(onde se sente uma tristeza profunda
pelo estado do país que nos viu nascer)
Recebi
uma notificação do Tribunal Judicial Comarca de Lisboa Norte que rezava assim:
Fica V. Exª notificada,
na qualidade de Arguida, para no prazo de 10
dias, informar os autos se concorda com uma eventual suspensão provisória
do processo pelo período de 4 meses, mediante o cumprimento da injunção de
entregar a quantia de € 300,00 à “Associação Ajuda de Berço”.
Liguei
de imediato para o tribunal a perguntar de que processo era eu Arguida (assim
mesmo, com maiúscula), já que ninguém se tinha dado ao trabalho de me explicar na
dita notificação. Fui tratada com desprezo... “Mas a senhora de certeza que já
foi ouvida no âmbito deste processo de agressão!” Voltei a perguntar delicadamente
de que processo se tratava. Fui, então, informada de que se tratava do processo
em que o meu ex-marido me acusou de ofensa à integridade física de um menor. Vá…
de espancar o meu filho Diogo publicamente. Lembram-se daquele calduço que se transformou numa queixa por coups et blessures punível com uma pena de prisão de um ano? Pois… eu já me tinha
esquecido, apesar de ser um dos posts
mais lidos deste blog.
Fui
ouvida, sim, senhora. Eu e o meu filho Diogo, na Polícia de Vielsalm. Ambos
negámos todas as acusações, no Verão passado. Mas, pelos vistos, o procurador
acha que talvez haja matéria para ir a julgamento. Dois anos e meio depois da queixa
inicial. Depois de o tribunal belga ter reconfirmado a decisão inicial de
deixar ambas as crianças viverem comigo, na Bélgica.
Perguntei
que história era aquela de pagar 300€ à Ajuda de Berço para suspender provisoriamente
o processo. Ah, é muito simples… se eu concordar em pagar essa verba, o
processo fica provisoriamente suspenso. Fico “apenas” com uma “nota” no meu
registo. Mas o processo é arquivado, ad
aeternum, ao que parece.
E,
aqui, a minha alma ficou parva. A sério. Não queria acreditar no que aquela funcionária
do tribunal me estava a explicar, com a voz mais calma do mundo. Como se aquilo
fosse normalíssimo. Só me ocorreu perguntar-lhe se estava tudo doido naquele
país. Se tinham enlouquecido todos de vez.
“É
só uma proposta, a senhora pode dizer que não aceita e preferir ir a
julgamento, se for caso disso”, respondeu-me impávida e serena a funcionária. Eu
não agredi o meu filho, recuso-me a ver arquivada uma queixa desta maneira
infame. Prefiro de longe bater-me pela justiça em tribunal. Só não sei se a
Justiça em Portugal ainda terá uma venda ou se ficou definitivamente cega.
Quer
dizer, se de facto eu fosse uma mãe abusiva, se de facto eu tivesse espancado o
meu filho de 12 anos, dois anos e meio depois do ocorrido, a queixa poderia
simplesmente ser arquivada mediante o pagamento de uns míseros 300€ à... à…
Ajuda de Berço, uma instituição de acolhimento de crianças em risco?!!!
Pela
mesma ordem de ideias, um marido suspeito de agredir a mulher poderá ver o seu
processo arquivado mediante o pagamento de 300€ à Associação Portuguesa de
Apoio à Vítima, certo?! Ou uma pessoa que espanque um cão poderá pagar 300€ à
União Zoófila, é isso?
Não
sei para onde caminha Portugal, mas sei que vai a passos largos. Deixei de me
rever no meu país há muitos anos. Nas políticas, nas instituições... Sinto
vergonha. Sinto uma tristeza profunda. Hoje não sou emigrante, hoje sou
exilada.
Já não é a primeira vez que ouço falar de notificações e decisões deste género. A verdade é que, muitas vezes, é mais fácil pagar e pronto. Até se ajuda, e tudo! É a solução para a morosidade da justiça em Portugal. Boa sorte, rapariga, boa sorte.
ResponderEliminarClaro que é mais fácil pagar e esquecer, Gralha! O problema é que, assim, os culpados nunca serão julgados, nem castigados. E os inocentes perdem a hipótese de se defenderem. Se isto não é a antítese do trabalho que os tribunais são supostos fazerem, não sei o que será...
EliminarÉ verdade, Paula. É muito difícil avaliar os estragos que tudo isto terá a longo prazo. Por enquanto, há um adolescente que começou finalmente a abrir os olhos, com todo o sofrimento que isso acarreta.
ResponderEliminarLamento dizer que este país não é para quem procura justiça...
ResponderEliminarHá dias vi um cartoon muito bem esgalhado sobrea justiça portuguesa: uma justiça cega (de olhos vendados mesmo) a acariciar o criminoso enquanto as autoridades estavam algemadas com as mãos atrás das costas.
Pois... Mas é triste quando estamos tão acomodados que já nada nos espanta, Naná.
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