(e,
afinal, até demorou bem menos do que eu previa)
Há
um ano atrás, estávamos a viver um verdadeiro inferno nesta casa. A tal ponto
que, em plenas férias judiciais, acampei no Palácio de Justiça e só saí de lá
depois de ser recebida por um representante do Procurador. Quando os meus
filhos partiram para Portugal em Agosto, havia um plano de emergência pronto a
ser activado, caso o Diogo não voltasse. Um número de contacto directo que
guardei religiosamente. Os raptos parentais na Bélgica são relativamente
frequentes e os meus receios foram encarados com seriedade. Estou convencida de
que se não tivesse tomado esta atitude – e não tivesse informado quem de
direito de que agiria em consequência – o Diogo nunca teria regressado à Bélgica.
Voltou,
mas parecia outro. A mudança já se vinha a anunciar há uns tempos. O meu filho
crescido estava cada vez mais infeliz. De mal com o mundo, connosco, consigo
próprio. Agressivo e mal-educado. Anti-social. Foram tempos muito complicados e
a nossa vida familiar, alvo de duras críticas, ressentiu-se. A única
coisa que dizia, até à exaustão, era que queria voltar para Portugal. Nunca me
conseguiu justificar completamente esta “sua” decisão. Muito menos, explicar-me
por que razão se queria separar do irmão, que sempre adorou. Ou de mim. O seu
discurso parecia dirigido, comprado, ensaiado. Fechado ao diálogo. Cego, surdo
e mudo. Decidi baixar os braços e deixar andar. Entregar para Deus, como dizem
os brasileiros. O deus dos ateus, bem entendido.
Iniciámos
um novo ano escolar que, segundo o meu amor, seria a solução milagrosa do
problema. O quotidiano estruturou-se em função das diferentes actividades extracurriculares
dos nossos rapazes. A vida retomou o seu curso habitual. O Diogo estreitou
amizade com antigos colegas, que passaram a ser visitas frequentes da casa.
Retomámos os nossos passeios de fim-de-semana. Umas vezes, corriam melhor…
outras, pior. No cômputo geral, devagarinho, as coisas foram entrando na ordem.
Os meses sucederam-se. A vida nesta casa regressou à normalidade. A guerra
deslocou-se para sede própria, onde o Diogo foi ouvido pela juíza encarregue do
caso. E tenho a certeza de que um peso enorme lhe saiu dos ombros. Foi como se uma
sombra se tivesse dissipado, o sol voltou a brilhar. A diferença de
comportamento foi imediata.
Na
Primavera, recebemos a decisão judicial tão ansiada. O Diogo e o Vasco ficavam comigo,
na Bélgica. Com direito a pensão de alimentos e metade das despesas extraordinárias,
finalmente. O meu adolescente aceitou esta decisão com uma boa vontade que me
surpreendeu. Nunca mais falou no regresso a Portugal, encerrou definitivamente
esse capítulo. Empenhou-se na sua vida neste país, como nunca antes o tinha
visto fazer. Começou a projectar-se no futuro, a fazer planos a longo prazo.
Voltou a ser um miúdo estupidamente feliz. Melado. Com um sentido de humor
apurado. Adolesceu de repente. Ganhou maturidade e asas. Principalmente, ganhou
espírito crítico e capacidade para compreender certas situações, que eu sempre
me esforcei por dissimular.
Infelizmente,
há pessoas que não sabem aceitar a derrota e, com um novo ímpeto raivoso, arranjam
maneira de continuar a querela em várias frentes. Tive de aceitar que nunca
terei paz na vida, por mais que o tempo passe. Tive de aceitar que há quem se
julgue acima da lei, que de facto protege os pequenos bandalhos. Tive de
aceitar que financeiramente sou eu quem tem de levar o barco a bom porto, nos próximos
anos. Custe o que custar. A diferença, agora, é que o Diogo já não aceita ficar
à margem da contenda. Faz questão de saber o que se passa, de tomar parte das
discussões. Das decisões que lhe dizem respeito. Já não lhe consigo esconder
nada, porque ele não se deixa enganar. O santo caiu do seu pedestal. O Diogo,
aos 14 anos, decidiu tomar as rédeas da sua vida. E, pela primeira vez,
impôs-se. Ganhou coragem. Pediu explicações para os insultos de que sou alvo. Respondeu
duramente. Exigiu o que lhe pareceu justo. Lutou sem baixar os braços por aquilo
que queria. Foi graças a ele que obtivemos autorização para viajar para Marrocos, nomeadamente.
Já percebeu que não consegue resolver tudo, que não se pode meter em tudo, que
há muitas coisas que lhe escapam. Mas começou finalmente a perceber aquilo que
se passa à sua volta e a pensar pela sua própria cabeça.
Há
uns dias, veio cá abaixo desejar-me boa-noite. Falámos um bocadinho. Já ia a subir as escadas, quando
me atirou... “Obrigada, mãe.” Perguntei porquê. “Por teres lutado por mim. Por nunca teres desistido. Por
teres conseguido que eu ficasse contigo, na Bélgica. Agora,
percebo.”
Apesar de saber
que vou continuar a perder algumas batalhas, ganhei a guerra.
Eu acho que o tempo é muito bom a encarregar-se de contar a história como ela realmente é e não como ta querem enfiar goelas abaixo.
ResponderEliminarA alienação parental é uma tremenda realidade e são tantos a praticá-la sem pudor, que nem percebemos que é de um crime que se trata!
Não lutaste só por ele, deste-te a educação que ele precisava para chegar aqui onde chegou!
O mais engraçado nesta história é que eu sou constantemente acusada de ser alienadora! Um dia destes ainda vou fazer um post exclusivamente dedicado à alienação parental...
ResponderEliminarDepois de ler o que escreveste tenho um nó na garganta e o estômago embrulhado.
ResponderEliminarNão sei como reagiria a uma situação dessas (muito mal quase de certeza!) e faltam-me as palavras... No entanto,quero deixar-te aqui o meu apoio e o desejo de que possas continuar a construir para ti e para os teus filhos uma vida mais feliz.
Obrigada, ddm. É exactamente isso que eu tento, aos bocadinhos... construir uma vida mais feliz com os meus rapazes. Beijinhos.
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