quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Modernices

(onde se vê um filho pequeno a léguas da sua zona de conforto)


Coisa pequena anda dividida. A professora de ballet está de baixa prolongada e foi substituída por um professor de outra academia. O facto de, pela primeira vez, ter aulas com um homem foi muitíssimo bem acolhida. Há quatro anos que o Vasco anda imerso num universo exclusivamente feminino sem direito a contraditório. O problema é que este professor é um apaixonado por dança contemporânea. E a nossa coisa pequena detesta dança moderna. No 4.º ano era suposto complementar a formação clássica com aulas de dança jazz obrigatórias, mas conseguiu escapar com a desculpa de que mora longe e está no último ano de solfejo e tem as aulas de violino e o conjunto de cordas… Não sei bem como, lá arranjou maneira de dar a volta à professora. Ela ainda tentou convencê-lo a ir para o sapateado que tem uns horários mais flexíveis, mas o Vasco fez um ar de vómito tão realista que a senhora não insistiu. E assim andava coisa pequena, feliz da vida com o seu estatuto de excepção de apenas 2 horas de dança clássica semanais.

Até que apareceu o Monsieur Dumont a estragar literalmente o esquema todo. Acabou-se a música clássica. As coreografias, agora, são modernas. Filho pequeno tem aguentado estoicamente, pois anda encantado com o professor. E porque deixou de fazer o treino intenso no solo, que o deixava estafado. Parece que estas aulas têm a vantagem de serem um pouco mais ligeiras. Mas o drama deu-se quando o professor se lembrou de fazer uma pequenina demonstração para os pais, no final do 1.º período. Só para mostrar o que andaram a fazer, em Dezembro. Avisou que os últimos passos só tinham sido ensaiados no início daquela aula e que o objectivo não era apresentar uma coreografia perfeita. Mas nós, que estamos proibidos de assistir e apenas vemos o espectáculo bienal, ficámos contentíssimos. Dez minutos antes do fim da aula, já estávamos todos à porta. Para piorar as coisas, diz que fiquei demasiado perto e que me pus a filmar. Coisa pequena estava zangada comigo. E muito pouco à-vontade. Mas eu ia lá perder uma oportunidade destas…


(... e ainda bem, porque o Vasco está farto de me pedir para ver o vídeo. Não é para defender a coisa pequena - apesar de adorar este meu filho, não sou cega ao ponto de achar que é o próximo Nureyev - mas ele é dos poucos que estava a seguir o tempo. O irmão fartou-se de gozar e diz que não consegue ouvir o professor a dizer repetidamente "lentement"... Eu estava lá e ouvi. No entanto, para quem conhece bem o Vasco, a piada deste vídeo é precisamente a vergonha que é tãoooooo rara nele!)

sábado, 23 de dezembro de 2017

Natal de pessoas

(onde aguardamos com a ansiedade infantil a véspera de Natal)


Finalmente, um Natal banalíssimo. Ou talvez não, porque esperámos muito por ele. A vida dá tantas, tantas voltas. E, no final, tudo fica no sítio certo. Ou, então, somos nós que já aprendemos a encaixar. A dar um jeitinho. A dançar ao som da música. As coisas não têm sido simples, nos últimos tempos. O que nos salva são sempre as pessoas. Acredito mesmo nisso. Na força e no poder transcendente dos afectos.

Amanhã, vamos dar um pulinho à Holanda. A ceia de Natal terá bacalhau vindo de Portugal. E bolo-rei que fui comprar ao Luxemburgo. Cervejas e macarrons da Bélgica. Tantos países e, no fundo, sempre o mesmo. As pessoas. Nós. Os meus rapazes. A avódrasta. O meu maninho. O bebé-tóxico mais fofo do mundo. Não preciso de mais nada. Exagerei nas prendas, como sempre. Mas é porque estou feliz. Porque lhes quero mostrar o quanto os amo. O quanto enriquecem a minha vida.

No dia de Natal, recebemos os pais do meu amor. E a palavra de ordem é mesmo essa: receber. Acolher. Abrir as portas da nossa casa e do nosso coração. Agradecer tudo o que têm feito por nós. A sorte que tivemos por o nosso caminho se cruzar. Não posso recuperar o tempo perdido a fugir de um afecto que julgava imposto. Mas posso mostrar que este bem-querer é sincero. E a gratidão que sinto também. O Vasco ganhou os dois avós de que precisava. E o Diogo soube ter a generosidade e a maturidade de ceder o palco ao irmão (mas só porque é o menino da sua avódrasta). Coincidência ou não, é a avódrasta que vai trazer de Portugal a prenda para a minha sogra. Como se diz por aqui, la boucle se boucle. O ciclo fecha-se.


Neste Natal desejo-vos paz. E que tenham por perto quem vos ame e cuide. Agradeço-vos do fundo do coração por continuarem por aí, apesar da minha ausência. Um dia destes prometo falar sobre isso, assim o filho crescido permita. Tenho umas saudades imensas de escrever livremente, acreditem. Beijos.

(Eles, claro. O meu Natal.) 

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Extensão materna

(onde percebemos que somos literalmente unos com a força filhos)


Ontem foi a estreia do novo filme do Star Wars. Para não variar, em plena época de exames do Diogo. Depois de um dia gelado, em que a neve não deu tréguas. À tardinha, os miúdos estudavam. Eu estava enredada numa tradução (e numa mantinha). Confesso que fiquei feliz da vida quando, já mesmo em cima da hora, percebemos que os bilhetes de cinema tinha desaparecido para parte incerta. Foi a prenda de anos que o Diogo ofereceu ao irmão. Comprou-os há muitos meses atrás e foram connosco para Dublim, juntamente com as outras prendas todas. E cheira-me que devem ter ficado por lá, perdidos no meio dos papéis de embrulho que equilibrei com mestria no diminuto cesto do lixo do quarto de hotel. Infelizmente, filho crescido lembrou-se a tempo que podíamos mostrar os bilhetes digitais no iCoiso. E lá fomos nós para Liège. Eles numa excitação parva. E eu com espírito de sacrifício monumental.

Assim que se sentou na sala de cinema lotada, coisa pequena pôs os óculos 3D, atascou-se ao saco gigante de pipocas, chegou-se bem à frente e nunca mais ninguém a ouviu. Quer dizer, eu ouvi-o chorar imensas vezes ao longo daquelas longaaas horas. Filho crescido estava demasiado nervoso para comer e só conseguiu sorver litros de Coca-Cola que sabe estar proibido de beber. Mas, desta vez, não me pediu autorização, nem dinheiro. Atascou-se a mim, com agradecimentos melosos e uma cumplicidade emocionada que eu mostrei claramente que estava longe de sentir. Nada o demoveu. Nem mesmo o facto de lhe ter suplicado que se afastasse, porque o cheiro das hormonas adolescentes nervosas começou a dar-me cabo do sistema olfativo. O Diogo estava num daqueles seus momentos de mãezice aguda, misturados com uma alegria parva.

Quando os anúncios começaram, com dois ursos pardos muito apaixonados a velejar rumo ao infinito para vender não sei que produto, comentou logo que eram tal e qual o meu amor e eu. E repetiu pela enésima vez que eramos tãooo felizes. Grunhi que não. Que falasse por ele. Filho grande, imbuído da certeza do amor materno a toda a prova, respondeu-me a rir que sabia perfeitamente que eu estava a dizer aquilo “só para o estilo”, para me fazer de difícil. Insisti que não. Ele abraçou-me e suspirou: “Ó mãe, sei perfeitamente que estás feliz por estar aqui comigo a viver ISTO.” Pronto, tive de desistir. Percebi que o Diogo estava mesmo convencido que a emoção era partilhada. Aos 11 anos, é impossível pensar que a mãe pode não gostar de Star Wars. Aos 16, é impossível pensar que a mãe pode não ficar feliz por partilhar a felicidade filial em relação ao Star Wars. É evidente que a pedagogia infantil reviu a coisa em baixa. Não são só os bebés que pensam que são uma extensão da mãe. Segundo consta, os adolescentes também pensam que eles e a mãe são um ser uno, no que à felicidade diz respeito.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017