terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Uma Família Inglesa

(notas soltas sobre um Natal inusitado em terras de Sua Majestade)


 
Esperar que as aulas acabem à porta da escola dos miúdos. Descobrir mais um aeroporto – o do Luxemburgo – a pouco mais de uma hora daqui. Pequenino, com estacionamento gratuito perto, como se fossemos só ali à esquina apanhar o comboio. Rumar a Inglaterra, com as malas cheias de prendas e borboletas na barriga. Porque viajar é isso mesmo.

Matar saudades. Da família inglesa, claro. E ver o mar, ouvir o bater das ondas. Sem tempo para grandes passeios, o importante é estar com a família. Mesmo assim, revisitar Londres pela enésima vez. Ver o encanto do Vasco pelas múmias do British Museum, pelas experiências e os simuladores de voo do Science Museum, pelos dinossauros do Natural History Museum. Perceber que o Diogo já vive a viagem de outra maneira, mais adulta. A ver as vistas através da lente do iPod e a trocar impressões com os amigos no Facebook. Porque crescer é isso mesmo.

Comer… muito e bem. Um pequeno-almoço inglês, feito a rigor pelo uncle John. E fish and chips. Matar saudades de bacalhau, bolo-rei, broas, queijo da Serra e outras iguarias portuguesas, graças ao engenho da tia Clarisse e das minhas primas. Sermos mimados, tanto, tanto, tanto! Porque a família é isso mesmo.

E, de repente, uma troca de sms estranha… e descobrir que o meu amor está ali mesmo. No meio de uma noite de tempestade, naquela vila à beira-mar. Que atravessou a Europa de avião, de comboio, de autocarro, só para passar o Natal connosco. Porque o amor é isso mesmo.

Receber prendas de Natal perfeitas. Escolhidas a dedo a pensar em nós. Um violino preto para o Vasco, igualzinho ao do Darth Vader e um novo trompete para o Diogo, da prima Claire. Coisas exóticas que a prima Alison trouxe da Nova Zelândia. E uma máquina fotográfica para mim! Uma mala, linda, que vi de fugida do autocarro e que a melhor tia do mundo foi à procura na véspera de Natal. Porque o Natal é isso mesmo.
 







[ Agora, os miúdos estão em Portugal. E nós vamos à aventura, namorar. Fazer planos, sonhar alto... a condizer com este ano novinho em folha, que vamos estrear juntos. ]

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Cenas de gaja

(é dar pérolas a porcos, senhores, é dar pérolas a porcos)



Apaixonei-me pela minha “irmãzinha belga” quando a vi acabada de sair da maternidade, linda de morrer. Dei-lhe colo, mudei-lhe fraldas, aturei-lhe birras, dei beijinhos em joelhos esfolados e penteei caracóis loiros rebeldes. Sabe-se lá como, no meio de três rapazes e uma maria-rapaz mais velhos, transformou-se na coisa mais coquete do mundo. Fiel às suas convicções, escolheu uma profissão que lhe assenta como uma luva e está a estudar para ser esteticista. E está sempre a precisar de modelos, que é uma forma mais simpática de dizer cobaias. Evidentemente, é aqui que as coisas se complicam para a minha pessoa. Porque quando ela põe os imensos olhos azúis em mim e me pergunta com aquela voz docinha se posso servir de modelo, eu não consigo dizer que não. Arrependo-me sempre, mas não consigo dizer que não.

Esta semana, começou um estágio num gabinete de estética em Liège e pediu-me que passasse por lá, no primeiro dia, para mostrar à patroa todas as suas imensas qualidades numa cobaia modelo. Pediu-me com aqueles olhos azúis e a voz docinha. Não tive coragem de recusar. E arrependi-me no minuto seguinte, claro. Mas estava longe de adivinhar a extensão do meu arrependimento. Foram horas, senhores, de pura tortura!

O que queria fazer como tratamento estético, perguntou-me quando cheguei ao meio-dia. Hum… tipo… nada? Vá, qualquer coisa rápida e indolor. Um tratamento do rosto? Seja, diz que é relaxante. Não achei. Entre o vapor que me entrava pelo nariz acima e me sufocava, a exfoliação que me arrancou metade da pele e a máscara com parafina que me fez sentir uma múmia, passando pela “extraction des comédons”… maneira simpática de dizer que os meus pontos negros foram todos espremidos até à raiz dos dentes. A massagem final deve ter sido muito boa, parece que durou meia hora. Devo ter adormecido exausta nos primeiros três minutos. Pelo menos, deixei de ter vontade de fazer chichi… raios partam a música Zen com sons de água!

Quando acordei, fui informada que podia escolher entre uma manicura, uma pédicure ou a depilação completa. Bolas, venha o diabo e escolha! Vá, a depilação. Pelo menos, é útil. Escolha acertada, eu parecia um Yeti. Só que os meus pés estavam em muito mau estado. E as mãos também. A minha irmãzinha estava decidida a provar que sabia fazer todo o tipo de tratamentos estéticos. De repente, percebi por que raio tinha sido eu a escolhida para inaugurar o estágio: em apenas metro e meio de gente havia trabalho que nunca mais acabava! As horas seguintes, passei-as em puro sofrimento. Fui extirpada de pêlos e postas de pele a uma velocidade estonteante. A patroa ia entrando e corrigindo. Eu tentava distanciar-me do meu corpo, concentrar-me em inspirar e expirar para controlar a dor, tipo parto. Pensava nos miúdos que estavam para chegar da escola, na fortuna que ia pagar de estacionamento, no frango que me tinha esquecido de descongelar para o jantar. Na porra da música Zen, agora com sons de passarinhos. Nos estalos que nunca dei a esta miúda e que ela estava a fazer por merecer…

Finalmente, a tortura acabou. Pensava eu. Ainda faltava aplicar o verniz permanente, que a minha irmãzinha nunca tinha feito e que a patroa tinha todo o gosto em mostrar, visto que a cliente das 4h00 estava atrasada. Nunca roguei tantas pragas a uma pessoa sem a conhecer! Que cor é que eu queria? Transparente, olha que pergunta! E aqueles olhos azúis em mim… Pronto, já que é para a desgraça, seja cor-de-rosa. Um sorriso dela e eu ganho o mundo. Põe camada atrás de camada de bases, vernizes, brilhantes e sei lá mais o quê. Pinta uma unha, põe no forno. Pinta outra unha, volta a pôr no forno. Nunca me senti tanto um papo-seco como naqueles 30 minutos. Para finalizar o processo, limpou-me as unhas com acetona. Espera lá… não percebo grande coisa do assunto, mas a acetona não serve justamente para tirar o verniz?! Não, aquilo era verniz permanente, não é assim tão simples de tirar. Hum… acho que é melhor não fazer mais perguntas.

Quase 17h e eu estou pronta. Toda dorida, mas pronta. Fico a saber que o martírio a que me sujeitei durante horas a fio os tratamentos que me fizeram custam mais do que eu ganho por mês. Mas haverá alguém são de espírito que pague para lhe fazerem aquilo?! A mim, tinham era de me pagar para voltar a pôr lá os pés. A minha irmãzinha abraça-me e agradece a simpatia (nem ela imagina quanta). Diz-me que já só falta cortar o cabelo para ficar linda para receber o meu amor que está para chegar. Cortar o cabelo, eu?! Não faço isso há séculos. Nota-se, responde-me. Depois, muito depressa, diz que não faz mal porque tudo o resto está perfeito. Até já posso usar saias. Ele não gosta de saias. E sapatos de salto alto? Também não. Mas uma boa maquilhagem, fica sempre bem. Ele odeia mulheres maquilhadas. Pronto, as mãos ficaram muito elegantes. Se há coisa que ele abomina são unhas pintadas. Ahhh… então, ainda bem que ele me encontrou, não é verdade? Parece-me que isto não era bem um elogio...

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Uma festa de final dos exames sui generis

(que implica duas moçoilas e o meu filho mais velho

trancados no quarto)


 Filho mais velho começou por perguntar, assim como quem não quer a coisa, se podia convidar uns amigos para lanchar para celebrarem o fim da sessão de exames de Natal. Quantos amigos? Vá… são só duas colegas. Duas amigas. Afinal, uma também almoçava cá em casa. Se calhar, até podiam cá dormir… Duas miúdas a dormirem cá em casa? Pensei um bocadinho… Com a idade dele dormi tantas vezes em casa de amigos! Se calhar, os pais delas é que não iam achar muita piada e podiam não deixar. Deixavam, deixavam, que elas já são crescidas. Crescidas, com 13 anos?! Hum… são um bocadinho mais velhas. Não são da turma dele. São de outro ano. Outro ano?! Assim, tipo… do 10º ano. HEIN?!?

Mas por que raio vêm duas miúdas do 10º ano passar a tarde cá a casa?! Qual é o interesse? Para elas, claro (para ele, eu sei muito bem). Que são as suas melhores amigas na escola. Que se dá com imensos colegas mais velhos. Que sempre teve bastante maturidade e um desenvolvimento intelectual muito acima da sua idade. Que prometia limpar a casa toda e ser ele a tratar do lanche. Bem, posto nestes termos…

Ei-los, então, trancados no quarto. A rir à gargalhada. A conversar há horas. A ouvir música. De facto, aos vê-los assim, a diferença de idades nem se nota. Mas como é que este gajo tem tanta saída, pá?! Começo a desconfiar que estou tramada, estou mesmo tramada...

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

E o espírito natalício foi-se, juntamente com a cola, a árvore e a porcaria das agendas

(onde se percebe que afinal tenho uma confiança cega

nas minhas capacidades)

 
Andei meses a armazenar frasquinhos de compota e garrafas de vidro. Obriguei as minhas vizinhas a comerem toneladas de tangerinas, porque havia uma excelente promoção de 2,5kg por 3.99€. A verdade é que, as poucas tangerinas que não estavam podres eram uma porcaria, mas vinham numa caixinha de madeira mesmo gira. Tinha tirado novas receitas da Net. Estava a preparar-me para passar os próximos fins-de-semana à volta dos tachos a fazer os cabazes de Natal com os miúdos.

Mas, depois, os meus queridos tios de Inglaterra decidiram dar-nos uma prenda adiantada e eis-nos convidados a passar o Natal no outro lado da Mancha. Tive de mudar de planos à última da hora, pois não me estava a ver a viajar de avião com compotas, bolachinhas de gengibre e licor de limão na bagagem. Por outro lado, também não podia deixar os cabazes em casa dos meus “pais belgas” com muito tempo de antecedência. Não me parece que, nesta altura do ano, a minha “mãe belga” ache muita piada ter o frigorífico cheio de cabazes de Natal para a família… apesar de as caixas das tangerinas serem mesmo fofinhas.

A tradição de fazermos as nossas próprias prendas nas semanas que antecedem o Natal já tem alguns anos. Aos poucos, fomos aprimorando os cabazes, embora haja sempre umas inovações. Nem sequer é por uma questão de preço, que estas coisas ficam sempre mais caras. É mesmo pela piada se sermos nós a fazer, pelo carinho com que fazemos diferentes cabazes a pensar nas diferentes pessoas. Resumindo e concluindo, eu continuava decidida a manter a tradição de fazermos as nossas próprias prendas de Natal. Na impossibilidade de fazer comida, virei-me para o artesanato. E vai daí, lembrei-me de forrar agendas para 2014.

Chegada a casa com tecidos, agendas, cola e fitas, deitámos mãos ao trabalho. Quando me vi rodeada de bocados de tecido a desfiar e fitas que se desenrolavam sozinhas, mandei os miúdos embora. Tentei colar as fitas com cola branca, mas aquela porcaria ficava colada aos dedos. Comecei a enervar-me. Fui buscar a pistola de cola quente. Como o fio não chegava à tomada, tive de desligar as luzes da árvore para tirar a extensão. O estupor de cão, que não pode ver ninguém de gatas, foi ver o que se passava. Enrolou-se todo nos fios e fez cair a árvore. Percebi que, paradoxalmente, não é fácil agarrar numa árvore quando se tem os dedos cheios de cola. Mal ou bem, lá consegui equilibrar aquilo tudo, mas já estava a ver a minha vida a andar para trás. E o espírito natalício foi-se, juntamente com a cola, a árvore e a porcaria das agendas.

Mas que diabo me passou pela cabeça quando tive esta ideia peregrina?! Como é que fui capaz de pensar que conseguia forrar agendas, se nem os livros da escola dos miúdos consigo forrar sem deixar as capas cheias de bolhas?! Aquilo exige gente altamente qualificada. Anos de prática. Jeito de mãos. Precisão. Instrumentos de trabalho especiais. Além disso, afinal, quem diabo usa uma agenda em papel nos dias que correm?! Uma ideia completamente estapafúrdia, portanto.

Uma pessoa normal teria comprado uma agenda, um tubo de cola e teria aproveitado uns  restos de tecido para fazer uma primeira tentativa. Uma pessoa normal teria gasto uma quantia simbólica para ver se a coisa resultava. E teria feito isto com semanas de antecedência, para ter tempo de ir comprar outra prenda qualquer, caso não resultasse. Com esta história, descobri que tenho uma confiança cega nas minhas capacidades, porque comprei logo umas 15 agendas, 9 metros de tecido, 4 bobines de fita, 3 potes de cola. E desgracei o orçamento todo de Natal. Para ajudar à festa, lancei-me nesta quimera uns dias antes de partirmos. Por muito boa vontade que tenha, já não há volta a dar… De maneiras que é assim, malta: o amor é muito, mas o jeito é pouco. Perdoem lá qualquer coisinha e digam que é tudo muito bonito, certo?

E aviso já que, no próximo Natal, vai tudo corrido a canecas com alces da Suécia do IKEA. Deve sair consideravelmente mais barato e, pelo menos, não vou andar com os dedos colados durante dias a fio.
 
[ Entretanto, a coisa pequena decidiu perguntar meigamente o que eu queria como prenda de Natal. Disse-lhe que queria uma máquina fotográfica para lhe tirar fotografias de jeito antes que ele crescesse demasiado. Respondeu ainda mais meigamente que não tinha dinheiro para isso, mas que me podia fazer um desenho muito bonito. Eu concordei, um desenho bonito estava óptimo. Responde o Diogo lá do fundo: “Um desenho ainda se arranja, bonito é que duvido muito…”. Haja alguém realista sobre as capacidades artísticas desta família! ]

 

domingo, 15 de dezembro de 2013

Fins-de-semana...

(onde se mostra que há quem faça exercício, quem passeie, quem se repouse e quem ature esta malta toda)

 



 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

“Ontem à noite estavas mesmo cansada”

(e estava mesmo)


Chega uma pessoa à casa e, mal entra, cheira a limpo. Casa varrida. Chão lavado. Pilha de loiça a secar no escorredor. Recebemos uma ordem seca para descalçarmos as botas à porta. Olho para o meu filho crescido e faço uma pergunta muda. Ele encolhe os ombros e diz simplesmente: “Ontem à noite estavas mesmo cansada”.

Todos os dias descubro novas nuances neste estranho que agora vive cá em casa. Percebo que já tem maturidade para perceber que os adultos, por vezes, sentem um cansaço na alma. E tenta ajudar. De forma muito prática, claro, não deixa de ser um gajo.

É certo que, às vezes, ainda tenho de lhe ralhar. De dizer as mesmas coisas vezes sem conta, numa ladainha que parece não ter fim. Ainda me zango a sério. E dou uns berros. Ainda o castigo. Mas é cada vez mais raro. E as nossas discussões também são diferentes.

Lembro que, apesar de ser mais alto, eu é que sou a mãe. Independentemente do crescente poder de decisão, quem manda aqui sou eu. Embora já saiba muita coisa, ainda não sabe tudo. A voz mais grossa não lhe dá o direito de levantar o tom de voz. Podemos brincar, mas o respeito é a fronteira. Agradeço a ajuda que dá com o irmão, mas cabe-me a mim definir a educação que lhe dou. Podemos ser amigos e até companheiros de aventuras. Sem esquecer que, em primeiro lugar, somos mãe e filho. Eu, a mãe. Ele, o filho. O meu filho grande, que eu amo de um amor espantado.



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Solidão

(estado do que está só)


Há dias em que me sinto tão sozinha. Mais do que sozinha, sinto um buraco negro no coração, uma solidão gelada. Uma espécie de frio que vem de dentro, a juntar ao que vem de fora. Hoje apetecia-me colo. Mas colo a sério, de mãe e pai. Abraços de irmãos. Conversa de amigos. Ou um cartucho de castanhas assadas quentinhas, que é quase a mesma coisa.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

As prendas que eu lhes dou

(e as que nunca lhes darei)


Só dou prendas aos miúdos no Natal e nos aniversários, mais umas prendinhas na Páscoa e no Dia da Criança. E um ou outro brinquedo em segunda mão, se descobrirmos algum a bom preço numa venda de garagem. Se há coisa que nunca me aconteceu na vida foi entrar num hipermercado para comprar leite e sair de lá com um brinquedo ou um jogo. E como isto nunca aconteceu, os meus filhos sabem que não vale a pena pedincharem quando vamos às compras.

Os adultos queixam-se que as crianças já não dão valor a nada, que não sabem esperar por um brinquedo, que não têm noção nenhuma de quanto custa a vida… Mas, depois, enchem os filhos de prendas todos os meses: brinquedos, jogos, consolas. Eu não percebo. Juro que não percebo. Nem sequer é o preço que está aqui em causa. É o princípio. Como é que uma criança pode dar valor a algo que não desejou, que não namorou, que não esperou para ter? Como é que uma criança pode dar valor a uma coisa que recebeu mal pediu? E quem diz criança, diz adolescente. Nós entramos muitas vezes nas lojas de brinquedos só para ver… com os olhos e com as mãos, claro. É assim uma espécie de sonhar acordado, que faz bem à alma.

Os meus filhos sabem perfeitamente que tipo de prenda me podem pedir. Sabem que não sou mãe para dar 75 euros por um jogo que acabou de sair para a Wii. Mas sou mãe para palmilhar lojas e sites em segunda mão para tentar encontrar a penúltima versão. Não sou mãe para dar 149 euros por uns Legos do Star Wars. Mas sou mãe para correr tudo à procura da versão Star Wars do jogo de sociedade “Risco”. Os meus filhos sabem que escusam de pedir coisas da moda, coisas que acabaram de sair, coisas caríssimas, coisas que aparecem inflaccionadas nos catálogos de Natal, porque eu não entro nesse tipo de consumismo. Recuso-me a comprar coisas que, uma semana depois, estão esquecidas a um canto porque passaram de moda.

Eu gosto de lhes dar prendas que tenham a ver com eles, que os surpreendam. Muitas prendas. Normalmente, são coisas que nem sequer se lembraram de pedir, mas que eu sei que vão gostar. Também aproveito para lhes comprar coisas que estejam a precisar. Não têm de ser necessariamente novas, desde que sejam novas para eles. Compro sempre muitos livros em segunda mão. E Cd’s. Uma touca para a natação. Jogos. Uma máquina para fazer gauffres. Um estojo novo. Uma bomba para encher os pneus da bicicleta. Doces. Um quebra-cabeças. Plasticinas, pinturas, barro. Uma caneta de tinta permanente. Um brinquedo fora do vulgar. Uma máquina para fazer algodão-doce. As primeiras três temporadas do “Criminal Minds”. Uns ténis com luzes.

O Diogo já está habituado à catapulta de prendas disparatadas e farta-se de rir. Aliás, quando lhe perguntei o que queria para o Natal, respondeu logo: “Uma das tuas ideias”. Malucas, subentenda-se. À família, vai pedir dinheiro para comprar uma Playstation 3. Em segunda mão, obviamente, que ele é filho de sua mãe. O Vasco tem gostos mais sofisticados e pediu um violino que custa perto de mil euros. É um sonhador, está visto. Mas eu não desisto, isto com o tempo vai lá…

Eis uma das prendas que recebeu nos anos: aulas de esgrima. As lutas com sabres de luz vão começar a ter outro estilo!
 
 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Às quintas-feiras estou sempre esgotada

(porque as quartas são dias lixados)



O Diogo acorda às 6h20. A vantagem de ter um quarto-sala-cozinha que dá para a rua é que não preciso de me levantar para garantir que ele não se atrasa. De vez em quando, abro um olho e lanço: “Já fizeste as sandes?”, “Já lavaste os dentes?”, “Vê lá não te atrases…”. A desvantagem de ter um quarto-sala-cozinha é que estou sempre a ser acordada: “Esta camisola já não me serve”, “Esta também não”, “Onde é que deixaste o dinheiro para a piscina?”. Às 7h, ele sai disparado e eu durmo mais um bocadinho.

Acordo a coisa pequena às 8h, que tem muito mau acordar. Começa a ladainha: “Vá lá, Vasco, despacha-te!”. Ajudo a empurrar cereais, a lavar os dentes, a vestir roupa, a encontrar casacos e luvas e gorros misteriosamente desaparecidos, a calçar botas, a pôr a mochila às costas… 45 minutos depois, deixo-o na escola.

Passeio o Fuas e dou de comer aos bichos pequenos. Lavo a loiça. Estendo a roupa que ficou a lavar durante a noite. Varro a casa, enquanto amaldiçoo os homens das obras, que não há meio de pararem de esburacar a aldeia. Trabalho só um bocadinho, porque às quartas-feiras não há aulas à tarde.

Às 12h, vou buscar o Vasco à escola e faço-o engolir uma sopa e umas sandes a correr. A fruta come no carro. Às 13h tem aula de violino em Aywaille, a cerca de 20 km daqui. Enquanto ele está na aula, aproveito para fazer compras num hipermercado grande.

Chegamos a casa às 14h30, onde o Diogo está à minha espera já de almoço tomado. Ajudo a fazer trabalhos de casa. Lavo a loiça. Varro a casa. Mando estudar solfejo. E trompete. Lembro que é preciso passear o cão e limpar a caixa dos bichos pequenos. Verifico que as mochilas estão bem arrumadas.

Saímos às 16h00 em direcção a Barvaux. Passamos pela biblioteca para entregar livros e escolher novos. Damos um pulo à ludoteca para trazer uns jogos para o fim-de-semana. Às 17h20, o Vasco tem aula de solfejo. Entretanto, aproveito para ir às compras nas lojas discount e espreitar uma loja de roupa em segunda mão. Também podemos ficar simplesmente no carro a ler. Ou a conversar enquanto ouvimos música. Às 18h10 é a vez do Diogo. No Verão, vou com o Vasco ao parque. No inverno, enfiamo-nos numa loja de brinquedos onde já toda a gente o conhece.

Chegamos perto das 19h40. Arrumo as compras. Faço o jantar a correr. Normalmente é fast-food, tipo douradinhos no forno ou carbonara de tofu. Deixo-os ver televisão. Primeiro, um canal inglês e, depois, uma série qualquer. Vão tomar banho e deitam-se entre às 21h30, o mais tardar.

Lavo a loiça. Varro pela última vez a casa. Lavo o chão. Amaldiçoo mais uma vez os homens das obras. Apanho e dobro a roupa. Ponho mais uma máquina a fazer. Preparo roupas, mochilas e lancheiras para o dia seguinte. Deixo a mesa do pequeno-almoço posta. Passeio o cão. Estou derreada, é meia-noite. Lembro-me que ainda tenho de fazer cupcakes para a festa da escola amanhã...
 
 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A nossa árvore de Natal e tudo o que eu perdi

(onde se percebe que há bombas que explodem ao retardador)


Vim-me embora de Portugal apenas com o que cabia no velho Saxo. Pouca coisa, portanto. Não penso no que deixei para trás. Primeiro, porque pertence ao passado. Foi uma outra vida que terminou, uma porta que se fechou para sempre. Segundo, porque não há nada que possa fazer para recuperar os meus pertences, por isso, nem vale a pena pensar nisso.

Meses depois de aqui estar, senti falta dos dois livros aos quais volto muitas vezes: Winnie-the-Pooh de A. A. Milne e Stranger in a Strange Land de Robert A. Heinlein. A família fez-mos chegar. E sou muito mais feliz desde que os vejo diariamente. Mais tarde, recuperei as fotos que ainda não consigo ver, mas que achei importante guardar para os miúdos. A colecção de moedas do meu avô Franclim e a máquina de café de balão da minha avó Clarisse. E é tudo.

O Natal passado foi uma época muito difícil. Eu adoro o Natal, apesar de ser ateia desde que me conheço como gente. O Natal, para mim, é a festa da família. Para a família. E eu passei as festas longe de tudo e todos. Longe dos meus filhos. Decidi que não fazia árvore de Natal, não escrevia postais de Natal, não comprava prendas de Natal. Decidi que ia ignorar o Natal. Como não sou de ficar pelos cantos a chorar, decidi passar esses dias na cozinha a fazer comida para dar à minha “família belga” e vizinhos. A minha nova família de coração a quem tanto devo na construção da pessoa que hoje sou. Compota de abóbora, doce de pêra, bolonhesa de soja e carbonara de tofu em frascos para pôr no esparguete, bolinhos de figo, brigadeiros… A minha imaginação não teve limites. Passei dias a cozinhar sem conseguir comer. Só quando voltei a abraçar os meus filhos no aeroporto é que a fome e a alegria voltaram.

Este ano tudo é diferente. E decidi celebrar essa diferença. Tenho os meninos comigo, tenho tudo o que preciso. Portanto, decidi fazer árvore de Natal, escrever postais de Natal, comprar prendas de Natal. Quer dizer… comprar coisas para fazermos prendas de Natal, que é muito mais engraçado. Já andei à procura de novas ideias e receitas na Net. Está tudo a postos. Principalmente, o espírito natalício.

Os miúdos tentaram convencer-me a pegar num machado e ir à procura de um pinheiro verdadeiro nos bosques. Não fui em conversas. O espírito natalício, porém ecologista, impunha um pinheiro artificial. O espírito economicista impunha uma coisa barata. O sentido estético impunha algo minimamente bonito e não muito grande, que a casa é pequena. Depois de muita procura, lá acabámos por achar um pinheiro de metro e meio por 16 euros. Só faltavam os enfeites. O meu amor, adverso ao Natal e a tudo o que ele representa, foi comigo comprar os enfeites para a árvore. Parecia que ia para a morgue, coitado. Mas a presença dele foi preciosa. Como sempre.

Enquanto percorria os corredores dedicados ao Natal, senti um aperto do coração. Fiquei sem ar. Lembrei-me de tudo o que perdi… De repente, lembrei-me de tudo o que perdi. E foi tanto! As bolas de vidro que comprei quando estava grávida do Diogo. O pai Natal enorme que tocava músicas de Natal que o bizavô dele me deu quando eu tinha 18 anos, mostrando-me que se pode ser adulto sem perder a criança que há em nós. Os anjos de terracota que a mãe do meu amigo Rui me ofereceu quando o Vasco nasceu. A bota de feltro com marcas coloridas dos dedos pequeninos de um Diogo de 5 anos. O suporte para velas com a marca dos dentes de um Vasco comilão ainda bebé. Todos os enfeites que os meus filhos foram fazendo ao longo dos anos na escola, que davam um toque especial a esta época. Que mostravam o passar dos anos. Que contavam a nossa história.

É incrível como há tanta coisa que não me lembro dos últimos tempos passados em Portugal, mas recordo cada pequenino enfeite que saía da caixa vermelha guardada no sótão. E percebi que há bombas ao retardador. Podemos enterrar recordações no fundo da nossa memória, elas acabam sempre por vir ao de cima quando menos se espera. Senti-me sufocar com esse peso. O meu amor, que não tinha maneira de saber o que me passava pela cabeça, viu apenas o que me passava pela cara. Estendeu-me a mão e saímos dali para fora o mais depressa possível.

Passados uns dias, depois de me ter despedido mentalmente de tudo o que deixei para trás, fiz nova tentativa. O Vasco, este meu filho que tem a capacidade de fazer magia, escolheu bolas azúis (a condizer com as paredes!), pequenos mochos e renas. Um ursinho. Esperei estar sozinha para montar a árvore. E voltei a fazer contas com o passado. Arrumei definitivamente esta parte da minha vida numa gaveta da minha memória. Espero ter feito as pazes com um passado que afinal, de tão recente, às vezes ainda dói um bocadinho. Dei mais uns passinhos em frente, acho. E, pronto, enquanto forem dois passos para a frente e um para trás, está tudo bem.
 
 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Encontros imediatos de terceiro grau...

(Ah... saudades dos tempos em que ver um pato a passear

pelo Campo Grande era uma aventura)


Um dos nossos caminhos habituais são os vinte e tal quilómetros que separam Malempré de Barvaux, onde os miúdos têm aulas de solfejo duas vezes por semana. É uma longa estrada que atravessa aldeias e bosques, com muitas curvas sinuosas. No Verão faz-se lindamente, mas no Inverno a conversa é outra, porque está fora da rota dos limpa-neves. Habitualmente, fazemos o caminho de regresso no lusco-fusco do final da tarde, quando a bicharada decide que é hora de sair para comer. Enquanto eu mantenho os olhos na estrada, o Diogo está concentrado a procurar animais e perigos potenciais. Uma espécie de copiloto, portanto. O Vasco está sempre distraído e quase nunca consegue vê-los a tempo. No ano passado, vimos veados, raposas, ouriços, uma família de javalis, coelhos, muitas aves de rapina, um animal de grande porte não identificado. Vacas e ovelhas foragidas do rebanho também são aparições habituais.

Há duas semanas, íamos a passo de caracol atrás de uma camioneta, quando a parte detrás se abriu e começaram a saltar ovelhas que nunca mais acabavam. Eu fiquei tão assarapantada, que nem sabia se havia de rir ou chorar. Decidi buzinar, mas acho que não deve ter sido a melhor opção porque desataram todas a fugir assustadas. Ontem à tardinha, um veado enorme saltou-me para a frente do carro. O Diogo, que nestes últimos tempos vive colado ao ecrã do telemóvel, também já só o viu quando estava em cima de nós. Felizmente, não havia neve e consegui travar a tempo. Não sei qual de nós ficou mais assustado. E ficámos assim, um a olhar para o outro uns momentos. Ambos a arfar. Até que o mastodonte se dignou a seguir caminho. Mas desta vez o Vasco conseguiu vê-lo mesmooooo bem!




segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Falar ou não falar de sexo, eis a questão

(onde se explicam as razões para o súbito desaparecimento desta mãe)



Uma noite destas, cheguei derreada da escola… que isto de falar duas línguas em permanência e ensinar uma terceira tem muito que se lhe diga. Enquanto o meu amor me servia o jantar requentado, anunciou com um sorriso que havia moura na costa (usando uma expressão qualquer parecida, que esta gente nunca teve mouros na costa). Parece que o Diogo tinha ido passear o cão à chuva durante séculos de telemóvel atrás. E, depois, ainda precisou de ir “apanhar ar” mais umas quantas vezes… de telemóvel na mão, obviamente. Eu ri-me. Achei ternurento. Pensei que o meu adolescente tinha entrado numa nova etapa da sua vida.
 
Nos dias seguintes, a coisa intensificou-se. A olhos vistos. Umas vezes a saca-rolhas, outras espontaneamente, lá ficámos a saber a história desta paixão assolapada. Com muito mais detalhes do que, por vezes, gostaríamos (e estávamos preparados). Numa espécie de frenesim esquizofrénico, ora ia contando tudo, mostrando fotos e sms trocados, ora recusava-se sequer a dizer o nome da criatura que lhe tinha conquistado o coração.
 
Subitamente, a nossa vida passou a ser regida por controlo remoto. Ela vai estudar, ele vai estudar. Daqui a três horas encontram-se novamente (no chat do Facebook, claro). Ela vai às compras com a mãe, temos duas horas de liberdade. Ir ao cinema?! Hora e meia de telemóvel desligado quando ela está disponível?! Nem pensar! Será que não podemos começar a jantar mais cedo… tipo lá para as 18h, como todos os belgas?! Etc… etc… etc…
 
Os sms sucediam-se em catapulta e o rapaz começou a ficar sem imaginação para tanta conversa romântica. O meu amor ia ajudando, qual Cyrano de Bergerac. Já farta de tanto romantismo, disse-lhe para lhe perguntar o que ela queria ser quando fosse grande. “Mãe”. Como?!?! Alto lá, acabou-se a brincadeira! Num ápice, desci à terra. As fotos da miúda amorosa de biquíni na piscina, as respostas sempre prontas, muito mais maduras do que seria de esperar, o pronome possessivo seguido dos nomes carinhosos com que o trata e as declarações de amor inflamadas perderam a inocência toda em segundos. Um alarme soou dentro da minha cabeça. Muito, muito alto.
 
Enquanto tentava gerir uma omnipresente namorada, um cão de fila apaixonado e uma coisa pequena em profundo sofrimento, ao ver o irmão escapar-lhe por entre os dedos para voos mais altos, os dias seguintes foram de puro questionamento. Pensei bastante. Rebobinei o filme da minha própria adolescência. Tentei pôr-me no lugar dos adolescentes de hoje. Pela primeira vez desde que aqui estou, senti falta da minha pediatra (primeiro minha, depois deles), que à distância de um telefonema sempre me acalmou as dúvidas mais disparatadas.
 
Quando se deve passar da conversa sobre os factos da vida – que vistas bem as coisas até é muito bonita e romântica – para a conversa mais terra-a-terra? Quando se deve fazer o salto entre o “agora que já sabes a parte física toda, vamos lá falar de coisas sérias”? Quando se deve passar da teoria à prática, dando-lhe a entender que esperamos que a prática ainda esteja a anos-luz, mas nunca fiando? Como saber onde está a fronteira entre o ainda-é-cedo e o já-é-demasiado-tarde? Como saber qual é o momento certo, a maturidade certa, a pergunta certa que irá despoletar a nossa resposta? De que forma se pode apelar ao sentido da responsabilidade quando ainda se tem um pé na infância? Como raio posso confiar em dois miúdos se só eduquei um? E ainda só vou a meio do trabalho.
 
Sempre fui defensora da educação sexual na escola. Em casa, fala-se de afectos. Na escola, fala-se de sexo. Depois, desde que haja abertura entre pais e filhos, faz-se a ponte. O problema é que, neste caso, não me quero arriscar a esperar pela altura em que a escola acha apropriado introduzir estes conteúdos. A escola usa o tempo da mediania, nivela pelo meio: para uns, há-de ser precoce, para outros, o momento certo e, para uma minoria, há-de ser demasiado tarde. E se há assunto que não pode ser abordado demasiado tarde é este…
 
Portanto, pedi ao meu amor que despisse o fato de Cyrano de Bergerac, deixasse a espada e as belas palavras de lado. Pedi-lhe que se armasse de uns preservativos e de uma coragem infinita para ter uma conversa mais… hum… demonstrativa, por assim dizer. Claramente explícita, pronto. Acho que nem um, nem outro, teríamos estado muito à-vontade se eu tivesse tomado a iniciativa. E, para ter a certeza de que a mensagem passava, era preciso que o mensageiro estivesse à altura da sua missão. E esteve, claro.
 
Como bom cavaleiro, finda a sua incumbência, pegou no cavalo e partiu (que é como quem diz, apanhou o avião). Ontem à noite, estávamos de novo os três sozinhos. E diz-me o Diogo: “Estás triste, não estás, mãe? Eu agora percebo-te, dá aqui um apertozinho no coração cada vez que estamos separados…” E eu aproveitei para falar daquilo que sei. Dos afectos. Do amor. Do crescimento.
 
[Post escrito com autorização do protagonista, a quem também falo das minhas dúvidas e dores de crescimento como mãe.]

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A caminho de Frankfurt...

(porque depois de 6 semanas de imobilidade forçada,

 o Vasco merece uma prenda de anos em grande)


Pode parecer paradoxal, mas a coisa que mais gosto na Bélgica é mesmo a rapidez com que se consegue sair daqui. Holanda, Alemanha, Luxemburgo e França ficam a pouco mais de uma hora de Malempré. Quer dizer, o Luxemburgo fica apenas a 20 minutos (e a gasolina é muito mais barata). É uma sensação de liberdade enorme. Parece que vivemos no centro do mundo. Adoro este cosmopolitismo! Não há nada melhor do que, de vez em quando, perdermo-nos no anonimato de uma grande cidade, para contrabalançar a  vida pacata de aldeia onde todos nos conhecem.

O meu amor fica sempre surpreendido quando os miúdos desatam a bater palmas, depois de passarmos uma fronteira. Já lhe tentei explicar que é uma coisa de Tuga, que vive aconchegado no cantinho da Europa. Num ano, conseguimos visitar uma série de países, a dois e a quatro (mais o cão). Só escolhemos cidades onde haja amigos ou família. Deste modo, matamos saudades, poupamos o dinheiro da estadia e podemos cozinhar. Em último caso, levamos farnel, arrancamos cedo no sábado e voltamos tarde no domingo, dormindo em hotéis Formule 1, a 30 euros/noite. Para além das muitas cidades que já visitámos na Bélgica, fomos a Amesterdão, Maastricht, Aachen, Trier, Monschau, Boulogne-sur–Mer, Mont Saint-Michel, Reims, Paris, cidade do Luxemburgo... Na Páscoa, também fomos a Portugal de carro. Adorámos Bilbau!
 
Este fim-de-semana, vamos a Frankfurt visitar o “tio” Rui, um amigo muito querido que sobreviveu ao liceu, à universidade e aos muitos anos a viver na Irlanda. Agora que estamos tão pertinho um do outro, nunca mais nos largámos. O Vasco nem imagina o que o espera! Na mala levo prendas, jogos, doces, bandeirolas, balões, velas mágicas, postais da família… E tenho outra surpresa na manga: o meu amor vai lá ter connosco. O tio Rui que se prepare, porque vão ser uns dias de festa... :)



quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Hoje fazes sete anos e eu pergunto-me como é possível

(onde se percebe que crescer para o Vasco

 sempre foi uma coisa estranha)



Comecei a desconfiar que eras especial, ainda estavas tu na minha barriga. Pequena criatura estranha e assustadiça, que só reagia à voz do irmão. Quiseste nascer depressa, numa noite de tempestade. Mas o teu coração parou. Nasceste roxo, sem chorar. Os minutos eternizaram-se. Quando finalmente começaste a chorar, nunca mais te calaste. Durante 6 meses ininterruptos.

Não se podia olhar para ti, falar-te e tocar-te ao mesmo tempo que te desregulavas todo. Parecias um animal selvagem. Primeiro, aproximava-me de mansinho. Punha-te uma mão na barriga docemente. Falava contigo baixinho. Depois podia pegar-te, com mil cuidados. E só quando te sentisses confortável e em segurança, é que te podia olhar nos olhos. Procurei muitas vezes o teu olhar, em vão. Tentei acalmar choros e birras e fúrias, em vão. Passei horas a tentar adormecer-te, em vão.

Aprendeste depressa a manipular-me. Quando te enervavas, deixavas de respirar. Durante muito tempo. E eu aprendi a evitar que te enervasses. Às vezes resultava, outras não. Um dia, quando estavas hospitalizado na Estefânia – aí, sim, com um grave problema respiratório – fizeste-me um sorriso rasgado… todo tu eras tubos, agulhas, máquinas e apitos. Percebi que tínhamos ali um guerreiro.
 
Aos 7 meses e meio disseste-me “Olá!”. Senti que o pior já tinha passado. No dia em que, sozinho, te puseste em pé pela primeira vez, começaste a tentar andar. Caías, levantavas-te, caías, levantavas-te. Passaste a ter a testa sempre negra. Aos 12 meses corrias a casa. O Miró, o nosso dálmata que morreu pouco depois, acompanhava-te de perto, ainda mais assustado que eu.

A partir do momento em que descobriste a liberdade, começaste a testá-la: atiravas-te do berço abaixo e descias as escadas do quintal de cabeça. Estavas sempre a tentar largar a minha mão para fugir. Perdi-te muitas vezes em sítios públicos porque te tornaste um especialista da fuga. Minutos de puro terror. Até que uma vez, já tu tinhas quatro anos, além de te perder, perdi também a cabeça. E quando te encontrei, a andar calmamente de mão dada com uma desconhecida, dei-te as primeiras palmadas da tua vida e avisei-te que nunca mais voltavas a fugir. Aguentaste uns meses.

Entraste para a escola pouco antes de fazeres dois anos. Passaste as primeiras semanas a chorar a um canto, de braços esticados para ninguém te conseguir tocar. Cá fora, do outro lado da estrada, eu conseguia ouvir-te: “A minha mãe… a minha mãe… a minha mãe…”. E ficava a fazer tempo para te ir buscar, dentro do carro, a chorar também.

Quando fizeste dois anos, passámos o dia no Jardim Zoológico. Sempre gostaste de animais. No aquário das focas, engraçaste com uma foca. Passaste a barreira e ficaste colado ao vidro. Começaram a brincar. Corrias para um lado e ela seguia-te. Corrias para o outro e ela ia atrás. Estiveram muito tempo nisto. E eu pensei que aquilo devia ser a felicidade.

Até começares a tocar violino, nunca brincaste com um brinquedo. Nem com legos, carrinhos ou bonecos. Nunca quiseste ver um desenho animado ou ler um livro. As únicas prendas que apreciavas eram coisas que fizessem barulho, instrumentos musicais, microfones e DVD’s da Mariza. E do Sérgio Godinho. Sabias as músicas de cor. Conhecias cada gesto. Mal chegavas da escola, corrias para o DVD.

Aos dois anos e meio, decretaste que querias aprender a tocar violoncelo, graças ao Jaques Morelenbaum. O instrumento mais pequeno era maior do que tu. Convenci-te a mudar para o violino. Foste à primeira aula de chucha na boca e ó-ó na mão. Tinhas acabado de largar as fraldas. Adoravas a tua primeira professora. Hoje, três violinos e quase cinco anos depois, continuas a tocar. De vez em quando, ainda dizes que também queres aprender violoncelo. E eu sei que é só uma questão de tempo.

Quando tinhas três anos, tentei mais uma vez fugir à tradução e comecei a trabalhar fora de casa. Foram os piores seis meses da nossa vida. Chorávamos os dois com saudades um do outro. Quando finalmente desisti, passaste semanas aflito atrás de mim. Seguias-me para todo o lado como um patinho e entravas em pânico quando ia tomar banho. Volta e meia, abrias a cortina do duche e espreitavas… “A mãe está aqui, Vasco”, dizia-te eu para te acalmar. “Eu sei”, respondias. Sabias, mas não tinhas a certeza.

Foi mais ou menos por essa altura que tiveste uma paixão assolapada pelas princesas da Disney. Passeavas-te na rua de tiara cor-de-rosa na cabeça, ignorando risos e gozos. Trocaste a Mariza pela Pequena Sereia. O teu amor pelo cor-de-rosa e o tule ainda durou uns meses para desespero familiar. Eu sempre achei que devias ser quem eras. Sempre soubeste ser fiel a ti mesmo, contra tudo e todos.

Mal fizeste quatro anos, decidiste que estava na hora de passar para a piscina dos grandes, apesar de ainda não teres pé. Fiquei muito triste. Desde bebé que íamos juntos às aulas de natação e eu não estava preparada para te ver continuar sozinho. Mas tu sempre foste muito independente. Quando entraste para a sala dos quatro anos, os meninos levantaram-se todos para te aplaudir. Parecias uma estrela! Foi a primeira vez que tive um vislumbre do meu palhaço do circo. Às vezes, escapavas-te da tua sala para ir dar uma volta pela quinta pedagógica e ver os bichos. Adoravas trabalhar na terra e espalhar pozinhos de perlimpimpim para fazer as sementes crescer.

Aos cinco anos a tua vida desabou, sem que nada o fizesse prever. E tudo mudou. Deixámos o nosso país, família e amigos. E mudámo-nos 2500 km para Norte. Só nós, os três da vida airada. Tornámo-nos ainda mais unidos. Um dia depois de chegares à Bélgica, começaste as aulas na escola primária de Malempré. Não sabias dizer uma palavra, não conhecias ninguém. Agarraste-te ao teu irmão, não para fazer dele escudo protector… mas para o defenderes dos outros miúdos, da vida, das dificuldades. A única vez que bateste num colega foi para defender o teu irmão, que adoras.

Aos seis anos deixaste de ser o menino mais novo na sala e a professora deixou de andar contigo atrelado pela mão para conseguir dar aulas. Tens de fazer contas mais depressa e já ninguém te desculpa a letra imperceptível. Começaste a ter aulas de solfejo, numa turma com meninos muito mais crescidos do que tu, e levas a professora ao desespero. Mas cantas como um rouxinol. As aulas de violino já não requerem a minha presença e duram uma hora. Sais de lá estafado. Fazes um esforço imenso para pôr esses dedos miudinhos no sítio certo à velocidade que agora te é exigida. Ao mesmo tempo que lês a pauta, porque o professor já não te deixa aprender as músicas de cor. Este ano é a valer, não há margem para brincadeiras, e está a custar-te crescer.

Olhas para o teu irmão e procuras em ti os mesmos sinais de crescimento. Se te obrigam a crescer tanto, porque continuas com pouco mais de um metro? Se as dores de crescimento são tão grandes, porque não podes barbear-te e pôr desodorizante? Segue-lo para todo o lado, queres imitar brincadeiras, conversas, jogos. Queres dar longos passeios a cavalo como ele. E galopar. Fazes perguntas sobre os amigos. Pedes-lhe que repita as piadas que dizem. Anseias pela mesma liberdade. E pela conta do facebook, o telemóvel e o iPod.

Hoje fazes sete anos e eu pergunto-me como é possível. Crescer é uma coisa estranha, Vasco. Não tenhas pressa. Não te deixes apanhar pelo fato e gravata. E os sapatos engraxados. Não te tranques num escritório. Não vivas das 9h às 17h. Não percas a emoção e a alegria que pões em tudo o que fazes. Nunca deixes de te sentar nas escadas da igreja, alheado do frio e das pessoas que te rodeiam, a ouvir os sinos tocar. E se ainda te apetecer chorar, não faz mal. Os homens a sério também choram.





Let it snow, let it snow, let it snow...

(há dias em que me pergunto que diabo fazemos aqui… hoje é um deles)



quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A minha vizinha maluca e o hamster assassino

(onde se apresenta o mais novo habitante desta casa)

 

Tenho uma vizinha de quem gosto muito. É meia maluca. Muito boa pessoa, sempre disponível para ajudar… mas é meia maluca, pronto. Digamos que é uma miúda de 15 anos encarcerada num corpo de 35. Podem imaginar o conflito interior. O pior é que ela tem imenso tempo livre para fazer maluquices. Os quatro filhos adoram a loucura da mãe e o marido vive para lhe satisfazer os caprichos infantis. Ah… e mora a dois passos de nossa casa.

Na sala, tem três gatos, duas chinchilas, dois coelhos, quatro hamsters, um aquário cheio de peixes e duas gaiolas enormes com passarinhos com nomes exóticos. E um lama, que só ficou na rua porque não cabia na porta. Isto era ontem, porque hoje já não se sabe. Esta minha vizinha adora animais. Volta e meia, apaixona-se por uma nova espécie. Lê tudo o que encontra na Net, compra uns quantos exemplares e a tralha toda requerida. Passado uns tempos, farta-se. É uma espécie de tédio que se lhe dá. Nessa altura, desfaz-se da bicharada toda e arruma a tralha no sótão. Houve a fase dos furões, dos porquinhos-da-Índia, dos cães, dos ratinhos anões, dos mandarins, etc.

Já estão a ver onde raio fui desencantar o coelho selvagem que assombra as nossas noites. O tal que, só depois de já estar cá em casa, soubemos que vivia em liberdade e que, portanto, tem um ódio visceral a qualquer tipo de prisão. É que a minha vizinha gosta de oferecer os animais quando o amor acaba. Às vezes, é um bocadinho difícil impingi-los. Não é que ela minta, mas não diz logo toda a verdade aos novos proprietários. Em Malempré, já não engana ninguém. Excepto aqui a parva de serviço, claro.

No outro dia, mandou-me uma mensagem a perguntar se não queria um porquinho-da-índia porque, afinal, não achava lá muita piada ao bicho. Agradeci, mas disse que a gaiola do Peanuts e do Dó Ré Mi era demasiado pequena. Respondeu que me podia dar uma gaiola maior. Agradeci mais uma vez, mas expliquei que o quarto dos miúdos não tinha espaço para uma gaiola maior e que não podia ficar no andar de baixo por causa do Fuas. Sem mais argumentos, acabou por desistir.

Ontem, passei por casa dela para lhe dar um saco de roupa que deixou de servir aos miúdos. Enquanto bebíamos um café, pergunta-me se não quero um hamster amoroso… que estava todo mordido, que não se dava bem com os outros, que ainda acabava por morrer. Disse-lhe que não tinha gaiola e que não podia estar a fazer mais despesas este mês porque tinha os anos do Vasco. Respondeu logo que oferecia o hamster ao Vasco, juntamente com a gaiola. Agradeci muito a oferta, mas expliquei que os hamsters fazem barulho à noite e que os meninos não iam conseguir dormir com ele no quarto a roer as grades. Ela levantou-se e foi buscar uma gaiola daquelas todas modernas, tipo aquário, sem grades. Desta vez, fui eu que fiquei sem argumentos e desisti. Saí de lá com uma mesa, um aspirador, dois alhos franceses e um hamster (mais a respectiva gaiola, bebedouro, comedouro, casinha, roda para brincar e mais mil e uma porcarias que não faço ideia para que servem).

À noite, a minha vizinha meia maluca fez-nos uma visita para ver como passava o hamster. O Vasco estava nas nuvens com a prenda de anos antecipada. Decidiu chamar-lhe “Robin des Bois”. A minha vizinha olhou para o hamster, que estava todo enroladinho nas mãos do Diogo, e deixou escapar, como quem não quer a coisa: “Daqui por uns dias, se notarem que a barriga está maior, é melhor deixarem de lhe pegar porque pode estar grávida…”  “Grávida?! Mas não era um macho?”  “Não, é uma fêmea, o macho morreu. Ela arrancou-lhe a cabeça.”  “Como?!”  “Elas normalmente fazem isso quando estão grávidas, para proteger os filhos.” HEIN?!?!

Esta tarde fomos espreitá-la, preocupados. Desde ontem que a bicha só dormia. Acordámo-la meigamente. E descobrimos horrorizados que guincha. Mas é que guincha que se farta. Numa casa onde imperam os espécimes masculinos, finalmente há outra gaja… assassina, grávida e histérica. Está certinho.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Amor é... andar aos caixotes

(o que uma pessoa é capaz de fazer para poupar 125 euros)



No Verão passado, o Vasco perguntou se podia ter uma mochila da Kipling quando entrasse para o 2º ano. Eu devia estar em piloto automático porque disse que sim, embora não fizesse a mínima ideia do que isso fosse. Quando fomos aos saldos, ele lembrou-se da promessa e fomos à procura das ditas mochilas. A mim escapou-me um “F***-**!”, ao Diogo um “Porra!”. E largámos os dois a rir à gargalhada. As Kipling rondavam os 125 euros… em promoção. Houve suspiros, houve choro, houve drama, houve “Mas tu disseste que sim…”. Expliquei-lhe que me recusava a dar um balúrdio daqueles por uma simples mochila, tanto mais que no 1º ano ele tinha conseguido destruir três. E peguei numa mochila horrorosa do Pooh com reflectores e protecções, que custava a módica quantia de 2.50 euros. Dois calduços depois, até o irmão gabava o achado. Mas o Vasco estava profundamente triste. E desiludido comigo.
 
Decidida a arranjar uma Kipling, fosse como fosse, deitei de imediato mãos à obra. Comecei pelos sites de coisas em segunda mão. Só encontrei duas, mas custavam perto de 50 euros. No ebay ainda era pior. Estava fora de questão pagar mais por uma coisa usada do que sou capaz de dar por uma nova. Voltei-me para as vendas de garagem, as feiras de artigos de criança usados, as lojas em segunda mão… Passei o Verão a vasculhar quinquilharia, com um Vasco esperançoso atrás. As poucas mochilas que encontrámos, não tinham o gorila. Sim… fui rapidamente informada que a Kipling perde todo o seu valor sem a merda do peluche minúsculo pendurado, tipo porta-chaves. Mudei de estratégia: primeiro tinha de encontrar um gorila qualquer da Kipling que pudesse meter numa mochila usada. Ah… mas o gorila tinha de ser da mesma cor da mochila, senão não servia. Por esta altura, já eu tinha repetido o impropério inicial um cento de vezes…
 
No início de Setembro, arrastei um ofendido Vasco até à escola, com a lindíssima mochila do Pooh às costas. Quando chegámos, recebi um olhar fulminante: os miúdos todos tinham mochilas da Kipling. Fiquei com náuseas só de ver os malfadados gorilas a balouçar. Assim de relance, calculei que devia haver uns milhares de euros naquele recreio. Raios partam! Que diabo de mãe dá 125 euros (se for precavida e comprar o material nos saldos, como eu) por uma porcaria de uma mochila de uma só cor, sem gracinha nenhuma?!?! Sim, porque os últimos modelos coloridos da Kipling custam mais de 165 euros! Inquiri as outras mães e fiquei a saber que: a) as Kipling têm garantia, b) custam aquele preço, mas compensa porque duram uma vida, c) quando um fecho se estraga ou uma peça se parte – o que nunca acontece, de qualquer modo – a marca faz a reparação de graça (se calhar até dão uma mochila de substituição), d) podem ser lavadas as vezes que se quiser, que nunca perdem a cor, o tecido não esmiúça, continuam como novas. Resumindo, o mundo divide-se entre os pais inteligentes que compram duas Kipling que acompanham os filhos durante os 6 anos da primária e os pais burros que compram 3 mochilas rascas por ano.

Depois desta instrutiva conversa com as outras mães à porta da escola, já não se tratava apenas de cumprir uma promessa feita sem pensar para fazer o meu filho feliz… a questão tornou-se pessoal. E eu não sou pessoa de virar costas a um desafio: o Vasco havia de ter uma Kipling e havia de dar cabo dela em menos de um nada, como faz com tudo o resto onde põe a mão, os joelhos, os pés… Tinha de provar a esta gente que as abençoadas Kipling não são à prova de Vasco. Eis-me, portanto, de novo à caça de um gorila e de uma mochila em segunda mão. Sim, porque eu gosto de uma boa luta, mas continuava a recusar-me a dar 125 euros por uma simples mochila! Uma vizinha acolita da Kipling com três filhos (façam as contas…), apiedou-se de mim e ofereceu-me um gorila ranhoso que andava lá por casa desde que as mochilas da pré-primária tinham sido substituídas por outras maiores (e beeeeem mais caras). Iupi, já não faltava tudo!
 
Este sábado, aproveitámos não estar a chover para ir ao centro de reciclagem fazer a triagem do lixo. E… o Vasco descobriu uma Kipling no contentor dos encombrants! Eis o diálogo que se seguiu:
 
Eu: É mesmo uma Kipling?! Vou lá ver…
Diogo: Ó mãe, não te vais meter ali dentro para ir buscar a mochila, pois não?
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: Ai não que não vou!
Diogo: É ilegal, não podes levar o lixo que as pessoas depositam aqui.
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: O lixo de uns é o tesouro de outros. Uns deitam fora, outros aproveitam.
Diogo: Oh… para estar no lixo, aposto que está estragada.
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: As Kipling não se estragam, são à prova de tudo… menos do Vasco.
Diogo: Mas deve estar suja…
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: Lava-se! Vá lá, ajuda-me aqui a descer…
Diogo: Ó mãe, por favor, não vais andar aos caixotes que eu tenho vergonha…
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: Tecnicamente não é um caixote do lixo, é um contentor. Ajuda-me a entrar, anda lá…
Diogo: Vou esperar no carro. Que vergonha! Não vos conheço…
Vasco: Vai, mãe, vai!
Eu: Vê lá se está aí alguém a ver, Vasco…
Vasco: Não está ninguém a ver, mãe, podes ir! Quer dizer, acho que há câmaras…
Eu: Já cá canta! É mesmo uma Kipling! Ih, ih, ih! Depressa, mete-te no carro!
Vasco: Espera aí, mãe, não posso correr depressa… tenho o pé partido!
Eu: Não querias uma Kipling?! Cala-te e corre, pá!

Bom… infelizmente, o Diogo tinha razão num aspecto. A mochila não estava estragada, mas estava toda manchada de tinta na bolsa da frente. Caraças, tinha finalmente o gorila e a mochila, alguma coisa se havia de arranjar! Duas máquinas a 60º graus depois, percebi que isto ia exigir medidas mais duras. A parte boa é que tanto a mochila como o gorila tinham ficado com uma cor de burro quando foge muito semelhante. Cortei o forro de uma das 1001 bolsas interiores e cosi a abertura para não poder voltar a ser utilizada. Descosi o símbolo e forrei a bolsa da frente. Voltei a coser o símbolo. Passei o Domingo a cortar, a descoser, a coser… Tenho os dedos cheios de feridas porque, verdade seja dita, a porcaria da mochila é sólida e o tecido resistente. Mas fiquei orgulhosa do meu trabalho de costura, ninguém diria que a mochila não acabou de sair da loja (excepto pela cor um bocadinho estranha). Pendurámos o gorila. Trocámos as coisas da belíssima mochila do Pooh (que já estava rasgada, de qualquer modo). E eis um Vasco feliz, finalmente.
 
Agora… let the games begin! Veremos quanto tempo vai durar a caríssima mochila maravilha nas mãos do Vasco!

 

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

E a coisa pequena, perguntam vocês?

(mãe e professores à beira de um ataque de nervos)

 
Acusação:

·         O Vasco não consegue estar quieto um minuto. Não tem bichos-carpinteiros… todo ele é um bicho-carpinteiro. Mesmo engessado até ao joelho continua a correr, a saltar, a jogar à bola.
 
·         Está constantemente a falar. Quer a professora e os colegas estejam a ouvir ou não. Quando isolado de todos, num canto, o Vasco continua a falar consigo próprio. Em voz alta. Diz que às vezes também canta.
 
·         Está sempre a cair (da cama, do sofá, da cadeira da escola, etc.).
 
·         As coisas que o Vasco tem na mão estão sempre a cair (os lápis, as canetas, os cadernos, etc.). Também pode acontecer saltarem-lhe das mãos, normalmente para cima de algum desgraçado.
 
·         Não tem qualquer destreza manual. Quando pega na tesoura, todos se afastam. Gasta um tubo de cola inteiro para colar um simples recorte. Quando começa a pintar, não pára nas linhas e continua pela secretária a fora, mãos, folha do colega do lado…
 
·         É desleixado e badalhoco. Não lhe faz confusão nenhuma entregar um trabalho de casa amachucado, pisado, rasgado, escrito-apagado-reescrito-apagado-re-reescrito. O conteúdo é mais importante que a forma.
 
·         É preguiçoso. Demora tanto tempo a escrever um A maiúsculo como uma criança chinesa a escrever 25 caracteres.
 
·         Não tem qualquer noção do tempo, do stress, da pressa.
 
·         Por sistema, é contra a lei, a ordem, as obrigações, as regras.
 
·         É completamente imune a ralhetes, ameaças e castigos. O medo é coisa que não lhe assiste.
 

Contraditório:

·         O Vasco tem 6 anos, é o menino mais novo no 2º ano. E na aula de solfejo. E na aula de violino.
 
·         É muito bom aluno. Detesta ter más notas. Um 6/10 é coisa para o deixar a chorar uma tarde inteira.
 
·         Tem uma memória de elefante. E uma esperteza de rato.
 
·         Salta do português para o francês e vice-versa a uma velocidade estonteante. E fala igualmente bem as duas línguas. Tem um excelente ouvido e já diz alguma frases em inglês, muito úteis: "May the force be with you", "You shall not pass!"... 
 
·         É uma criança naturalmente feliz, de riso fácil.
 
·         É muito meiguinho.
 
·         Tem sempre uma última palavra a dizer, uma resposta pronta, uma tirada que não lembra ao diabo. Consegue arrancar gargalhadas a um mimo. E, para mal dos nossos pecados, este último ponto tem o poder de anular todos os outros.
 


 
 
[Quando cheguei da reunião na escola, perguntou se podia comer um doce. O irmão respondeu por mim: "Achas que é a melhor altura para pedires doces?! A mãe acabou de falar com a tua professora, Vasco...". Virou-se para mim todo dengoso, abraçou-me e pôs-me as mãos na testa: "Estás tão quentinha, mãe! Acho que tens febre. Coitadinha!" Hum, hum... obviamente, o problema é meu, não dele.]