(onde se percebe que há bombas que
explodem ao retardador)
Vim-me embora de Portugal apenas com o
que cabia no velho Saxo. Pouca coisa, portanto. Não penso no que deixei para
trás. Primeiro, porque pertence ao passado. Foi uma outra vida que terminou, uma porta que se fechou para sempre. Segundo, porque não há nada que possa
fazer para recuperar os meus pertences, por isso, nem vale a pena pensar nisso.
Meses depois de aqui estar, senti
falta dos dois livros aos quais volto muitas vezes: Winnie-the-Pooh de A. A. Milne e Stranger in a Strange Land de Robert A. Heinlein. A família fez-mos chegar.
E sou muito mais feliz desde que os vejo diariamente. Mais tarde, recuperei as
fotos que ainda não consigo ver, mas que achei importante guardar para os
miúdos. A colecção de moedas do meu avô Franclim e a máquina de café de balão
da minha avó Clarisse. E é tudo.
O Natal passado foi uma época muito
difícil. Eu adoro o Natal, apesar de ser ateia desde que me conheço
como gente. O Natal, para mim, é a festa da família. Para a família. E eu
passei as festas longe de tudo e todos. Longe dos meus filhos. Decidi que não
fazia árvore de Natal, não escrevia postais de Natal, não comprava prendas de
Natal. Decidi que ia ignorar o Natal. Como não sou de ficar pelos cantos
a chorar, decidi passar esses dias na cozinha a fazer comida para dar à minha
“família belga” e vizinhos. A minha nova família de coração a quem tanto devo
na construção da pessoa que hoje sou. Compota de abóbora, doce de pêra,
bolonhesa de soja e carbonara de tofu em frascos para pôr no esparguete,
bolinhos de figo, brigadeiros… A minha imaginação não teve limites. Passei dias
a cozinhar sem conseguir comer. Só quando voltei a abraçar os meus filhos no
aeroporto é que a fome e a alegria voltaram.
Este ano tudo é diferente. E decidi
celebrar essa diferença. Tenho os meninos comigo, tenho tudo o que preciso.
Portanto, decidi fazer árvore de Natal, escrever postais de Natal, comprar
prendas de Natal. Quer dizer… comprar coisas para fazermos prendas de Natal,
que é muito mais engraçado. Já andei à procura de novas ideias e receitas na
Net. Está tudo a postos. Principalmente, o espírito natalício.
Os miúdos tentaram convencer-me a
pegar num machado e ir à procura de um pinheiro verdadeiro nos bosques. Não
fui em conversas. O espírito natalício, porém ecologista, impunha um pinheiro
artificial. O espírito economicista impunha uma coisa barata. O sentido
estético impunha algo minimamente bonito e não muito grande, que a casa é
pequena. Depois de muita procura, lá acabámos por achar um pinheiro de metro e
meio por 16 euros. Só faltavam os enfeites. O meu amor, adverso ao Natal
e a tudo o que ele representa, foi comigo comprar os enfeites para a árvore.
Parecia que ia para a morgue, coitado. Mas a presença dele foi preciosa. Como
sempre.
Enquanto percorria os corredores
dedicados ao Natal, senti um aperto do coração. Fiquei
sem ar. Lembrei-me de tudo o que perdi… De repente, lembrei-me de tudo o que
perdi. E foi tanto! As bolas de vidro que comprei quando estava grávida do
Diogo. O pai Natal enorme que tocava músicas de Natal que o bizavô dele me deu
quando eu tinha 18 anos, mostrando-me que se pode ser adulto sem perder a
criança que há em nós. Os anjos de terracota que a mãe do meu amigo Rui me ofereceu
quando o Vasco nasceu. A bota de feltro com marcas coloridas dos dedos
pequeninos de um Diogo de 5 anos. O suporte para velas com a marca dos dentes
de um Vasco comilão ainda bebé. Todos os enfeites que os meus filhos foram
fazendo ao longo dos anos na escola, que davam um toque especial a esta época.
Que mostravam o passar dos anos. Que contavam a nossa história.
É incrível como há tanta coisa que não
me lembro dos últimos tempos passados em Portugal, mas recordo cada pequenino
enfeite que saía da caixa vermelha guardada no sótão. E percebi que há bombas
ao retardador. Podemos enterrar recordações no fundo da nossa memória,
elas acabam sempre por vir ao de cima quando menos se espera. Senti-me sufocar
com esse peso. O meu amor, que não tinha maneira de saber o que me passava pela
cabeça, viu apenas o que me passava pela cara. Estendeu-me a mão e saímos
dali para fora o mais depressa possível.
Passados uns dias, depois de me ter
despedido mentalmente de tudo o que deixei para trás, fiz nova tentativa. O
Vasco, este meu filho que tem a capacidade de fazer magia,
escolheu bolas azúis (a condizer com as paredes!), pequenos mochos e renas. Um
ursinho. Esperei estar sozinha para montar a árvore. E voltei a fazer contas
com o passado. Arrumei definitivamente esta parte da minha vida numa gaveta da
minha memória. Espero ter feito as pazes com um passado que afinal, de tão
recente, às vezes ainda dói um bocadinho. Dei mais uns passinhos em frente,
acho. E, pronto, enquanto forem dois passos para a frente e um para trás, está
tudo bem.
Os dias especiais têm este jeitinho matreiro de puxar pelas nossas nostalgias. E agora é pensar que há muitos anos pela frente para reconstruir a colecção de decorações de Natal :)
ResponderEliminarBaby steps, Gralha, baby steps...
ResponderEliminarO mais importante é estarem todos juntos! O resto são recordações.
ResponderEliminarJá li o blogue todo...és uma Valente.
A esta altura do campeonato acho que já posso desejar, Boas Festas.
Muitas felicidades
Beijinhos
Muito obrigada, Té. Um Feliz Natal para ti também.
ResponderEliminarBeijinhos.