(onde
se mostra como sublimar um fantasma)
Nem
toda a gente entende esta nossa forma de amar. Normalmente o amor é presença, é
união. É comunicação. Para nós, o amor também é feito de distância, de pausas. De
silêncios. O amor tem de ser temperado de equilíbrio, caso contrário esgota-se.
Como
o Principezinho e a raposa, o nosso amor nasceu devagarinho. Aprendemos a
cativar-nos mutuamente. A esperar. A ansiar um pelo outro. E ainda hoje fazemos
questão de celebrar essa espera. De sublimá-la. Faltam três dias para nos reencontrarmos
e eu estou ansiosa. Sinto um nervoso miudinho que me faz ansiar que estes
últimos dias passem muito depressa. Revejo as novidades todas que tenho para
lhe contar. As pessoas que encontrei, as conversas que tive, os locais onde
fui, as coisas todas que vi. As experiências que vivi e que tenho absolutamente
de partilhar com ele. Porque só assim tudo faz sentido.
O
nosso amor cresceu entre encontros e reencontros fugidios por essa Europa fora.
Eu fui ter com ele a Perugia. Encontrámo-nos os dois em Frankfurt. Ele veio ter
comigo a Seaford. E a Bruxelas e a Lisboa. E a cada espera num novo aeroporto, a
mesma dúvida… Será que ele vem? Veio sempre. E eu aprendi a gostar de sentir
este medo bom. As borboletas.
Não
foram tempos fáceis. Era um amor que tinha tudo para não dar certo.
Principalmente porque nenhum de nós queria isto, uma relação. Uma prisão. Nenhum
de nós queria dar o peito ferido às balas. Prescindir da sua liberdade. Mas
algo nos atraía um para o outro. Uma espécie de força telúrica, de movimento
perpétuo, que nos atirava para o ponto de partida, geograficamente cambiante. E
a cada novo abraço, a certeza de que a nossa casa era ali, no peito um do
outro. Nos braços um do outro. E a cada nova despedida, a certeza de que algo
estava errado. De que o ar rareava.
Podíamos
ter decidido encerrar este capítulo doloroso. Enterrá-lo no buraco negro da
memória. Em vez disso, fazemos questão de relembrá-lo uma e outra vez. Infinitamente.
Tornou-se o nosso fetiche. Testamos a nossa liberdade e a nossa vontade de
estarmos juntos. Afastamo-nos para melhor nos reencontrarmos. Deixamos crescer
o desejo. Afastamo-nos e quase não comunicamos. Fazemos por isso. Uma mensagem
aqui e ali. Curta, sem grandes explicações ou lamechices. Le langage est source de malentendus, já
dizia a raposa. Ele
aproveita para respirar, eu fico a curtir os meus filhos. Cada um de nós vive
intensamente estes momentos de paz a sós.
Aos
poucos, a saudade começa a insinuar-se. O passarinho no meu peito deixa de
cantar. E eu começo a pensar nele. No que mais amo. Em todos os pequenos
defeitos que detesto individualmente, mas cuja soma me cativa porque faz dele
uma pessoa única no mundo. No meu mundo. Daqui por três dias voltamos a encontrar-nos,
desta vez em Marraquexe. Será que ele vai lá estar? Eu sei que sim. Acredito
que sim. Com aquele sorriso que ele guarda para os nossos reencontros. Com um
abraço muito apertado. E uma voz doce que me murmura… “Vês? Estou aqui à tua
espera. Eu disse-te que vinha.”
E,
cada vez que isto acontece, é como se voltássemos ao início. Ao instante em que
nos apaixonámos. Ao primeiro beijo roubado. Podemos ser livres quando
quisermos, sabemos que a liberdade está mesmo ali, ao virar da esquina. Ao
nosso alcance. Mas escolhemos estar juntos. Um dia de cada vez, como sempre
fizemos. Porque, para nós, aquela história do “para sempre” é demasiado tempo.
A seguir a este encontro, mais ou menos longo, haverá outro desencontro. E
outro encontro, inevitavelmente. O nosso amor vai-se edificando graças a este
equilíbrio constante. E da espera que é fonte de felicidade, como tão bem ensinou a raposa.
O vosso amor é uma das minhas histórias favoritas :)
ResponderEliminarTipo Shrek... :)
EliminarAh essa liberdade condicional que achamos que temos quando amamos, mas que é fundamental para percebermos o tamanho do nosso amor!
ResponderEliminarA última vez que me armei em passarinho livre foi há 7 anos e quase morri!
Eu morria se de vez em quando não pudesse fingir que era um passarinho livre, como tu dizes, Naná! ;)
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