domingo, 25 de março de 2018

Ni juge, ni soumise


(onde se faz a apologia da sala de cinema, 

quando queríamos era vender o filme)



Sou sincera: deixei de “ir ao cinema” há anos, na verdadeira acepção do termo. Ainda me lembro de ver os horários dos filmes no Expresso e de escolher a sala de cinema em função disso. Muitas vezes meia hora antes de o filme começar. Para quem vivia e estudava em Lisboa, a oferta era muitíssimo variada. Apesar de ser uma cinéfila assumida, nunca fui uma cliente fiel de uma sala de cinema específica. Quer dizer, só era fiel às pipocas da Lusomundo.

Até emigrar para a Bélgica. E descobrir o “nosso cinema”, em Stavelot. O Ciné Versailles, um dos mais antigos cinemas europeus. É uma pérola rara. Desde que foi inaugurado, em 1913, nunca interrompeu a programação. Nem sequer durante as duas grandes guerras. Creio que já devo ter falado nele algures por aqui. Muito provavelmente porque o dono é anti-pipocas. É dificílimo conseguir que nos venda um saco de pipocas. Com grande esforço, lá conseguimos arrancar-lhe um saquito se formos ver uma comédia francesa qualquer. Nos “filmes intimistas” não há cá pipocas para ninguém, para não incomodar o público. Mesmo que só haja mais uma pessoa na sala. O problema é que, quatro anos depois de termos começado a frequentar assiduamente o Ciné Versailles, ainda não percebemos bem o que é um “filme intimista”, que vai variando consoante os humores do dono bastante sui generis.

Contudo, é injusto reduzir esta sala de cinema à problemática tão comezinha das pipocas. Porque a verdade é que a programação é excelente. Estou desconfiada de que o dono também é anti-americano. Os filmes da moda e os “oscarizáveis” nunca por lá passam. Muito menos as comédias americanas. O cinema estrangeiro ligeiramente alternativo tem sempre primazia. Não raras vezes os filmes são legendados, o que é um autêntico achado neste país. Tanto mais que só pagamos 6 euros. E que o décimo filme é sempre gratuito. Há quase sempre um documentário em cartaz. Ou um filme de pendor ecológico/social. Não raras vezes, há sessões que contam com a presença do realizador e que acabam com um debate muito interessante, que lança novas pistas de interpretação. Mais do que uma sala de cinema, o Ciné Versailles é um clube de cinema que nos conquistou de imediato. Actualmente, já não frequentamos outros cinemas (excepto nas estreias do Starwars…). Deixamo-nos sempre levar pela programação semanal do Ciné Versailles, apesar de só ter duas salas. Em caso de dúvida, seguimos o conselho do dono. Nunca nos arrependemos. Quer dizer… houve dois filmes em que me arrependi amargamente de ter levado o Vasco. O dono e a esposa já nos conhecem bem e estão habituados a ver-nos chegar a quatro. O Vasco foi adoptado como “mini-cinéfilo” de excepção e tudo lhe é permitido. Neste último filme, ainda ponderei dizer qualquer coisa à saída … Tal como da outra vez, optei por me calar. Eu é que sou a mãe. Eu é que devia ter feito investigações mais apuradas antes de irmos ver “Ni juge, ni soumise”, de Jean Libon e Yves Hinant. Azar. O mal estava feito. A verdade é que a linguagem a dada altura era tão crua, que o Vasco não percebeu nada. Quanto à crueza da vida, faz parte… Coisa pequena adorou o filme, essa é que é essa. Tal como nós, os adultos. Ou o adolescente resmungão de serviço. Se por acaso passar por aí não percam, a sério. O trailer parece anunciar um filme, mas não é. Trata-se de um documentário feito com a juíza de instrução de Bruxelas, Anne Gruwez. É fenomenal. Das melhores coisas que tenho visto nos últimos tempos.



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