(onde
sofremos um pequeno revés em El Jadida)
Foi
difícil obter autorização paterna para fazermos esta viagem. Extremamente
difícil. Uma das condicionantes a que ficámos obrigados foi limitarmo-nos à
rede de transportes públicos existente. A liberdade que o aluguer de um carro
oferecia estava fora de questão. O conhecimento do país ficou, portanto,
limitado aos principais centros urbanos. Isto se não quiséssemos passar mais
horas do que as estritamente necessárias fechados em camionetas apinhadas de
gente que servem as terras mais pequenas.
O
plano inicial era, então, irmos de Marraquexe directamente para Casablanca. Mas
sempre que falávamos com alguém aqui sobre o nosso itinerário, invariavelmente
ouvíamos: "Casablanca?! O que é que vão vocês fazer a Casablanca?!".
Começámos a questionar-nos se seria uma boa ideia... Por outro lado, os miúdos
ficaram vidrados num parque aquático em Marraquexe, com preços absurdos mesmo
para europeus. Depois, ficámos apaixonados pelas cataratas de Ouzoud, cujo
percurso de transportes públicos era um verdadeiro quebra-cabeças. Metermo-nos
numa excursão estava completamente fora de questão, temos horror desse tipo de
viagem artificial para inglês ver. Bom, talvez os 42 graus sem sombra de vento
que se faziam sentir em Marraquexe expliquem esta nossa súbita atracção pela
água...
Decidimos
por isso continuar em direcção à costa, para El Jadida. O mais prático era
apanharmos uma camioneta, seguindo os conselhos do "Guide du routard"...
que se revelaram bastante mais optimistas do que a realidade. Digamos que foi
uma aventura e tanto. Uma aventura que durou quatro longaaaas horas. Mas foi
engraçado. E bastante autêntico, se é que me entendem. Bebés chorões com
fraldas sujas e vomitados à mistura.
Em
El Jadida, ficámos numa maison d'hôtes
amorosa dentro da antiga cidadela portuguesa. As muralhas defensivas originais
percorrem a costa. Ainda se pode visitar a cisterna construída durante a
ocupação portuguesa. Ao longe, o mar azul a perder de vista. Uma vez saídos
desta redoma histórica, depressa percebemos que tínhamos chegado a uma espécie
de Algarve marroquino. Ou seja, uma estância balnear tipicamente marroquina...
para marroquinos locais e emigrantes, que regressam ao país no Verão. Sem ser
exactamente uma terra bonita, tem um colorido muito próprio. Quanto mais não
seja porque, aqui, já quase ninguém fala francês e tivemos de nos desenrascar
de outra maneira.
Estávamos
todos sequiosos de praia, de mar. Os meus homens correram para a água. Eu não.
Infelizmente a praia marroquina não deixa de ser uma amostra desta sociedade
árabe. Homens e rapazes livres, como se nada fosse, alegremente a tomar banho
no mar. Mulheres e meninas vestidas, tapadas, com véus a proteger cabelos e caras.
À primeira vista, a alegria de uns e de outras parece a mesma, mas depois
percebe-se que não. Senti-me triste.
Enquanto
o meu amor e os rapazes tomavam banho, passeei longamente pela praia à beira
mar. De calções de ganga e t-shirt.
Algumas mulheres trocavam sorrisos cúmplices à minha passagem e acenavam com a
cabeça, como se me agradecessem. O que não me fez sentir melhor, longe disso. O
Diogo perguntou-me se tinha vergonha dos olhares masculinos, um bocadinho mais
insistentes desde que nos tínhamos afastado da turística Marraquexe. Tentei
explicar-lhes que se tratava de mera solidariedade feminina. Quem era eu para
ostentar a minha liberdade de europeia e, deste modo, ser conivente com aquela
repressão? Não tenho a certeza de que me tenham compreendido. Lembrei-me da
minha pequena crise de consciência por, à última da hora, ter cedido à vaidade
e ter ido a correr comprar um biquíni novo na Primark antes da viagem. Senti-me
envergonhada por me ter preocupado com coisas afinal tão comezinhas. Às vezes,
precisamos mais de um banho de realidade do que de mar...
Quando
os rapazes se fartaram, foram para as toalhas guardar as nossas coisas para o
meu amor e eu podermos ir ao banho. Fui vestida, claro está. A água estava
morna, mesmo apetecível. Depois, sentámo-nos a ver as fotos que eu tinha feito
na praia, discretamente. Os miúdos voltaram para a água, numa alegria parva. De
repente, virei-me... a minha mala tinha desaparecido. A meio metro de nós. Com
imensas famílias à volta, que ficaram estarrecidas quando se aperceberam do que
tinha acontecido. Ninguém viu nada. Num segundo de distracção, fiquei sem a
minha carteira. Sem o telemóvel, com todos os meus contactos portugueses e
belgas. Fiquei sem documentos. Fiquei sem dinheiro, nem cartões multibanco. A
Polícia perguntou-me por que razão fui com aquilo tudo para a praia. Não sei.
Foi uma estupidez. Talvez porque o quarto não me pareceu suficientemente
seguro. Porque primeiro fomos almoçar que nem uns reis e eu pensei que pudesse
precisar de ir levantar mais dinheiro. Talvez porque era suposto irmos só dar
um mergulho rápido à praia antes de irmos dar uma volta de reconhecimento. Não
sei.
Para
me secar as lágrimas, o meu amor lembrou-me que os passaportes e os cartões
visa tinham ficado num local seguro, no hotel. Disse-me que só quem nunca viaja
é que não tem azares. O chefe da Polícia garantia que o importante era a saúde,
tudo o resto era acessório. Os miúdos tentavam processar os acontecimentos. Por
eles, decidimos continuar como se nada fosse. Aprender a viajar é também
aprender a superar as adversidades que vão surgindo. Desencantar soluções
imaginativas. Manter o bom humor e o sorriso, aconteça o que acontecer. A
próxima cidade esperava-nos...
Estou sem palavras...
ResponderEliminarPela realidade de muitas mulheres em países não tão distantes dos nossos...
E pelo azar que te sucedeu. Eu tinha panicado!
Eu paniquei um bocadito, admito! :)
ResponderEliminar