(é
dar pérolas a porcos, senhores, é dar pérolas a porcos)
Apaixonei-me
pela minha “irmãzinha belga” quando a vi acabada de sair da maternidade, linda
de morrer. Dei-lhe colo, mudei-lhe fraldas, aturei-lhe birras, dei beijinhos em
joelhos esfolados e penteei caracóis loiros rebeldes. Sabe-se lá como, no meio
de três rapazes e uma maria-rapaz mais velhos, transformou-se na coisa mais
coquete do mundo. Fiel às suas convicções, escolheu uma profissão que lhe
assenta como uma luva e está a estudar para ser esteticista. E está sempre a
precisar de modelos, que é uma forma mais simpática de dizer cobaias.
Evidentemente, é aqui que as coisas se complicam para a minha pessoa. Porque
quando ela põe os imensos olhos azúis em mim e me pergunta com aquela voz
docinha se posso servir de modelo, eu não consigo dizer que não.
Arrependo-me sempre, mas não consigo dizer que não.
Esta
semana, começou um estágio num gabinete de estética em Liège e pediu-me que
passasse por lá, no primeiro dia, para mostrar à patroa todas as suas imensas
qualidades numa cobaia modelo. Pediu-me com aqueles olhos azúis e a voz
docinha. Não tive coragem de recusar. E arrependi-me no minuto seguinte, claro.
Mas estava longe de adivinhar a extensão do meu arrependimento. Foram horas,
senhores, de pura tortura!
O
que queria fazer como tratamento estético, perguntou-me quando cheguei ao
meio-dia. Hum… tipo… nada? Vá,
qualquer coisa rápida e indolor. Um tratamento do rosto? Seja, diz que é
relaxante. Não achei. Entre o vapor que me entrava pelo nariz acima e me
sufocava, a exfoliação que me arrancou metade da pele e a máscara com parafina
que me fez sentir uma múmia, passando pela “extraction des comédons”… maneira
simpática de dizer que os meus pontos negros foram todos espremidos até à raiz
dos dentes. A massagem final deve ter sido muito boa, parece que durou meia
hora. Devo ter adormecido exausta nos primeiros três minutos. Pelo menos,
deixei de ter vontade de fazer chichi… raios partam a música Zen com sons de
água!
Quando
acordei, fui informada que podia escolher entre uma manicura, uma pédicure ou a
depilação completa. Bolas, venha o diabo e escolha! Vá, a depilação. Pelo
menos, é útil. Escolha acertada, eu parecia um Yeti. Só que os meus pés estavam
em muito mau estado. E as mãos também. A minha irmãzinha estava decidida a
provar que sabia fazer todo o tipo de tratamentos estéticos. De repente,
percebi por que raio tinha sido eu a escolhida para inaugurar o estágio: em
apenas metro e meio de gente havia trabalho que nunca mais acabava! As horas
seguintes, passei-as em puro sofrimento. Fui extirpada de pêlos e postas de
pele a uma velocidade estonteante. A patroa ia entrando e corrigindo. Eu
tentava distanciar-me do meu corpo, concentrar-me em inspirar e expirar para
controlar a dor, tipo parto. Pensava nos miúdos que estavam para chegar da
escola, na fortuna que ia pagar de estacionamento, no frango que me tinha
esquecido de descongelar para o jantar. Na porra da música Zen, agora com sons
de passarinhos. Nos estalos que nunca dei a esta miúda e que ela estava a fazer
por merecer…
Finalmente,
a tortura acabou. Pensava eu. Ainda faltava aplicar o verniz permanente, que a
minha irmãzinha nunca tinha feito e que a patroa tinha todo o gosto em mostrar,
visto que a cliente das 4h00 estava atrasada. Nunca roguei tantas pragas a uma
pessoa sem a conhecer! Que cor é que eu queria? Transparente, olha que
pergunta! E aqueles olhos azúis em mim… Pronto, já que é para a desgraça, seja
cor-de-rosa. Um sorriso dela e eu ganho o mundo. Põe camada atrás de camada de
bases, vernizes, brilhantes e sei lá mais o quê. Pinta uma unha, põe no forno.
Pinta outra unha, volta a pôr no forno. Nunca me senti tanto um papo-seco como
naqueles 30 minutos. Para finalizar o processo, limpou-me as unhas com acetona.
Espera lá… não percebo grande coisa do assunto, mas a acetona não serve
justamente para tirar o verniz?! Não, aquilo era verniz permanente, não é assim
tão simples de tirar. Hum… acho que é melhor não fazer mais perguntas.
Quase
17h e eu estou pronta. Toda dorida, mas pronta. Fico a saber que o martírio
a que me sujeitei durante horas a fio os tratamentos que me fizeram custam mais do que eu ganho
por mês. Mas haverá alguém são de espírito que pague para lhe fazerem aquilo?!
A mim, tinham era de me pagar para voltar a pôr lá os pés. A minha irmãzinha
abraça-me e agradece a simpatia (nem ela imagina quanta). Diz-me que já só
falta cortar o cabelo para ficar linda para receber o meu amor que está para chegar. Cortar o
cabelo, eu?! Não faço isso há séculos. Nota-se, responde-me. Depois, muito
depressa, diz que não faz mal porque tudo o resto está perfeito. Até já posso
usar saias. Ele não gosta de saias. E sapatos de salto alto? Também não. Mas
uma boa maquilhagem, fica sempre bem. Ele odeia mulheres maquilhadas. Pronto,
as mãos ficaram muito elegantes. Se há coisa que ele abomina são unhas
pintadas. Ahhh… então, ainda bem que ele me encontrou, não é verdade? Parece-me que isto não era bem um elogio...
Sem comentários:
Enviar um comentário