versão enciumada do filho pequeno, a competir com as gracinhas do bebé tóxico. Já disse que o meu sobrinho Luca é muito mais giro do que todos os fogos-de-artifício do mundo? Diz imensas palavras em português, misturado com um holandês balbuciante que só o Belga percebe. Bom… percebe quando se digna a aproximar-se, o que é bastante raro, porque já se sabe que os bebés são criaturas tóxicas e extremamente contagiosas. Mas o Vasco agradeceu efusivamente a distância imposta. Digamos que agradeceu pedindo colo e beijos e abraços e atenção a rodos. Foi definitivamente estranho. O Diogo está naquela fase em que acha mais piada ao primo canino, por isso não conseguia entender a ciumeira toda do irmão. Felizmente, a avódrasta chegava a todo o lado. Estou seriamente desconfiada de que as avós têm braços de polvo para chegarem mais depressa onde são precisas. E ela foi precisa em muitos sítios diferentes. Acudiu sempre com um sorriso. Embora tenha passado a passagem do ano a dizer que nunca tinha visto tal coisa, que parecia que estávamos em guerra. A verdade é que, a dada altura, comecei a temer pelo nosso carro, estacionado à esquina, na confluência de várias explosões caseiras da vizinhança. Fomos dormir sem saber se teríamos a carroçaria intacta, na manhã seguinte.

A longaaaaa noite deixou as ruas imundas. Uma mistura de desfile de Carnaval com um cenário de pós-guerra. Felizmente, a Dadá escapou ilesa. E o bebé tóxico dormiu a noite toda, não se sabe bem como. Se fosse meu filho, marcaria uma consulta no otorrino o mais depressa possível. Ontem, rumámos a casa. Estávamos cansados. O adolescente também devia estar meio morto: esteve muito mais tempo a dormir do que acordado. À medida que o tempo passa, percebo que fico cada vez mais feliz com estes regressos a casa a quatro. Gosto de conduzir à noite, em silêncio, com os meus homens a dormir a sono solto à minha volta. Só faltava o D. Fuas para o quadro ficar completo. Tive muito tempo para pensar na vida. Na que passou e na que agora começa. Peço sempre desejos, quando soam as doze badaladas. Quase sempre se concretizam (mas sou muito terra-a-terra nos meus pedidos). Quase nunca faço as típicas resoluções de ano novo, visto normalmente fazer contas à vida em Setembro. Desta vez, tive mesmo de alterar a rota, porque se avizinham mudanças de fundo. Confesso que me sabia bem deixar-me levar por esta vidinha morna que temos estado a construir, mas não é possível. Estou cansada de mudanças. Há quase seis anos que a minha vida parece um carrossel. Respiro fundo e esforço-me por pensar que parar é morrer. Que eu gosto de mudanças. No fundo, até gosto. Porque já percebi que as mudanças nos obrigam a crescer, a ir buscar forças onde já não pensamos haver alento. A pensar menos em nós próprios e mais nos outros. E o mais importante do meu mundo são eles. Daqui por dois anos e pouco tenho um filho na faculdade. Tenho de me preparar. Só posso contar comigo. É a única certeza que tenho. Pensei muito, no regresso a casa. Sempre de mão dada com o meu amor. Já percorremos milhares de quilómetros de mão dada.

Quando chegámos a Vielsalm, rumámos logo ao “nosso” chinês. Embora uma das decisões de ano novo é sermos mais poupados. Começámos bem, portanto. Enquanto esperávamos pela refeição, dedicámo-nos a escrever as nossas resoluções para 2017 (hum… vistas bem as coisas, talvez nem sequer se possa considerar que começámos o ano a infringir uma nova regra, pois as resoluções foram feitas após a transgressão… e tínhamos o frigorífico completamente vazio… ufa, menos mal! ). Cada um de nós escreveu num papel o que gostava que os outros três mudassem, neste novo ano. No final, escrevemos também uma coisa positiva que gostávamos que os outros mantivessem. O mais complicado, no entanto, foi fazer a nossa própria auto-avaliação… sendo que a maior dificuldade foi mesmo o auto-elogio. Estranho, não é? Estamos mais habituados a ouvir críticas e a fazê-las do que a ouvir elogios e a fazê-los a nós próprios. Tenho a dizer que todas as críticas que foram feitas eram justíssimas. Ninguém discordou. E os elogios foram comoventes. O Vasco chorou, claro. Bom… eu também. As palavras do meu amor tocaram-me especialmente. É bom sabermos que somos amados, mas ainda é melhor sabermo-nos apreciados. Os elogios dos meus filhos também me emocionaram. Resta-me começar a pensar mais em mim, gritar menos, dar ouvidos ao filho crescido e não fazer os meus “olhos maus” ao filho pequeno. Ah… e maquilhar-me mais. Mais, não… maquilhar-me, tout court. Estou seriamente desconfiada de que não vou conseguir cumprir este último pedido do Vasco. Mas posso sempre tentar. Independentemente do que a tribo conseguir alcançar em 2017, gostei deste exercício de introspecção. Acho que gostámos todos, apesar de não ser evidente. Vai ser engraçado reler o que escrevemos, no final do próximo ano. Quem sabe que voltas a vida ainda vai dar até lá? Bom ano!

Sem comentários:

Enviar um comentário