segunda-feira, 13 de julho de 2015

O amor também precisa de férias

(onde se mostra como sublimar um fantasma)


 

Nem toda a gente entende esta nossa forma de amar. Normalmente o amor é presença, é união. É comunicação. Para nós, o amor também é feito de distância, de pausas. De silêncios. O amor tem de ser temperado de equilíbrio, caso contrário esgota-se.

Como o Principezinho e a raposa, o nosso amor nasceu devagarinho. Aprendemos a cativar-nos mutuamente. A esperar. A ansiar um pelo outro. E ainda hoje fazemos questão de celebrar essa espera. De sublimá-la. Faltam três dias para nos reencontrarmos e eu estou ansiosa. Sinto um nervoso miudinho que me faz ansiar que estes últimos dias passem muito depressa. Revejo as novidades todas que tenho para lhe contar. As pessoas que encontrei, as conversas que tive, os locais onde fui, as coisas todas que vi. As experiências que vivi e que tenho absolutamente de partilhar com ele. Porque só assim tudo faz sentido.

O nosso amor cresceu entre encontros e reencontros fugidios por essa Europa fora. Eu fui ter com ele a Perugia. Encontrámo-nos os dois em Frankfurt. Ele veio ter comigo a Seaford. E a Bruxelas e a Lisboa. E a cada espera num novo aeroporto, a mesma dúvida… Será que ele vem? Veio sempre. E eu aprendi a gostar de sentir este medo bom. As borboletas.

Não foram tempos fáceis. Era um amor que tinha tudo para não dar certo. Principalmente porque nenhum de nós queria isto, uma relação. Uma prisão. Nenhum de nós queria dar o peito ferido às balas. Prescindir da sua liberdade. Mas algo nos atraía um para o outro. Uma espécie de força telúrica, de movimento perpétuo, que nos atirava para o ponto de partida, geograficamente cambiante. E a cada novo abraço, a certeza de que a nossa casa era ali, no peito um do outro. Nos braços um do outro. E a cada nova despedida, a certeza de que algo estava errado. De que o ar rareava.

Podíamos ter decidido encerrar este capítulo doloroso. Enterrá-lo no buraco negro da memória. Em vez disso, fazemos questão de relembrá-lo uma e outra vez. Infinitamente. Tornou-se o nosso fetiche. Testamos a nossa liberdade e a nossa vontade de estarmos juntos. Afastamo-nos para melhor nos reencontrarmos. Deixamos crescer o desejo. Afastamo-nos e quase não comunicamos. Fazemos por isso. Uma mensagem aqui e ali. Curta, sem grandes explicações ou lamechices. Le langage est source de malentendus, já dizia a raposa. Ele aproveita para respirar, eu fico a curtir os meus filhos. Cada um de nós vive intensamente estes momentos de paz a sós.

Aos poucos, a saudade começa a insinuar-se. O passarinho no meu peito deixa de cantar. E eu começo a pensar nele. No que mais amo. Em todos os pequenos defeitos que detesto individualmente, mas cuja soma me cativa porque faz dele uma pessoa única no mundo. No meu mundo. Daqui por três dias voltamos a encontrar-nos, desta vez em Marraquexe. Será que ele vai lá estar? Eu sei que sim. Acredito que sim. Com aquele sorriso que ele guarda para os nossos reencontros. Com um abraço muito apertado. E uma voz doce que me murmura… “Vês? Estou aqui à tua espera. Eu disse-te que vinha.”

E, cada vez que isto acontece, é como se voltássemos ao início. Ao instante em que nos apaixonámos. Ao primeiro beijo roubado. Podemos ser livres quando quisermos, sabemos que a liberdade está mesmo ali, ao virar da esquina. Ao nosso alcance. Mas escolhemos estar juntos. Um dia de cada vez, como sempre fizemos. Porque, para nós, aquela história do “para sempre” é demasiado tempo. A seguir a este encontro, mais ou menos longo, haverá outro desencontro. E outro encontro, inevitavelmente. O nosso amor vai-se edificando graças a este equilíbrio constante. E da espera que é fonte de felicidade, como tão bem ensinou a raposa.
 
 

4 comentários:

  1. O vosso amor é uma das minhas histórias favoritas :)

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  2. Ah essa liberdade condicional que achamos que temos quando amamos, mas que é fundamental para percebermos o tamanho do nosso amor!

    A última vez que me armei em passarinho livre foi há 7 anos e quase morri!

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  3. Eu morria se de vez em quando não pudesse fingir que era um passarinho livre, como tu dizes, Naná! ;)

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